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Cultivo de Camarões
03 de Julho de 2020 Aquaculture Brasil
A produção integrada na carcinicultura brasileira: desafios e potencialidades

Nas últimas décadas, a carcinicultura brasileira tem vivido momentos desafiadores. Entre 2003 e 2005, o Brasil se destacava como um dos principais produtores e exportadores de camarão marinho da América do Sul. Aí veio a ação antidumping promovida por produtores norteamericanos e, de uma hora para outra, os produtores brasileiros foram forçados a despejar no mercado interno 98% de toda a sua produção. Mais de uma década depois, os efeitos daquela ação antidumping ainda se fazem sentir.

Como se isso não bastasse, a carcinicultura brasileira tem historicamente enfrentado uma série de problemas que dificultam a regularização dos empreendimentos, afastando novos investidores e limitando o desenvolvimento da atividade, tais como: i) lentidão e burocracia no licenciamento ambiental; ii) conflitos com outros usuários de áreas costeiras; iii) denúncias quanto ao potencial poluidor da atividade; e iv) surtos epidêmicos, como o da Síndrome da Mancha Branca (WSSV).

Em tal cenário, ser mais eficiente não pode e não deve ser encarado como algo utópico, mas como objetivos bem definidos a serem alcançados, entre eles, o uso ordenado e mais eficiente de recursos e insumos, melhorias no processo de comercialização da produção e redução de impactos e de conflitos socioambientais. Neste contexto, a Produção Integrada (PI) se apresenta como uma alternativa para auxiliar os produtores a su-perar os gargalos enfrentados nos últimos anos.

A PI é um conceito relativamente novo que envolve um regime sistêmico de produção agropecuária que tem como princípios a minimização dos desperdícios e impactos (ambientais, sociais ou econômicos) ambientais associados, visando a maximização dos lucros (Figura 1). Este regime já vem sendo empregado em diferentes áreas da agropecuária brasileira e mundial (fruticultura, bovinocultura, avicultura e outras).

Seu uso específico na carcinicultura foi amplamente discutido e estudado na obra “A Produção Integrada na Carcinicultura Brasileira” (Figura 2), publicado em dois volumes, pelo Grupo Integrado de Aquicultura e Estudos Ambientais (GIA) da Universidade Federal do Paraná e disponibilizado gratuitamente no site: www.gia.org.br/portal.

A PI é um processo de produção voluntário e de livre adesão. Mas, se quiser obter a certificação do seu empreendimento segundo os princípios da PI, o carcinicultor precisará seguir um conjunto de NTE (Normas Técnicas Específicas), cuja aplicação será auditada periodicamente na propriedade. No Brasil, essa certificação é realizada por empresas acreditadas pelo Inmetro e a sua gestão e fomento são realizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Cultivar camarões marinhos de acordo com os princípios da PI não implica na mudança radical de técnicas e métodos de cultivo de camarões, mas sim em uma administração produtiva mais rigorosa, controlada, integrada e sistêmica. Isso obviamente exigirá um grau de profissionalismo em toda a cadeia produtiva da carcinicultura, demandando planejamento, organização, rigor com os processos técnicos e operacionais, padronização, capacitação e qualificação.

Cultivar camarões marinhos de acordo com os princípios da PI não implica na mudança radical de técnicas e métodos de cultivo de camarões, mas sim em uma administração produtiva mais rigorosa, controlada, integrada e sistêmica.

 

Material e métodos

Para avaliar os potenciais e os desafios para fazer da PI uma alternativa para promoção do desenvolvimento da carcinicultura marinha no Brasil, foi realizada uma análise de Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças (SWOT), comparando-se a produção integrada com a produção convencional (PC).

As componentes da SWOT foram estabelecidas com base em pesquisa bibliográfica sistemática (seguindo a metodologia PRISMA) e, posteriormente, agrupadas em oito “áreas temáticas” (Técnica, Organizacional, Econômica, Mercadológica, Social, Ambiental, Sanitária e Institucional).

 

 

Resultados

Quando essas áreas temáticas são representadas na forma de gráfico radar (Figura 3), pode-se observar que, em relação ao conjunto de fraquezas, oportunidades e ameaças não há uma diferenciação tão evidente entre a PC e a PI. As maiores diferenças entre os regimes estão relacionadas às forças em potencial apresentadas por empreendimentos estruturados e gerenciados segundo as normas da PI. Entre elas, destaca-se a possibilidade de redução dos danos causados por doenças e dos riscos de introdução e disseminação de patógenos. Isso se deve à adoção obrigatória de boas práticas de manejo, biossegurança e bem-estar animal na PI. A adoção de tais práticas, por sua vez, ajuda a evitar a proliferação e a disseminação de doenças.

O foco da PI na redução do uso de energia e na otimização de recursos e insumos também chama a atenção. Para que isso seja possível, os produtores precisam estabelecer objetivos e os passos necessários para garantir a eficiência energética por meio da: minimização de perdas; planejamento de instalações e de obras; uso de combustível e maquinários; práticas de trabalho e, ainda, um cronograma de manutenção e revisão de equipamentos e das instalações utilizadas na fazenda. A consequência natural do processo de otimização nosso de recursos é a redução de impactos e de desperdícios, que, por sua vez, podem levar ao aumento da viabilidade econômica do empreendimento.

Outro aspecto a ser considerado é que grande parte dos princípios da PI estão relacionados à qualidade ambiental, por meio da menor perturbação dos ecossistemas. A PI não proíbe, por exemplo, o uso de fertilizantes, pesticidas, antibióticos, entre outros, mas determina que os mesmos devem sempre ser utilizados como último recurso e apenas nos casos em que as perdas forem economicamente inaceitáveis e não puderem ser impedidas por mecanismos reguladores naturais.

Outra vantagem da PI está relacionada ao maior controle e padronização de dados, processos produtivos, administrativos e de gestão ao longo da cadeia produtiva. Tais procedimentos facilitam a identificação de problemas, a correção de técnicas empregadas, a prevenção de riscos e a redução de perdas e de desperdícios que podem ocorrer ao longo do processo produtivo. Além disso, servem de base para o cumprimento de outra exigência comum da certificação: a rastreabilidade de produtos e processos.

Entre os principais entraves relacionados à adoção da PI destaca-se o fato de que esse regime é uma forma ainda inédita de se produzir camarões e, por esse motivo, ainda é necessário que as NTE sejam definidas e validadas pelo MAPA para a certificação dos empreendimentos.

Outro desafio associado ao regime de PI diz respeito ao mercado e, mais especificamente às possíveis dificuldades para a diferenciação dos produtos oriundos da PC e da PI junto ao consumidor. O argumento de que esse regime de produção valoriza a saúde do ambiente, do produtor e do consumidor é válido e verdadeiro, mas talvez insuficiente para fazer com que o consumidor aceite pagar mais por um produto certificado.

 

Conclusões

Não se espera que uma certificação de adesão voluntária e que exige uma administração sistêmica e altamente profissional dos empreendimentos e dos processos produtivos venha, em curto prazo, ser incorporada e que revolucione um setor tão diverso em sistemas, tecnologias de produção e capacidade de investimento como é a carcinicultura brasileira. Ainda assim, a PI apresenta forças potencialmente superiores às da PC e, a médio e longo prazo, é quase certo que muitos de seus conceitos serão inevitavelmente incorporados à rotina dos empreendimentos de carcinicultura no Brasil, mesmo naqueles empreendimentos não certificados. 

No mercado internacional de camarões três tendências se destacam atualmente:

1) o combate às fraudes, especialmente aquelas relacionadas à rotulagem incorreta de produtos à base de camarão;

2) a exigência de qualidade, rastreabilidade e certificação do produto comercializado;

3) a tendência de redução de preços.

Quem pensa em investir ou já investe na produção de camarões precisa estar atento a tais tendências, pois elas podem vir a afetar o seu negócio um dia. É justamente nesse cenário que a produção integrada pode, aos poucos, conquistar importantes espaços na carcinicultura brasileira.

 

Autores: Nathieli Cozer*; Giorgi Dal Pont; Aline Horodesky e Antonio Ostrensky
Grupo Integrado de Aquicultura e Estudos Ambientais (GIA)
Departamento de Zootecnia, Setor de Ciências Agrárias
Universidade Federal do Paraná
Curitiba, PR
*nathielicozer@gmail.com

 

Faça o download e confira o texto completo com todas as ilustrações. Clique aqui
 

 

 

 

 

 

 

 

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