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17 de Maio de 2020 Aquaculture Brasil
Luis Alberto Romano

Médico, Filósofo e especialista em patologia formado na Universidade Nacional de La PLata, na Argentina.

Para além da medicina, Romano decidiu deixar a patologia humana de lado para ingressar em algo que também lhe despertava curiosidade quando criança, o mundo dos peixes e demais organismos aquáticos. Assim, começou atuando na FAO como especialista em patologia de organismos aquáticos de 1989 a 2009, adquirindo expertise na área de Imunologia.

AQUACULTURE BRASIL: Para quem ainda não o conhece, quem é o professor Luis Alberto Romano?

Luis Romano: Me formei em Medicina Humana na Universidade Nacional de La Plata, me especializei em Patologia, Patologia Humana, fiz minha residência nessa especialidade e me doutorei com um tema fora do comum na medicina humana, “Filogenia e Ontogenia do Sistema Respiratório”. Durante 24 anos exerci a Patologia Humana,
mas já com inclinação a investigação sobre todo o Sistema Renina Angiotensina, um sistema complexo que se encontra em todos os vertebrados. Em 2003 estudei Filosofia
das Ciências, porque a ciência não me dava todas as respostas à minhas curiosidades existenciais e, como não sou religioso, encontrei algumas respostas na Filosofia. Hoje ministro aulas de Patologia e Imunologia de peixes, crustáceos e moluscos para os alunos da Pós-Graduação em Aquicultura da Universidade Federal de Rio Grande – FURG. Também dou aulas de Filosofia das Ciências em um curso do CEUA (Comissão de Ética no Uso de Animais), na Pós-Graduação em Aquicultura e em algumas ocasiões na Medicina Humana, também na Furg.

 

AQUACULTURE BRASIL: O que motivou o senhor a entrar na área de patologia de organismos aquáticos?

Luis Romano: Essa é uma resposta que precisaria de todo um número da revista, é complicado. Estudei Medicina Humana com muito amor e paixão, sou o primeiro universitário da minha família, família essa de gente trabalhadora. Várias coisas aconteceram em minha vida pessoal e em minha vida médica. Razões políticas, afetivas
e claro científicas, em um momento a Medicina se converteu em um fenômeno demasiadamente comercial, a economia de mercado se chocou com o conceito de Medicina, que originalmente estava em meu coração e, não sem dor, decidi trabalhar com este tema que trabalho atualmente. Desde criança os peixes me despertavam atenção; eu criava
e vendia peixes ornamentais desde os 10 anos de idade, e era um amor, não tão forte como a Medicina, mas como dizia Santiago Ramón y Cajal “Enquanto a alma perde, perde a auréola juvenil, as generosas disputas por aplausos são substituídas por egoístas competições por dinheiro” e isso acontece na Medicina Humana.

 

AQUACULTURE BRASIL: Quais foram as suas principais experiências vivenciadas dentro da Patologia enquanto consultor de alguns órgãos importantes, como a FAO?

Luis Romano: Quando a FAO desenvolveu o projeto AQUILA (Aquicultura para América Latina), em uma das primeiras reuniões realizadas por este tema na cidade de Bariloche, Argentina, se concluiu que uma das problemáticas que iriam impedir o desenvolvimento sustentável da aquicultura na região seriam as enfermidades e, portanto, precisariam de especialistas em patologia de organismos aquáticos, e como eu era jovem e não tinha muita experiência, me dediquei ao estudo dessa problemática, trabalhando em vários países como Chile, Equador e no Brasil.

 

 

AQUACULTURE BRASIL: Quais as principais técnicas da Medicina que foram levadas para auxiliar na evolução dos estudos de patologias dos organismos aquáticos?

Luis Romano: Todas as técnicas de Medicina. Se você ler o livro de Stoskopf “Fish Medicine”, verá claramente como o autor faz uma implementação de todas as técnicas utilizadas, a princípio na Medicina Humana e transferidas à Medicina Veterinária.

 

AQUACULTURE BRASIL: Qual a importância da histopatologia como uma ferramenta nos estudos relacionados a enfermidades de peixes e camarões?

Luis Romano: A histopatologia constitui uma ferramenta central para o diagnóstico de diferentes patologias que afetam todos os organismos aquáticos, desde invertebrados a mamíferos. A histologia permite com exatidão e, por meio de técnicas pertinentes, estabelecer os órgãos afetados, as alterações próprias de cada enfermidade nos diferentes tecidos, e em muitos casos, fazer um diagnóstico definitivo da situação. A histopatologia conta com outras ferramentas de grande utilidade, como a Imunohistoquímica, que permite, a partir da utilização de um anticorpo, detectar um antígeno, viral, bacteriano, entre outros, e a Patologia Molecular, que assim como a Biologia Molecular, nos permite fazer diagnósticos genotípicos “in situ” sobre tecidos, como é o caso do PCR “in situ” e a Hibridização “in situ”.

 

AQUACULTURE BRASIL: Como um dos patologistas mais experientes da aquicultura, como o senhor vê a evolução dos manejos e da biossegurança nos cultivos, tanto de peixes quanto de camarões?

Luis Romano: As grandes problemáticas geradas pelas pandemias que afetam organismos aquáticos só podem ser solucionadas por uma integração e compromisso de todos os países aderidos à OIE. Em minha opinião particular, as enfermidades em sua maioria, se originam por um mal manejo do cultivo e uma alteração do bem estar animal. As medidas de biosseguridade, não apenas são úteis, como são indispensáveis para o controle dessas enfermidades e fazem da aquicultura uma atividade sustentável ao longo do tempo.

 

AQUACULTURE BRASIL: O senhor pode vivenciar de perto, enquanto consultor da FAO, o estrago que a doença da Mancha Branca provocou nos cultivos de camarão no Equador. Era inevitável que a mesma chegasse ao Brasil?

Luis Romano: A resposta a esta pergunta é definitivamente SIM. Era inevitável. O vírus que gera a Enfermidade da Mancha Branca, originado na Ásia, cedo ou tarde iria chegar ao Brasil. O que está claro é que o impacto gerado por essa enfermidade no mundo, variou substancialmente, de acordo com o tipo de cultivo e das medidas de biosseguridade adotadas. No Equador, por exemplo, foi trágico; no primeiro ano de surgimento da enfermidade, foram perdidos aproximadamente 800 milhões de dólares, 120.000 empregos, falência dos bancos, sendo necessário quase 10 anos para recuperação do setor. Em outros países, incluindo o Brasil, a situação não foi tão grave. Neste momento, com o desenvolvimento tecnológico e os fenômenos de aclimatação viral, diminuiram o seu impacto negativo na aquicultura.

 

AQUACULTURE BRASIL: O sistema de bioflocos já demonstrou, através de experimentos realizados na própria FURG, ser um ambiente mais biosseguro para os animais, mesmo sendo uma tecnologia que trabalha de forma intensiva. Seria esse o caminho para uma produção mais eficaz e segura na carcinicultura? Qual a
sua visão a respeito do sistema?

Luis Romano: A resposta é definitivamente SIM. O Sistema de Bioflocos rompeu o paradigma da aquicultura. Não vou expor aqui todas as vantagens que possui esse sistema, apenas salientar que, por não ter troca de água, os animais ficam menos expostos a patógenos, a alimentação dos camarões é quase igual a que realizaria em seu ambiente natural, e vários outros pontos que não cabe mencionar aqui. Há algo muito importante que quero enfatizar, o fator de conversão alimentar, em todos os estudos este demonstra-se menor que nos sistemas clássicos onde a conversão é de 1:3, e no sistema de bioflocos cai a 0,8 ou 0,9 aproximadamente. Isto significa um menor consumo de farinha de pescado, que como diz Tacon, “Estamos pescando para a aquicultura”, ou seja, pescamos e, ao invés de dar esse pescado para consumo direto humano, utilizamos dele para produzir camarões ou peixes, o que resulta em preços altos nas gôndolas dos supermercados. Na conferência “Aquicultura para o Terceiro Milênio” em Bangkok, Tailandia, em 2000, se enfatizou que essa atividade contribuiria para diminuir a insegurança alimentar, declarada pela FAO pela falta de proteínas de alta qualidade e baixo custo. O que não aconteceu; 20 anos depois a aquicultura segue sendo um negócio de empresas. Um exemplo é o Chile, o país com maior desenvolvimento em aquicultura
na região, onde ingressam milhões de dólares pela comercialização do salmão. No entanto, O Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) descreve o Chile como um país desigual: 1% concentra 26,5% da riqueza e informou que 66,5% captou apenas 2,1% do capital. Lembrar que 1,3 bilhão de pessoas são afetadas pela pobreza em todo o mundo.

 

AQUACULTURE BRASIL: O senhor acredita que a piscicultura brasileira poderá enfrentar desafios sanitários no futuro, como a carcinicultura?

Luis Romano: A piscicultura brasileira, como toda atividade aquícola, se desenvolve e se desenvolverá, com inúmeros desafios sanitários. Resta a ciência e a tecnologia, procurar métodos para evitar que as enfermidades derrubem a atividade, e claro, é responsabilidade do governo prover às instituições educativas e pesquisadores, os elementos necessários para levar a cabo esse desenvolvimento tecnológico. A única forma de garantir a sustentabilidade da ciência e da tecnologia é assegurar uma educação
universitária gratuita, tanto de graduação como de pósgraduação. 

 

AQUACULTURE BRASIL: Atualmente o senhor é Bolsistade Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2. Quais são as suas principais linhas de pesquisa no momento? O que ainda lhe instiga a pesquisar?

Luis Romano: Vou responder primeiro a última pergunta, mas com uma frase de Santiago Ramón y Cajal, quando perguntaram porque sendo tão velho continuava indo ao instituto onde trabalhava, ele respondeu: “a ciência continua me surpreendendo, e enquanto continuar me surpreendendo, e o corpo me permitir, seguirei fazendo ciência”. A ciência para mim é um motor de vida, quase um vício difícil de sair. E quanto às linhas de trabalho, seguimos trabalhando na área de patologia e imunopatologia de peixes, crustáceos e moluscos, e ultimamente estamos começando a trabalhar em patologia de mamíferos marinhos. Nesse momento, desenvolvemos um projeto que tenta buscar uma vacina contra o Amyloodinium ocellatum. Este parasito provoca muitas perdas na piscicultura marinha.

 

AQUACULTURE BRASIL: Quem teve a oportunidade de ter aula com o senhor sabe que vai ouvir não somente sobre Patologia, mas vez ou outra também um pouco
sobre Filosofia. Qual a importância de passar um pouco de filosofia para os alunos?

Luis Romano: A ciência é um paradigma fundamentado; paradigma porque não mostra a realidade, e fundamentado porque requer um método científico para que se faça compreender os fenômenos implícitos nela. A filosofia mostra a realidade. Você pode estar ou não de acordo com Sartre ou com Santo Tomas de Aquino, mas, a cada um se permite dar uma interpretação aparentemente coerente da realidade, apesar de serem polos opostos no espectro filosófico. Com os alunos falo de filosofia, porque me interessam mais que como sujeitos científicos, que sejam sujeitos humanos capazes de filosofar. Pretendo transmitir os conceitos que acredito serem corretos, tanto na área sócio-política como filosófica, para que pensem mais além da atividade científica que realizam. Dizia “ mi maestro” o doutor Croxatto “Aquele que somente sabe medicina, nem medicina sabe”. Com esta definição, está claro, que apenas a ciência não é suficiente, e devemos voltar ao conceito de pensamento complexo de Edgar Morin.

 

AQUACULTURE BRASIL: Por fim, deixe uma mensagem para os estudantes de aquicultura e leirores desta entrevista:

Luis Romano: A mensagem é clara, não desistir, não se render frente às situações, que a princípio parecem adversas. Insistir na busca de seus objetivos científicos, e nunca deixar de reconhecer que podem fazer o que fazem, porque a educação no Brasil é pública e gratuita. Defender essa educação é sua obrigação. Não há desculpas para aquele que não luta no momento em que essa educação esteja em perigo. E, finalmente, lembre-se das palavras de Santo Agostinho “o orgulho é o pior dos pecados”. Devemos cultivar a humildade, reconhecer nossas limitações, Santiago Ramon y Cajal disse que a humildade faz parte do conhecimento. Se alguém não tem humildade para reconhecer sua ignorância, nada faz sentido na busca pelo conhecimento.

 

Devemos cultivar a humildade, reconhecer nossas limitações. Santiago Ramon y Cajal disse que a humildade faz parte do conhecimento, se alguém não tem humildade para reconhecer sua ignorância, nada faz sentido na busca pelo conhecimento.

 

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Charge Edição nº Publicado em 18/09/2023
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