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Entrevistas
01 de Março de 2017 Aquaculture Brasil
Francisco das Chagas Medeiros

Aproveitando a valiosa oportunidade de estarmos juntos à PeixeBR na Seafood Expo North America, em Boston (EUA), a AQUACULTURE BRASIL entrevistou Francisco das Chagas Medeiros, secretário executivo da PeixeBR e nome forte da piscicultura Nacional.

 

AQUACULTURE BRASIL: Francisco, comece nos contando como foi sua formação acadêmica e atuação profissional?

Francisco: Sou médico veterinário, atuei durante muito tempo na área com pequenos e grandes animais, mas logo que comecei como veterinário, passei a ter uma produção de peixes e acabei me apaixonando. Fui professor da Universidade Federal do Mato Grosso durante quatro anos, terminando esse período voltei para iniciativa privada e comecei a investir mais na piscicultura. Passei a me dedicar exclusivamente à atividade, inicialmente com uma produção pequena, mas também iniciei na área de consultorias e as coisas foram evoluindo. Em 1997 tive uma palestra em São Paulo, mostrando a tecnologia dos tanques-rede de pequeno volume e grandes densidades. Achei aquilo fantástico, voltei e comecei a fabricar os tanques para produzir peixe dentro daquele contexto. Sempre trabalhando com peixes nativos, durante muitos anos os resultados não eram significativos, mas em 2000, em função dos resultados que havia conseguido, escrevi um livro, cuja segunda edição foi distribuída pelo SEBRAE nacional. Continuei procurando uma solução para a produção de peixes nativos em tanque-rede, e em 2008 quando fui para o Chile, conheci os tanques-rede de grande volume. Retornei de lá e construímos um tanque de 12 x 12 m. Nele testamos o híbrido tambacu, depois o pintado e a matrinxã e os resultados foram totalmente diferentes, levando-me a acreditar que realmente tínhamos uma solução para os peixes nativos em tanque-rede, desde que estes fossem de grandes dimensões e volumes. A partir daí comecei a investir em uma empresa, porque não tínhamos tecnologia no Brasil para produzir tanques como estes. Tempo depois, em 2015, a PeixeBR foi fundada e fui convidado para ser o secretário-executivo, sendo esta uma função que exerço até hoje.

 

AQUACULTURE BRASIL: Qual a sua motivação para acreditar e investir na aquicultura brasileira?

Francisco: É uma conta simples. Sou filho de agricultores de Minas Gerias, de uma região onde começou a aplicação de tecnologia na agricultura. Quando criança, meu pai plantava, e tinha uma plantadeira animal de duas linhas, ou seja, aquilo era bem o início do que é hoje. Mudei-me me para o Mato Grosso, onde hoje há a melhor tecnologia para produção de grãos no mundo, tanto é que existem empresas especializadas no turismo tecnológico, trazendo produtores do mundo todo para visitar as fazendas. Portanto, vi essa transformação, e ao mesmo tempo verifiquei lá no final dos anos 90 que tínhamos as hidroelétricas, e o governo estava com uma legislação para uso e ninguém ocupava. Comecei a fazer uma comparação da agricultura, especificamente no Mato Grosso, e a aquicultura, ou seja, os pioneiros vieram para o Mato Grosso no final nos anos 70 e 80, encontraram um cerrado sem infraestrutura, prepararam esse solo e hoje são bilionários.

Os lagos das hidroelétricas são como se esses pioneiros chegassem para produzir peixes e a “terra” estivesse preparada, necessitando apenas comprar equipamentos. Portanto, não tem como dar errado, o principal, que é o recurso hídrico e as condições para a produção já estão prontas, falta o investimento – essa é a primeira conta.

A outra, é que o principal player de proteína animal é o pescado e nós temos uma demanda não atendida, diferente de outras cadeias que se tem uma briga para vender um quilo a mais no mercado internacional. Verifiquei também que quem supre o mercado mundial com insumos para fabricação de ração somos nós, Brasil. Portanto, não tem como dar errado. É um negócio com muito a crescer, e um crescimento fora da realidade e percepção que temos hoje. Por isso, acreditei na aquicultura como atividade, não só para mim, mas para uma série de profissionais que hoje estão saindo das universidades, uma serie de empresários que querem fazer um novo investimento na atividade. Talvez essa conversa daqui há 10 anos terá outro contexto, totalmente diferente, por que cada dia novas pessoas estão enxergando essa oportunidade que está a sua frente. É uma questão de “caducar” um pouquinho e começar a produzir.

 

AQUACULTURE BRASIL: Muito interessante seu ponto de vista agroindustrial relacionando à aquicultura. Você acredita que o Brasil tem potencial para seguir no mesmo cenário, com pessoas do mundo todo vindo para ver o desenvolvimento da aquicultura brasileira?

Francisco: Com certeza! Isso inclusive já acontece, não com a vinda de outros países, mas dentro do Brasil. No Mato Grosso onde estão instalados esses primeiros projetos de tanque-rede de grandes volumes com peixes nativos, temos recebido pelo menos uma vez por dia produtores e governantes de diversos estados do país. Portanto, acredito ser uma tendência em um futuro bem próximo, a visita de outros países para verificar nossas soluções em criação com tecnologia em sistemas tropicais.

 

 

AQUACULTURE BRASIL: Falando um pouco da PeixeBR, ela surgiu com a fusão da Associação Brasileira de Industria de Processamento de Tilápia e Associação Brasileira de Produtores de Tilápia. Acreditamos que o maior intuito foi abranger todo o setor, nesse sentido Francisco, você acredita que esse objetivo foi atingido conforme o planejado? Quais foram os benefícios dessa fusão para a piscicultura brasileira?

Francisco: Esse arranjo da PeixeBR, como espécie de um guarda-chuva, onde abaixo abrangemos toda a cadeia produtiva, é um arranjo novo no agronegócio brasileiro, inclusive no setor de industrias e comércio. Verificamos que era extremamente necessário, o setor estava crescendo há uma taxa superior a 10% ao ano e totalmente desorganizado. Na minha terra temos um ditado “Caititu fora do bando é comida de onça”, portanto, as empresas estavam crescendo muito, mas isoladas e muito susceptíveis a dificuldades de governo e principalmente as dificuldades de mercado. Então em um primeiro momento juntou-se as associações para se estabelecer políticas internas, comercias e principalmente influenciar com políticas públicas, ou seja, o setor ter um porta-voz para chegar no governo e determinar para onde o governo deve seguir. Um desses exemplos é o projeto estruturante para a piscicultura brasileira, desenvolvido pela Embrapa Pesca e Aquicultura, de mais de 50 milhões. Sendo que nos anos de 2015 e 2016 tivemos a oportunidade de nos reunirmos várias vezes com a Embrapa, fazendo os direcionamentos de pesquisa, porque até então a Embrapa não tinha nem com quem conversar. Portanto, criou-se um porta-voz para o setor. Antes os grandes produtores e as grandes indústrias falavam por si só em nome do setor e nós estamos tentando mudar isso. Andando junto você anda mais devagar, mas vai mais longe.

 

AQUACULTURE BRASIL: Quais as principais áreas de atuação da PeixeBR?

Francisco: Todas as ações que tomamos são ações que consideramos estruturantes, então não fazemos uma ação para um produtor ou para um estado, todas são no sentido de beneficiar a todo o Brasil e toda a cadeia produtiva. E toda a cadeia produtiva, envolve os fabricantes de ração, os frigoríficos, as indústrias de medicamentos, equipamentos, etc. A PeixeBR iniciou suas ações principalmente com a questão relacionada ao licenciamento ambiental e a importação de pescado. Quanto à importação de pescado, nós fizemos uma ação junto ao Ministério de agricultura, em virtude de termos, ainda que em menor escala, a importação de produtos de baixíssima qualidade. Como resultado, acabamos de ter uma instrução normativa sobre a qualidade do pescado congelado, de forma que o pescado que vem de fora, passe pelas mesmas exigências do pescado nacional, tendo assim uma uniformidade na qualidade e, portanto, poderemos competir de igual com qualquer pescado que entrar. Sobre o licenciamento ambiental, depois da criação da lei complementar n° 140, onde cada estado cria a sua legislação, nós começamos a atuar com ações pelos estados, começando com os que tinham maior importância na produção. Iniciamos principalmente no Mato Grosso do Sul, São Paulo, Goiás e agora, mais recentemente em Tocantins. Em cada estado buscamos sempre fornecer medidas para que se tenha uma legislação que traga ao produtor competitividade e não dificuldade. E uma consequência disso é que resolvemos outro gargalo, que é falta de dinheiro.

Hoje sobra dinheiro nos agentes de financiamento, mas como o produtor não tem licenciamento ambiental, fica impossibilitado de captar esses recursos.

Temos um projeto específico para esse ano que é o marketing nacional para o peixe cultivado, ou seja, ainda há muita dúvida se o peixe é do rio, se o peixe é importado, se o peixe é cultivado, o que é esse peixe cultivado, então nós vamos começar esse ano de 2017 com uma campanha de esclarecimento para o consumidor, trazendo novos cortes, novos produtos para que a gente possa aumentar a nossa base de consumo.

 

AQUACULTURE BRASIL: Tem alguns produtores da China produzindo uma espécie nativa brasileira, que é a pirapitinga, o que você tem a dizer sobre isso?

Francisco: É um detalhe extremamente interessante. No Brasil o produtor que produz peixe redondo pensa em produzir um peixe grande, porque o cliente segundo ele quer comprar um peixe grande. Aí voltamos a questão de que as pessoas estão produzindo o que se gosta e muitas vezes esse negócio de perguntar para o cliente o que ele quer, pode não ser a melhor solução. Temos que oferecer soluções novas para o cliente. Vou usar como exemplo, Henry Ford. Henry falava que não gostava de pesquisa por que se ele fosse pesquisar para seus potenciais consumidores o que eles queriam, eles iam falar que queriam cavalos mais velozes. Então os chineses levaram nossos peixes redondos como tambaqui, caranha e pirapitinga, olhando para o mercado. E identificaram que existia um mercado mundial para o peixe redondo a partir de 600 a 900g no máximo, e produzem esse peixe em grandes volumes, evisceram e vendem extremamente barato (dois dólares o quilo). Quando olhamos isso, vemos uma grande oportunidade para os peixes brasileiros, em especial os redondos. O africano nunca ouviu falar de pacu, tambacu e come hoje muito peixe vindo da China. Ou seja, isso demonstra que somos aprendizes nesse processo de comercialização de pescados, daí a importância de estarmos presentes em uma feira como a Seafood Expo North America, para aprender a vender peixe, por que achamos que sabemos e na realidade sabemos muito pouco.

 

AQUACULTURE BRASIL: Falando sobre o consumo de peixes no Brasil, sabemos que o brasileiro consome em média 10 quilos por ano. O que esse valor representa?

Francisco: Bom, primeiro a única certeza que temos é que o consumo per capita de peixe cultivado é na ordem de 3,2 kg/habitante/ano e o consumo per capita de peixes importados é de 2 kg/habitante/ano. Portanto, tenho certeza que nós consumimos 5,2 kg/habitante/ano. Quanto aos números de consumo de pescado oriundo de capturas, não sabemos, porque não existe nenhum dado. Qualquer número que seja colocado estará errado. O grande consumo nas grandes redes de supermercados hoje é de peixe de cultivo, os principais frigoríficos são de peixes de cultivo, o maior número de empresas é de peixes de cultivo, então aonde que está esse peixe de captura?

 

AQUACULTURE BRASIL: Em relação ao marketing do peixe de cultivo, em termos mundiais percebe-se que a aquicultura está tentando mudar essa imagem de que o peixe de cultivo não é tão bom quanto o da pesca. Em termos de Brasil qual é sua visão?

Francisco: O que acontece com relação ao mundo é que se está valorizando muito o peixe. Esse é um processo que começou principalmente lá no Alasca com a denominação de origem do salmão como um produto sustentável, um produto top e sabemos que conseguimos produzir um peixe de cultivo com muito mais condições. Para atender a demanda mundial há a necessidade de cultivo. Não temos como atender com manejo sustentável toda uma população com peixes oriundos de captura, é impossível. Esses peixes então se tornaram gourmet, atendendo determinados nichos de mercado. Porém, aquela população que vive abaixo de 7 dólares por dia, e que é maioria no mundo, tem um pensamento e necessidade de comer, e para atender essa demanda, a proteína animal tem que vir do cultivo. A aquicultura, portanto, acaba tendo um papel de responsabilidade com a sociedade.

 

AQUACULTURE BRASIL: Sabemos que a nutrição de peixe de água doce é até certo ponto bem avançada. Produzimos com pontos bem competitivos, porém tem sempre algumas questões que podemos aprimorar, quais seriam?

Francisco: Acredito que temos que aprimorar em várias questões, por exemplo, relacionadas à genética. Os peixes nativos que trabalhamos hoje, são em maioria animais selvagens, o que é um caso raro no mundo e, portanto, fica difícil ser competitivo assim. Outro aspecto importante é relacionado ao manejo, temos que melhorar as técnicas de manejo, não temos como ir muito adiante sem usar tecnologia. O modelo adotado pela China e Vietnã, com baixo nível tecnológico e grande utilização de mão de obra, não funciona no Brasil porque nossa legislação trabalhista impossibilita esse processo. Temos, portanto, que reduzir mão de obra e melhorar o processo, para que seja possível reduzir custos. E principalmente, temos que melhorar o nosso processo nutricional. No Brasil nos temos matéria prima específica para a tilápia, por exemplo, então temos que trabalhar com essas matérias primas específicas e ver o melhor resultado.
Isso é um trabalho que já existe, mas que deve evoluir muito mais e de forma mais rápida. São de forma geral, esses os patamares que precisamos evoluir para chegarmos em um peixe com competitividade e poder atender as demandas dos compradores.

 

AQUACULTURE BRASIL: Como podemos incentivar ou integrar a universidade com a produção no sentido de minimizar esses gargalos e aprimorar a produção?

Francisco: Precisamos criar uma cultura no Brasil de universidade conversar com setor produtivo e vice-versa. Essa discussão é extremamente difícil, temos algumas universidades que estão começando a fazer isso, mas são casos isolados. Não é uma realidade ainda. Temos uma questão ideológica nas universidades brasileiras, principalmente públicas, onde o pesquisador acha que fazer uma pesquisa para o produtor ganhar dinheiro é trabalhar para o capital, e por questões ideológicas não faz isso. Mas a universidade poderia ser uma grande parceira, geradora de tecnologia. Nesse momento importamos tecnologia, o produtor está se capitalizando e vai para fora do país comprar o pacote tecnológico. Mas esse é um aspecto negativo, porque comprar pacote tecnológico custa muito caro, aumenta o custo de investimento. Porém acredito que estamos em um momento de ruptura desse fato, em que empresa e universidade já estão olhando um para o outro e pensando “nós temos que andar juntos para que possamos chegar em um futuro que seja importante e bom para ambas as partes”.

 

AQUACULTURE BRASIL: Em termos de futuro, quais são seus planos, o que podemos esperar do Francisco Medeiros e da Peixe BR em 2017 e nos próximos anos?

Francisco: Estamos no olho do furacão, que nesse momento é a transferência da secretária de pesca e aquicultura do MAPA, onde durante um ano estávamos nos adaptando com este ministério e este com o setor, para agora uma mudança abrupta para o Ministério da Indústria e Comércio. Verifica-se claramente que o setor de Pesca e Aquicultura no Brasil não tem como fazer planejamento a médio e longo prazo, quando em função de acordos políticos, porque essa não é uma demanda do setor, o governo cria uma série de estruturas e também desmancha uma série de estruturas. Portanto, é um momento bastante delicado, de tentarmos construir junto ao MDCI essa nova estrutura de gestão. Em 2017 precisamos conversar bastante com os gestores, verificar o projeto que eles têm para o setor e tentar mais uma vez contribuir para que se mantenham projetos com soluções de continuidade.

 

AQUACULTURE BRASIL: Para finalizar deixe uma mensagem para todos os participantes da cadeia aquícola brasileira?

Francisco: Acredito que esse é o principal agronegócio brasileiro dos próximos anos. Essa é a fronteira do agronegócio nesse momento, nós tivemos a fronteira do grão, fronteira da proteína animal (bovinos, suínos e aves), e agora é o momento da fronteira do peixe. Esse é fruto de uma geração, ou seja, os resultados vão acontecer no mínimo daqui a uns vinte ou trinta anos, como aconteceu nas outras cadeias. Quem nos anos 70 ou 80 investia no cerrado para plantar grão era considerado louco. Acredito principalmente naqueles profissionais que estão nas universidades hoje, se formando, que invistam nesse segmento, que é um investimento com grande perspectiva de negócio. Os empresários da indústria, e dos mais diversos setores, invistam nesse negócio. O pescado no Brasil é o agro da vez!

 

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Charge Edição nº Publicado em 18/09/2023
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