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Da água ao prato
09 de Março de 2024 Juliana Antunes Galvão
Tilápia do Vietnã x TiLV (Tilapia Lake Virus): o que se sabe sobre a transmissão do vírus via produto congelado?

 

 

O assunto do momento na aquicultura nacional está as voltas quanto a entrada no país da tilápia proveniente do Vietnã. Fora a tamanha preocupação quanto ao impacto deste fato influenciar o desenvolvimento da aquicultura brasileira, tangendo a questões que vão desde o protecionismo do produto nacional envolvendo questões mercadológicas, políticas públicas de incentivo ao setor e desestabilização de uma cadeia produtiva em franca expansão, e outros tantos pontos a serem considerados, a parte sanitária do produto e de segurança do alimento são questões inegociáveis.

Posteriormente a pressões do setor, o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) determinou a suspensão imediata das importações de tilápia do Vietnã, para que possa ser revisto o protocolo sanitário vigente, quanto aos riscos associados à introdução do vírus TiLV, bem como determinou que a Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) adote os procedimentos necessários para realizar a revisão do protocolo sanitário de importação, afinal, não temos análise de risco de importação para a tilápia produzida no Vietnã.

A tilápia está entre os peixes de água doce mais consumidos em todo o mundo, portanto o comércio a nível internacional dos produtos advindos desta cadeia produtiva, está em franca expansão.

Desde 2017 a FAO (Food Agricultural Organization), através de suas publicações técnicas, manifesta preocupação quanto ao potencial de transmissão do TiLV via peixe inteiro e filé de tilápia congelada, frisando a importância de investigação com relação a este risco eminente, tendo enfatizado a importância de limitar a propagação do vírus através da implementação de medidas rigorosas de biossegurança e risco da gestão na importação de tilápia viva e produtos de tilápia, ressaltando que há dúvidas quanto a sobreviência de partículas viáveis do vírus sob condições adversas, como baixas temperaturas utilizadas no processo de congelamento.

Quanto ao congelamento do pescado, não há um consenso no que tange a padronização de todo processo, sendo que há muitas variáveis envolvidas a serem consideradas, que diferenciam significativamente o processo em si, bem como o resultado do produto final: dentre estas, podemos citar a velocidade de congelamento em função da temperatura adotada , técnicas e equipamentos utilizados, tanto que por conta da diversidade de processos e produtos realizados, há ainda muito preconceito por parte do consumidor local por exemplo quanto ao produto congelado em relação a qualidade e frescor, justamente devido à falta de padrão, sem falar na quebra de cadeia do frio que pode ocorrer no transporte do produto bem como na comercialização.

Os efeitos do congelamento quanto a persistência e sobrevivência do TiLV, quanto a diferentes temperaturas adotadas, processos utilizados, tempo e temperatura de estocagem não foram extensivamente investigados. Na literatura científica, temos estudos publicados que estudaram os efeitos da temperatura de congelamento comercial (-20°C) x tempos de armazenamento quanto a persistência e infectividade do TiLV em filés de tilápia congelados. O estudo em questão, detectou RNA genômico do TiLV em filés de tilápia congelados a –20°C armazenados por até 28 dias, os autores afirmam que o vírus detectado nos tecidos pode ter perdido a capacidade de infecção devido à presença de cristais de gelo formados durante o processo de congelamento danificando o envelope viral e nucleotídeos.

 

 

Para os autores, o risco de infecção por TiLV em filés congelados é muito baixo, partindo da premissa que apenas peixes saudáveis serão abatidos e processados, considerando desta forma que seria pouco provável que o vírus com capacidade de infecção possa estar presente nos filés de tilápia. Os autores ainda ponderam que embora os dados apresentados neste estudo indiquem baixo risco da introdução do TiLV através de filés de tilápia congelados, é possível que outros órgãos como fígado, baço ou rim, possam servir de vias de contaminação e progagação do vírus, podendo apresentar risco potencial, concluindo que o risco da importação de peixe inteiro ou filé congelado permanece controverso e em grande parte desconhecido, mencionando também a importância dos processos de desinfecção e sanitização adequada ao longo do processo, bem como a importância de boas práticas de manejo e fabricação, sendo preciso mais pesquisas voltadas a esta temática.

Os americanos, através de publicações da USDA (United State Department of Agriculture) analisando a probabiidade dos filés de tilápia congelados importados para os EUA conterem TiLV, consideraram o fato de baixo risco com grau moderado de incerteza. Neste análise, partiu-se da premissa, que os filés importados deveriam estar sujeitos aos mesmos requisitos regulatórios que os produtos produzidos internamente, onde as processadoras devem ter um plano de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle rigoroso em vigor, mantendo a sanidade em todo o processo, onde apenas peixes saudáveis e livres do vírus possam ser processados. A análise de grau moderado de incerteza avaliado pelos americanos se deve ao fato que não há evidências definitivas e conclusivas de que o TiLV esteja presente de forma viável no tecido muscular, bem como não se sabe até que ponto os importadores cumprem efetivamente os requisitos exigidos pelo FDA; questionando também a efetividade e eficiência dos sistemas de vigilância nos países exportadores de filé de tilápia congelado e o efetivo monitoramento quanto a avaliação dos processos de forma sistêmica.

A estimativa de risco deste tipo de operação é baseada nas dificuldades em detectar, responder e mitigar possibilidades em potencial, bem como medir as consequências disto a longo prazo para a indústria da tilápia. Segundo os órgãos americanos, para caracterizar o risco com mais precisão, seriam necessários uma variedade de informações adicionais e necessidades específicas como conhecimento científico sobre características e padrões de propagação e sobrevivência do TiLV; conhecimento sobre a movimentação comercial internacional e doméstica da tilápia partindo do país de origem, estas limitações de dados e conhecimento resultam em incertezas na avaliação e estimativa real do risco.

 

 

Avaliando os pontos destacados e abordados nesta coluna, num mundo de possibilidades ainda desconhecidas.... a pergunta que não quer calar é.... sendo o Brasil, o quarto país produtor de tilápia do mundo, produção esta em franca expansão, com muito a crescer e se desenvolver, precisaríamos nós importar esta matéria prima de outro país, correndo risco de introduzirmos um novo patógeno aos nossos sistemas de produção ?

Autora: Dra Juliana Antunes Galvão 

Coordenadora do Grupo de Estudos e Extensão em Inovação Tecnológica e qualidade do Pescado @getepesalq
Especialista do Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos - Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) Piracicaba – SP -

Referências bibliográficas de apoio

AICH, N.; et al. Tilapia Lake Virus (TiLV) disease: Current status of understanding. Aquaculture and Fisheries 7 (2022)7-17.

Food and Agricultural Organizations of the United Nations (FAO). Global information and early warning system on food and agriculture (GIEWS), 2017.

OIE. Immediate notification. Tilapia lake virus. USA. 2018

Thammatorn, W; et al. Minimal risk of tilápia lake vírus transmission via frozen tilápia fillets. Journal of Fish Diseases 2019; 42:3-9.

USDA. Brief Summary Preliminary Risk Assessment for Tilapia Lake Virus (TiLV). June 2019.

USDA. Rapid Risk Assessment for Tilapia Lake Virus (TiLV). November 2019

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