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Sanidade Aquícola
19 de Janeiro de 2022 Marcela Maia Yamashita
Síndrome de Haff – O que sabemos até o momento?

 

Comumente conhecida por doença da urina preta, ultimamente temos visto esta enfermidade sendo alvo frequente de muitas matérias e reportagens, haja visto o número de casos relatados em alguns estados brasileiros. Por ser uma doença rara e com poucos estudos acerca de sua origem, ela também foi alvo de fake news, sendo erroneamente confundida com patologias de etiologia diferente. Como por exemplo, o caso do vídeo que a associa com vermes nos olhos de peixes ou até mesmo de pessoas. Equívocos à parte, o objetivo desta coluna é esclarecer, mesmo que sucintamente, o que se sabe até o momento sobre esta síndrome e os surtos relacionados a ela no Brasil. 

Conforme dito anteriormente, a Síndrome de Haff é uma doença rara e, potencialmente fatal, cujos principais sintomas são: dor e rigidez musculares, urina escurecida, dor de cabeça, fraqueza e falta de ar. A doença induz no paciente infectado um quadro de rabdomiólise, que nada mais é do que a ruptura do tecido muscular, que leva à liberação de diversas substâncias intracelulares na corrente sanguínea e à elevação dos níveis séricos de creatina fosfoquinase (CPK). O processo de filtração destes metabólitos musculares pelos rins, sobrecarrega estes órgãos podendo levar a disfunção renal, além de tornar a urina mais escura com uma coloração avermelhada a marrom, daí o nome: “doença da urina preta”.

Aqui é importante ressaltar que não é somente a Síndrome de Haff que pode causar rabdomiólise, mas, também: agentes etiológicos bacterianos (leptospirose) e virais (dengue, chikungunya, zika, enterovírus); atividade física intensa; metais pesados; medicações; etc. Por isso, a importância de se investigar a origem de cada caso suspeito desta doença. Na verdade, a Síndrome de Haff é uma causa rara de rabdomiólise que, normalmente, se desenvolve muito rapidamente (de 02 a 24 horas após a ingestão de certos peixes ou crustáceos). Aliás, foi este curto período entre o consumo do pescado (que em alguns casos foi cru e em outros cozidos) e o aparecimento dos primeiros sintomas, que reforçou a hipótese dos pesquisadores de que a “doença da urina preta” fosse causada por uma toxina. 

 

 

A Síndrome de Haff foi primeiramente descrita em 1924, no lago Frisches Haff, na região litorânea de Königsberg, junto à costa do Mar Báltico entre a Polônia e a Lituânia, e desde então, mais de 1.000 casos foram relatados na Europa e em outras regiões do mundo, como nos Estados Unidos e na China. No Brasil, os primeiros casos ocorreram entre junho e setembro de 2008, sendo a maioria na cidade de Manaus. Desde então, houveram outros surtos no país. 

Em estudo recentemente publicado (novembro⁄2021) conduzido por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, Secretaria Municipal de Saúde de Salvador e outros institutos e universidades federais, encontramos uma caracterização clínica detalhada dos casos suspeitos de Síndrome de Haff ocorridos no nosso país, entre dezembro de 2016 e janeiro de 2021. Segundo esta pesquisa, entre os anos de 2016 e 2017, foram 65 casos investigados na cidade de Salvador⁄BA; entre 2017 e 2019, foram 12 casos suspeitos, na mesma cidade, e mais recentemente, entre 2020 e 2021 foram 16 casos suspeitos na região Amazônica e Nordeste. Em todos os períodos citados, na maioria dos casos de Síndrome de Haff confirmados, relatou-se o consumo dos peixes marinhos: “olho de boi” (Seriola sp.) ou “badejo” (Mycteroperca sp.), os quais são espécies carnívoras, predadoras de crustáceos, moluscos e outros peixes e que, adivinham do extrativismo e não de cultivos comerciais. O consumo destes peixes 24 horas antes do início dos sintomas, foi considerado como a provável fonte de contaminação. Em alguns dos casos investigados neste estudo, foi possível coletar amostras das refeições ingeridas pelos pacientes. Nestas constatou-se a presença de compostos semelhantes à palitoxina - toxina extremamente potente produzida por microalgas e outros invertebrados. Visto que, uma das complicações mais relatadas em envenenamento por palitoxina, é a rabdomiólise, este fato sugere que estes compostos tóxicos encontrados nas refeições, desempenhem papel fundamental no desenvolvimento da doença. 

Para concluir, e com base no que se sabe até o momento, a hipótese mais provável é a de que a Síndrome de Haff é causada por toxinas estáveis ao calor (ou seja, capazes de tolerar as altas temperaturas do processo de cozimento), que se acumulam em peixes e crustáceos, por transferência trófica ou seja, pela cadeia alimentar. 

Por fim, cabe lembrar que o fato de historicamente serem observados casos da Síndrome de Haff não somente no Brasil, mas em outros países, evidencia que a doença não está ligada ao consumo de determinada(s) espécie(s) de peixe, já que diferentes espécies tanto de água doce como marinhas foram consumidas em casos confirmados ao redor do mundo. Portanto, a proibição do consumo desta ou daquela espécie de peixe não parece fazer muito sentido, mas sim, conhecer a procedência do pescado consumido.

 

 

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Marcela Maia Yamashita

Engenheira de Aquicultura, Mestre e Doutora em Aquicultura e Recursos Pesqueiros pela Universidade Federal de Santa Catarina. Durante a vida acadêmica trabalhou com Sanidade de Organismos Aquáticos, fazendo uso da microbiologia, biologia molecular e utilização de aditivos alimentares como ferramentas no diagnóstico de enfermidades e promoção da saúde em peixes de água doce. Profissionalmente, atuou durante dois anos como responsável técnica por setor de Microbiologia e Biologia Molecular em laboratório veterinário. Atualmente, é proprietária da HelpFish – Sanidade Aquícola, empresa localizada na cidade de Sinop/MT, que presta Assistência em Sanidade à campo, além de contar com laboratório de diagnóstico próprio para doenças infecciosas em peixes, recebendo amostras de todo país.

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