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Cultivo de Peixes
10 de Agosto de 2020 Aquaculture Brasil
Utilização do Oxitetraciclina diidratada no tratamento da franciselose em tilápias do Nilo

A alta resistência de microrganismos patógenos a antimicrobianos é um dos principais preocupantes à saúde, tanto animal, quanto humana e ambiental. Dentre os mecanismos que aceleram o surgimento e estabelecimento destes patógenos multirresistentes está o uso inadequado de antibióticos, seja por uso sem indicação ou por uso de doses e vias não indicadas. O ideal é empregar medicamentos comprovadamente eficazes para o tratamento de uma determinada enfermidade em uma espécie específica. Para peixes, os antibacterianos registrados ainda não foram validados para as diferentes bacterioses existentes e nem tampouco para todas as espécies de peixes produzidas comercialmente.

Apesar do contínuo crescimento da tilapicultura brasileira e grande contribuição do setor à economia nacional, ainda há uma carência de produtos antimicrobianos licenciados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para uso nesta espécie. Há também a falta de medicamentos comprovadamente eficazes contra uma doença já instalada no país e que pode causar grande mortalidade: a franciselose.

A franciselose é uma doença com tendência sazonal (outono-inverno) causada pela bactéria Francisella noatunensis subespécie orientalis. Atualmente este patógeno bacteriano foi renomeado para Francisella orientalis (Fo), sem o nome de subspécie, ou seja, a espéice bacteriana é homogênea e atualmente não tem variações que justifique ter diferentes subspéices e é distante suficiente da espéice de Francisella noatunensis, conforme Ramirez-Paredes et al. (2020).

O Laboratório de Bacteriologia em Peixes da UEM coordenado pelo prof. Dr. Ulisses de Pádua Pereira, em parceria com a Phibro, realizou um estudo com a molécula Oxitetraciclina diidratada no tratamento da franciselose em tilápias do Nilo. Com satisfação os resultados são aqui divulgados.

Costuma manifestar-se de maneira aguda, com surtos nos meses mais frios do ano. Além da alta mortalidade, é caracterizada por causar melanose e doença granulomatosa em baço e rim de tilápias.

O Laboratório de Bacteriologia em Peixes da Universidade Estadual de Londrina (LABBEP), em parceria com a Phibro, avaliou os efeitos in vitro e in vivo da oxitetraciclina diidratada frente a franciselose.

Tanto para os testes in vitro, quanto para os in vivo, foi utilizada a cepa F1 de Fo. A cepa F1 foi isolada pelo LABBEP de um surto que ocorreu na região sudeste brasileira em 2015. É importante utilizar bactérias autóctones (isoladas de surtos brasileiros da doença em tilápias) para estes testes, para garantir que o produto se aplica à realidade nacional.

 

 

Material e Métodos

1. Testes in vitro

Os testes in vitro foram empregados para avaliar os efeitos da oxitetraciclina diidratada no crescimento e morfologia da bactéria. Para isso, foram utilizadas as técnicas de ágar-difusão, concentração bactericida mínima (CBM) e microscopia eletrônica de varredura (MEV). Para a realização destas três técnicas, uma solução de Oxitetraciclina diidratada inicialmente a 77,8 mg.mL-1 foi serialmente diluída 17 vezes em base 2, a cepa F1 foi suspendida a uma concentração de aproximadamente 108 UFC.mL-1 e subsequentemente exposta a estas diferentes concentrações do produto.

Para realizar o teste de ágar-difusão, a suspensão de F1 foi semeada na superfície de placas contendo ágar cistina-coração suplementado com hemoglobina bovina (ACH). Em seguida, 10 µL de cada diluição de oxitetraciclina diidratada foi depositado, em duplicata, no centro de uma das placas de ACH contendo F1. As placas, então, foram incubadas a 28ºC por 96 horas e observadas em busca de halos de inibição de crescimento da bactéria. A menor concentração capaz de produzir um halo inibitório satisfatório (30 mm) foi 0,303 mg.mL-1 (Figura 1).

Para determinar a CBM (Concentração Bactericida Mínima - menor concentração capaz de inativar o crescimento da bactéria quando cultivada, após exposição à molécula em um novo meio de cultura), volumes iguais da suspensão de F1 e das diluições de Oxitetraciclina diidratada foram incubadas a 28ºC por 48 horas em placas de 96 poços e, em seguida, 1 µL de cada poça foi semeado em ACH e incubado a 28ºC por 96 horas. A CBM obtida para a Oxitetraciclina diidratada foi 0,037344 mg.mL-1.

A MEV foi utilizada para avaliar os efeitos da Oxitetraciclina diidratada na morfologia celular da Fo. Para a realização desta técnica, a suspensão de F1 foi incubada a 28ºC por 6 horas com três soluções:

a) sem produto, como controle da morfologia normal;
b) 1,167 mg.mL-1 de Oxitetracilina diidratada;
c) 0,037344 mg.mL-1 de Oxitetraciclina diidratada (CBM). 

Após o tempo de contato, as suspensões foram submetidas a protocolos-padrão de fixação para MEV. Na Figura 2A é possível observar as células de Fo sem tratamento algum com sua morfologia normal de cocobacilos. As Figuras 2B e 2C mostram a bactéria tratada com 1,5 mg.mL-1 e 0,048 mg.mL-1 de Oxitetraciclina diidratada, respectivamente.

 

Resultados teste in vitro

Em ambas as concentrações de Oxitetracilina diidratada elegidas para a técnica de MEV não foi possível notar uma diminuição no número de células quando comparadas com a bactéria sem tratamento. Contudo, é possível observar que, nas duas concentrações de tratamento, há alterações na morfologia das células (com aspecto rugoso ou inchadas). Isso se explica uma vez que a oxitetraciclina é um antimicrobiano bacteriostático, que atua impedindo a síntese de proteínas das bactérias, prejudicando seu metabolismo e inviabilizando/matando a célula bacteriana. Além disso, Fo possui um tempo de geração longo e o tempo de exposição à droga para este teste (6 horas) pode ter sido curto para observar diminuição no número de células.

 

2. Testes in vivo

O teste in vivo foi conduzido para avaliar o efeito de duas doses da molécula de Oxitetraciclina diidratada em tilápias submetidas a infecção experimental por Fo: 100 mg.kg-1 de peso vivo e 200 mg.kg-1 de peso vivo.

A primeira dose é a comumente utilizada de modo empírico para o tratamento da franciselose e a segunda foi utilizada para avaliar os efeitos de uma sobredose nos peixes. O produto também foi testado em dois momentos: antes da infecção (como estratégia profilática) e após a infecção (como estratégia de tratamento nos primeiros momentos de infecção).

Assim, os grupos experimentais foram montados da seguinte forma:

• G1: peixes tratados com 100 mg.kg-1 de Oxitetraciclina diidratada, com início um dia antes da infecção e duração de 16 dias.
• G2: peixes tratados com 100 mg.kg-1 de Oxitetraciclina diidratada, com início um dia após da infecção e duração de 15 dias.
• G3: peixes tratados com 200 mg.kg-1 de Oxitetraciclina diidratada, com início um dia antes da infecção e duração de 16 dias.
• G4: peixes tratados com 200 mg.kg-1 de Oxitetraciclina diidratada, com início um dia após da infecção e duração de 15 dias.
• CP: controle positivo. Peixes sem tratamento e infectados.
• CN: controle negativo. Peixes sem tratamento e bsem infecção.
• CN-Oxitetracilina diidratada: controle da Oxitetraciclina diidratada. Peixes tratados por 15 dias com 200 mg.kg-1 de Oxitetraciclina diidratada e sem infecção.

Cinquenta alevinos de tilápia de aproximadamente 15 g de peso vivo foram distribuídos em cada grupo, sendo os controles executados em duplicata e os grupos, em triplicata. Os peixes foram mantidos em fotoperíodo de 12 horas, em fluxo contínuo de renovação de água e, durante os 15 dias de aclimatação, receberam ração comercial contendo 32% de proteína bruta em quatro frações diárias, até a saciedade.

O volume de Oxitetraciclina diidratada adicionado na ração foi determinado levando-se em conta a dose de cada grupo (100 ou 200 mg.kg-1), a concentração de antimicrobiano no produto (77,8%), um consumo diário de 4% do peso vivo e perda de 15% de produto por lixiviação. O produto foi homogeneamente incorporado à mesma ração utilizada no período de aclimatação e, em seguida, adicionado veículo universal aglutinante (caboximetilcelulose) a 5% do volume total de ração. Após homogeneização, a ração preparada foi mantida em ambiente a 18ºC, durante toda a noite, para secagem.

A dose bacteriana de F1 utilizada para infecção foi determinada previamente em um experimento de DL50 para determinar qual dose causaria morte de 50% dos peixes. Com base nisto, para este experimento foi utilizado um inóculo de F1 a 1,2 x 108 UFC.mL-1, via imersão.

Após 4 e 7 dias de tratamento, amostras de soro foram coletadas de 5 peixes dos grupos G1, G3 e CN para dosagem das enzimas aspartato amino transferase (AST), alanina amino transferase (ALT) e fosfatase alcalina (FA), indicadoras de lesão em fígado. Após o fim do tratamento com Oxitetraciclina diidratada, os grupos foram monitorados por 45 dias para observação de sinais clínicos e mortalidade. Após o período de monitoramento, 20 peixes de cada grupo foram submetidos a eutanásia para coleta de baço para diagnósticos microbiológicos (cultura em ágar e PCR) e histopatológico, e fígado para PCR e histopatológico. A cronologia do experimento, para maior esclarecimento, pode ser observada na Figura 3.

 

Resultados do teste in vivo

Não houve diferença estatística para os valores de ALT, AST e FA entre o Controle Negativo e os grupos tratados, tanto com 100 mg.kg-1 (G1) quanto com 200 mg.kg-1 (G3), nos dois períodos de tratamento avaliados. Isto indica que ambas as doses, no período de sete dias, não induzem lesão nas células do fígado (Tabela 1).

as, não induzem lesão nas células do fígado (Tabela 1). Com relação a mortalidade, entre os grupos com tratamento iniciado após a infecção não houve diferença estatística e a mortalidade foi baixa, nenhuma mortalidade no G4 e 1,3% no G2. Já nos grupos com tratamento iniciado antes da infecção, no grupo que recebeu 200 mg.kg-1 de Oxitetraciclina diidratada (G3), observou-se 6,7% de mortalidade (ainda considerada baixa quando comparada com o controle positivo onde os peixes não receberam o Oxitetraciclina diidratada), enquanto nenhuma mortalidade foi observada no G1. Este resultado indica um possível efeito deletério discreto da sobredose de oxitetraciclina a longo prazo.

Na Tabela 2 é possível ver que, quando comparados com o Controle Positivo, todos os grupos tratados apresentaram menos lesões granulomatosas e menores taxas de isolamento e positividade em PCR. Isto indica que o medicamento é eficaz em reduzir a bactéria viva nos tecidos e em prevenir o estado de portador assintomático (peixes sem lesão, mas com bactéria viável nos tecidos).

A análise histopatológica de fígado foi fragmentada em três: escore de degeneração de hepatócitos, presença de granulomas e presença de infiltrado inflamatório. Em relação a degeneração de células do fígado, o Controle Positivo teve uma alta frequência do pior escore (3), enquanto o Controle Negativo e o Controle-Oxitetraciclina diidratada tiveram todos os fragmentos analisados classificados como normais (escore 1). Os grupos tratados com 100 mg.kg-1 (G1 e G2), tiveram distribuição de escore similares, o mesmo ocorreu para os grupos tratados com 200 mg.kg-1 (G3 e G4). No entanto, os grupos que receberam a maior dose, apresentaram piores resultados, sem nenhum fragmento classificado com escore 1.

Nos grupos que não foram infectados (CN e CN- -Oxitetraciclina diidratada) não foram observados granulomas em fígado. Os grupos com tratamento iniciado antes da infecção (G1 e G3), a frequência observada de granulomas foi baixa (<15%). No grupo G2, tratado com 100 mg.kg-1 após a infecção, granulomas focais foram observados em 40% dos fragmentos, enquanto que o grupo tratado com 200 mg.kg-1 (G4) não apresentou granuloma em fragmentos de fígado. Nenhum infiltrado inflamatório foi observado no Controle Negativo. Contudo no controle do produto (CN-Oxitetraciclina diidratada), 20% das amostras apresentaram infiltrado inflamatório discreto. Todas as amostras do Controle Positivo apresentavam infiltrado inflamatório.

Com relação aos grupos com tratamento preventivo, 45% e 25% das amostras dos grupos G1 e G3, respectivamente, apresentaram infiltrado inflamatório em fígado. Os grupos com início de tratamento após a infecção, G2 e G4, apresentaram infiltrado inflamatório em fígado em 60% e 20% das amostras, respectivamente.

A análise histopatológica das amostras de fígado, comparando os grupos com o CP, permite afirmar que a dose de 100 mg.kg-1 é capaz de reduzir as lesões causadas pela Fo tanto profilática, como terapeuticamente, sendo o primeiro, mais eficaz em diminuir as lesões causadas diretamente pela presença da bactéria (granulomas e inflamação). Apesar dos animais tratados com 200 mg.kg-1 de Oxitetraciclina diidratada apresentarem menos lesões ou lesões mais discretas em relação aos tratados com 100 mg.kg-1, e de não haver diferenças entre o Controle Negativo e o Controle da Oxitetraciclina diidratada em relação a degeneração de hepatócitos, a dose elevada levou a presença de infiltrado inflamatório em 20% das amostras do CN-oxitetraciclina diidratada.

As enzimas hepáticas são ótimos marcadores de funcionalidade do fígado. No presente estudo a Oxitetraciclina diidratada não alterou a concentração destas enzimas mesmo na maior dose testada (200mg.kg-1) demonstrando ser um nível seguro para os peixes.

O escore para análise de baço foi definido como: 0) sem alteração; 1) expansão da bainha perivascular de macrófagos; 2) macrófagos vacuolizados e se estendendo além da bainha perivascular; 3) granuloma incipiente ao redor das bainhas perivasculares; e 4) granuloma multifocal a coalescente substituindo a arquitetura esplênica normal (Figura 4). Todos os grupos tiveram escores médios abaixo de 2 e o Controle Positivo teve escore médio de 3,8. Ainda, os grupos tratados com 100 mg.kg-1, G1 e G2, tiveram escores médios melhores, 1,3 e 1,05 respectivamente, que os grupos tratados com 200 mg.kg-1, G3 e G4, com escores médios de 1,55 e 1,25.

De acordo com os resultados de histopatologia e dosagem sérica de enzimas hepáticas, é possível inferir que a Oxitetraciclina diidratada possui pouco ou nenhum efeito hepatotóxico em alevinos de tilápia. O antimicrobiano foi capaz de diminuir as lesões e a carga bacteriana dos peixes tanto no uso profilático, quanto no uso terapêutico, via ração. No uso profilático, em momentos de manejo intenso (vacinação, classificação), a dose de 100 mg.kg-1 mostrou-se eficaz. Já em casos de surtos intensos, a dose de 200 mg.kg-1 mostrou-se mais eficaz. É importante ressaltar a constante monitoração dos lotes, principalmente em épocas de queda de temperatura, para o início precoce do tratamento, enquanto os peixes ainda tem apetite para ingerir a ração medicada.

 

Autores:
Leonardo Mantovani Favero
Mariana Nagata
Bruno Honda
Ulisses de Pádua Pereira
Laboratório de Bacteriologia em Peixes
Universidade Estadual de Londrina - UEL
Londrina, PR
*Phibro.SAC@pahc.com

 

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