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01 de Outubro de 2017 Aquaculture Brasil
Viabilidade técnica para o aproveitamento do descarte (conchas) do processamento do marisco pedra Anomalocardia brasiliana

No Brasil a família Veneridae (Bivalvia) conta com 38 espécies distribuídas em 17 gêneros, sendo o marisco pedra, Anomalocardia brasiliana (Figura 1) a espécie com mais ampla distribuição. Na região litorânea do município de Grossos (RN), parte das comunidades sobrevivem do extrativismo de moluscos e crustáceos, e o marisco pedra faz parte da dieta familiar da maioria dos pescadores da região, além de ser uma importante fonte de renda.

No entanto, vale ressaltar que a exploração deste marisco não conta com procedimentos tecnológicos eficientes, além da desinformação das comunidades, principalmente com relação ao descarte dos resíduos gerados no processamento (em média 120 kg de conchas/dia), o que contribui para o aumento deste problema. Tais materiais são descartados de forma imprópria, em terrenos da comunidade ou no mar, e consequentemente podem vir a causar grandes danos (Figura 2).

Buscando transformar esta situação, sugeriu-se uma estratégia para o aproveitamento de resíduos gerados pelo processamento do marisco na região de Grossos (RN), de forma sustentável, articulando comunidade local (marisqueiras) com vistas à geração de valor, à elevação da renda dos trabalhadores e a melhores condições de vida da população.

 

 

Objetivos

O objetivo deste trabalho foi estudar a viabilidade técnica da utilização comercial das conchas do marisco Anomalocardia brasiliana descartadas pelas marisqueiras, vinculadas a Associação das Mulheres Pescadoras e Artesãs do Município de Grossos (RN).

 

Metodologia

As conchas do marisco pedra (A. brasiliana) foram coletadas na Associação das Mulheres Pescadoras e Artesãs (Figura 2) na comunidade artesanal da região do Município de Grossos (RN), e transportadas ao Laboratório de Tecnologia e Controle de Qualidade do Pescado (LAPESC).

Foram realizadas pesagens em cada etapa a fim de possibilitar a realização dos cálculos de rendimento (Figura 3). As conchas foram imersas em solução de hipoclorito de sódio 1% durante 24 horas, e posteriormente submetidas à secagem em estufa (105°C por 24 horas) e resfriadas por 3 horas à temperatura ambiente em dessecador. A remoção da fração orgânica presente nas conchas foi feita através do forno mufla (600°C por 1 hora). As conchas na temperatura ambiente foram trituradas e moídas em moinho faca e martelo (Marconi), em média de três minutos por batelada (1500 g). Após a moagem, o pó obtido foi tamisado (peneirado) em agitador eletromagnético com peneiras granulométricas (diâmetros de 4,75 mm, 1,70 mm, 1,18 mm, 1,00 mm, 0,425 mm, 0,250 mm, 0,075 mm e 0,045 mm) durante dez minutos no nível de vibração 7. O pó resultante da tamisação foi esterilizado em estufa à temperatura de 105°C durante duas horas. A quantificação do carbonato de cálcio presente nas conchas foi feita através da metodologia utilizada por Petrielli (2008) para conchas de ostra. As amostras foram pesadas antes e depois de serem submetidas a pirólise (1000°C/10 min.), i.e., transformação do carbonato de cálcio (CaCO3) em óxido de cálcio (CaO). 

 

Resultados

Os dados sobre a flutuação de extração do marisco ao longo de três anos, bem como o total de descarte das conchas mostraram um acréscimo na exploração desse recurso (marisco pedra), e consequentemente um aumento no descarte das conchas (em média 18 toneladas de conchas descartadas no meio ambiente ao ano), o que auxiliou no estudo de viabilidade econômica.

Em reunião com as marisqueiras, as mesmas comentaram que não haveria outro local para o despejo (hoje feito no terreno da própria Associação, Figura 3) – pensaram até em deixar na beira mar, mas acabaram não fazendo por falta de transporte. Grande parte dos impactos relacionados ao descarte inadequado das conchas (geração de odores ofensivos; veiculação de doenças infectocontagiosas; geração de efluentes [líquidos percolados]; perda da qualidade estética do local) é de curto prazo e reversível, o que é positivo, pois com a mudança de atitude, principalmente no sentido de aproveitamento desses resíduos, os impactos ambientais relacionados a esta prática serão amenizados ou desaparecerão. Uma alternativa que as marisqueiras estão encontrando é o uso de uma pequena parte das conchas para artesanato, mas que ainda precisa ser aprimorado.

Com o peso resultante da calcinação foi possível realizar o cálculo da perda de massa e verificou-se que as conchas possuem em média 71% de carbonato de cálcio em sua composição.

Os valores de rendimento da tamisação foram: 76% (peneira 0,15 mm), 69,44% (0,12 mm), 82,7% (0,07 mm), e 84,92% (0,03 mm). Após a pirólise os rendimentos obtidos foram: 60,68% (peneira 0,15 mm), 61,34% (0,12 mm), 75,65% (0,07 mm) e 85,88% (0,03 mm). Através dos dados de rendimento após pirólise pôde-se estimar a quantidade de carbonato de cálcio (CaCO3) presente nas conchas de Anomalocardia brasiliana em média 71%. O produto resultante da pirólise (calcinação) foi o óxido de cálcio (CaO), popularmente conhecido como cal virgem e, combinado com água, transforma-se em cal hidratada (Ca(OH)2). Estes produtos podem ser facilmente comercializados e requerem apenas as conchas como matéria prima.

A criação de novos produtos no mercado do agronegócio, na construção civil, e na indústria farmacêutica e cosmética (produto orgânico) pode ser viável pela otimização e redução do volume de resíduos sólidos que apresentam problemas sérios, sem soluções em curto prazo, de poluição e depósito no meio ambiente. Esses produtos também podem oferecer vantagens sob os aspectos econômico-sociais pela imediata incorporação da mão-de-obra e geração de emprego e pelo surgimento de alternativas tecnológicas com valor agregado.

Os produtos obtidos do descarte (conchas) do processamento do marisco pedra – carbonato de cálcio e o óxido de cálcio (cal virgem e cal virgem hidratado) apresentam processos de produção simples e semelhantes, e são muito utilizados na construção de estrada (como filler para misturas betuminosas), na pasta de papel (substituindo em parte a matéria-prima vegetal), no mármore compacto para pavimentos e revestimentos, em adubos e pesticidas, em rações (alimentos compostos para animais), na indústria da cerâmica (matéria-prima para cerâmica de pasta calcária), na indústria de tijolos, na indústria de tintas, em espumas de polietileno, na produção de talco, na produção de vidros, na indústria de cimento, na produção de vernizes e borrachas, na correção de solos (calagem), em medicamentos e como carga em polímeros.

 

Conclusão

De modo geral, sabe-se que pesquisas que contribuam para dar destino adequado aos resíduos (descartes) do processamento de mariscos são de fundamental importância, dadas as condições de crescimento da atividade, e consequentemente, da quantidade de conchas que estão sendo tratadas como rejeito.

As conchas descartadas podem ser beneficiadas e transformadas através de um processo relativamente simples (viável tecnicamente). Para produzir carbonato de cálcio é necessário retirar a matéria orgânica e moer a concha na granulometria desejada. Para a produção do óxido de cálcio é necessário calcinar as conchas a uma temperatura de 1.000°C e através da hidratação deste, pode-se chegar ao hidróxido de cálcio.

Como benefícios econômicos pode-se dizer que as perspectivas de melhores condições socioeconômicas na região de Grossos (RN) estarão diretamente relacionadas com o conhecimento desses resultados, por meio do desenvolvimento de pesquisas tecnológicas adequadas. A possibilidade de aproveitamento integral do molusco A. brasiliana poderá se transformar em realidade na medida em que estas espécies subvalorizadas possam ser utilizadas convenientemente como alimento (parte comestível) e ainda uma saída economicamente rentável destes recursos através do descarte de forma adequada do material processado (conchas).

Como benefícios sociais pode-se dizer que o projeto vai fortalecer a Associação das Mulheres Pescadoras e Artesãs do município de Grossos (RN), a partir da mobilização do seu potencial, visando o aumento em pelo menos 50% do número de pessoas associadas. Tudo dependerá das ações e investimento por parte das marisqueiras no prosseguimento do projeto.

Como benefícios ambientais a aplicação dessas novas tecnologias passa a ser de vital importância para o aproveitamento racional e integral deste recurso, através do conhecimento científico da matéria-prima a ser utilizada, como formas alternativas rentáveis aos empreendimentos que atuam na elaboração de produtos pesqueiros, agregando valor ao pescado pela diversificação da produção e o aproveitamento de resíduos.

E como benefícios tecnológicos a introdução de técnicas para o processamento de conchas vai ser um diferencial para a Associação, onde poderão maximizar o aproveitamento do marisco pedra.

 

Autores:
Prof. Dr. Alex Augusto Gonçalves
Chefe do Laboratório de Tecnologia e
Controle de Qualidade do Pescado - LAPESC
Centro de Ciências Agrárias - CCA
Universidade Federal Rural do
Semi-Árido - UFERSA
Mossoró, RN, Brasil
alaugo@gmail.com
Julianna Stephanie Barbosa da Silva
Engenheira de Pesca - UFERSA
Mossoró, RN, Brasil
juliannastephanie@hotmail.com

 

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