Artigos
Ornamental
01 de Outubro de 2017 Aquaculture Brasil
Aquicultura ornamental de água doce – Parte I

Pensar no setor da aquicultura, inserido na grande área de Recursos Pesqueiros, nos remete ao tema produção de pescado. Esse, notoriamente com intenção de fornecer alimento para a população, competindo com outras fontes, como a pecuária. Por outro lado, também inserido nesse setor, encontramos atividades que não focam na produção para alimentação humana, mas sim para outros fins, como a ornamentação.

A FAO (2014) aponta que, em termos mundiais, alguns países reportaram a geração de mais de US$ 220 milhões em produção de pescado para fins não-alimentícios, seja para ornamentação ou usos decorativos, e nesses nem estão diretamente envolvidos os organismos aquáticos ornamentais. Quando se fala em organismos aquáticos ornamentais engloba-se não apenas peixes (mesmo esses sendo os principais), mas também crustáceos, moluscos, corais, plantas aquáticas, entre outros.

Conhecer um pouco essa realidade nos abre possibilidades para a aquicultura, onde nessa sequência de três artigos, almejamos apresentar-lhes a Aquicultura ornamental de água doce, suas espécies, modelos produtivos, assim como o mercado potencial. Se torna óbvio que não conseguiremos aqui exaurir o tema, mas mostrar as potencialidades e meios com que alguns empresários já logram êxito. Assim sendo, surge uma primeira pergunta, do ponto de vista empresarial: Por que eu, possuindo uma “aguada ”, produziria o peixe ornamental ao invés do peixe de corte? A resposta está primeiramente ligada ao valor agregado do produto, uma vez que o quilo de peixe ornamental produzido pode alcançar 500% acima do valor do quilo de peixe de corte. Dessa forma, a rentabilidade por hectare é muito maior no cultivo de peixes ornamentais do que em outras culturas, aumentando a procura entre empreendedores e a competitividade. Recentemente, muito se fala da Zona da Mata Mineira, a qual concentra cerca de 70% da produção nacional. Nesta região é praticado o cultivo em estufas ou em tanques escavados, modelo diferenciado da região Nordeste, a qual foca em tanques de alvenaria em ambientes semiabertos (trataremos melhor das estruturas de cultivo na Parte II).

Uma segunda razão, que nos leva à criação de peixes ornamentais, se fundamenta na sustentabilidade do mercado, pois a pressão do extrativismo aplicado em diversas espécies já demonstrou levar à vulnerabilidade os estoques naturais. O fato é agravado pela forma que a captura vem sendo praticada, com baixa seletividade e alto índice de mortalidade no transporte, fazendo com que de cada 10 neons (Paracheirodon axelrodi) capturados, em média, apenas quatro cheguem ao aquário do consumidor final. Existem exceções, como a empresa H&K Ornamental Fish, que investe na pesca responsável (Cooper, 2012), promovendo a capacitação do pescador, idealizando melhores estruturas de manutenção, melhores formas de transporte e aclimatação das espécies capturadas, até o momento da exportação. Tal preocupação promove uma menor necessidade de coleta, uma vez que a mortalidade é reduzida, elevando com isso a rentabilidade, inclusive do pescador. No entanto, infelizmente, são raras essas exceções, tornando a aquicultura um modelo que garante a produção sustentável e o suprimento ao mercado. Exemplo claro é visto nas grandes empresas exportadoras, do Norte do país, que até então embasavam a origem dos espécimes na coleta e agora investem também no cultivo.

Comparando-se a pesca de peixe de corte com a pesca de peixe ornamental, podemos afirmar que a segunda é muito mais lucrativa em relação a primeira considerando-se o esforço de pesca, pois o valor do quilo do peixe ornamental é muito superior. No entanto a aquicultura concentra essas espécies em áreas determinadas, elevando o controle sobre a qualidade biológica (mesmo promovendo a baixa variabilidade genética), há melhor controle do estoque e garantia de fornecimento, sem pressionar os estoques naturais, além de outras vantagens, que nos leva a pergunta: vale a pena cultivar ao invés de coletar?

 

 

Pesca x Aquicultura

Nas últimas décadas, espécimes antes coletadas em ambientes naturais, como o Acará Disco (Synphysondon spp.), o Acará Bandeira (Pterophyllum spp.) e alguns Characídeos, já são comumente reproduzidas em cativeiro, inclusive gerando novas variedades, não encontradas na natureza e substituindo assim a necessidade de coletas. Até espécies que possuem protocolos reprodutivos mais complexos, como os bodós (Loricariidae), a exemplo o Hypancistrus zebra, já são reproduzidos em cativeiro (Figura 1), mesmo ainda estando proibida a comercialização (Ramos, 2016). Notamos que essas espécies endêmicas de grande valor agregado são as preferidas para grandes investimentos em pesquisas e em unidades produtivas comerciais. Mas também há produções com foco em espécies de menor valor, pois essas justificam-se pela fácil reprodução e grandes quantidades de alevinos por desova.

Por outro lado, apenas optar e promover a aquicultura ornamental sem levar em consideração questões sociais, seria um erro, pois sabe-se haver uma dependência socioeconômica de diversas regiões ao Norte do país, como a do entorno do Rio Negro, com a cidade de Barcelos, por exemplo, que é conhecidamente a cidade do peixe ornamental. De toda forma, o desenvolvimento de protocolos reprodutivos e melhora nas técnicas, podem levar consigo a capacitação de pescadores, tornando-os também (e por que não?) aquicultores.

Esse pensamento aproxima à aquicultura de espécies nativas mas sabe-se há muito tempo que a grande variedade de espécies que nutrem o mercado nacional são exóticas, vindas do continente asiático, africano, dentre outros. Exemplo clássico é o famoso Peixe-de-briga (Betta splendens) e o Peixe-dourado (Carassius auratus), extensivamente reproduzidos nacionalmente, inclusive habitando diversos mananciais, mas sendo oriundos originariamente da Ásia.

A preocupação com a origem dessas espécies para a aquicultura baseia-se na possível introdução dessas em ambientes naturais, causando desequilíbrios, como visto em diversas regiões do mundo. A exemplo temos o caso do Peixe Leão (Pterois volitans), introduzido na costa sudeste dos Estados Unidos, Caribe e Golfo do México, o qual pelas características, compete com diversas espécies endêmicas, promovendo prejuízos ambientais, econômicos e sociais. Nessa altura você pode estar pensando: mas o que um Guppy (Poecilia reticulata) pode provocar de dano no meio ambiente? Lembremos que o equilíbrio ambiental é delicado, fundamenta-se, por exemplo, em uma cadeia alimentar, a qual uma vez alterada por um “elo” diferente introduzido, pode desencadear grandes alterações.

Assim sendo, pensar em Aquicultura ornamental, além de nos levar a um nível diferenciado de pensamento em relação à aquicultura tradicional, onde o conhecimento corrente que desenvolvemos na piscicultura é exigido em uma condição máxima, também nos remete a uma exigência legal singular. Segundo o IBAMA, para se cultivar peixes ou invertebrados aquáticos com finalidade comercial é necessário (IBAMA, 2017):

• Possuir a licença ambiental de operação para o empreendimento, ou a dispensa da mesma, emitida pelo órgão ambiental estadual ou municipal;
• Ser aquicultor, devidamente inscrito e licenciado como tal junto ao Registro Geral da Pesca (RGP), do órgão competente;
• Efetuar a inscrição junto ao Cadastro Técnico Federal (CTF) do IBAMA, na categoria “20-54 Exploração de recursos aquáticos vivos – aquicultura”;
• Possuir documentação comprovando a origem legal das matrizes que serão utilizadas. 

Percebe-se que órgãos ambientais estaduais e municipais participam da legalização do empreendimento, assim sendo, essas exigências listadas são apenas a nível Federal, amarradas a outros documentos regionais. Além do mais, alguns quesitos revelam nuances, como por exemplo, a origem legal das matrizes pode ser a partir da pesca (e não apenas aquelas adquiridas comercialmente através de nota fiscal), desde que efetuada por embarcações, pescadores (profissionais ou amadores) ou aquicultores devidamente registrados. Para isso as espécies devem constar nas listas de espécies permitidas, de uma das Instruções Normativas, seja a IN IBAMA nº 202/2008, a IN IBAMA nº 204/2008 ou a IN Interministerial nº 01/2012.

 

Considerações finais

Desse modo, nesse primeiro artigo, viemos apenas provocar o leitor sobre as potencialidades da Aquicultura de peixes ornamentais de água doce, e no seguimento, abordaremos estruturas de cultivo, metodologias reprodutivas aplicadas e manejo do plantel (Parte II) e alimentação, Larvicultura, Crescimento, Comercialização e Legalização (Parte III). Buscando incentivar essa área que tanto cresce em nosso país, com o objetivo de suprir o mercado da aquariofilia, pois apesar da crise financeira que o país vem passando, o hobby cresce frente a outros, principalmente no mercado pet, incentivado pela verticalização das moradias em grandes centros urbanos, pelos benefícios da prática do aquarismo, tanto para crianças, jovens ou adultos, ou até mesmo pela melhor organização do setor, que migra de uma invisibilidade frente aos órgãos competentes para uma visibilidade como cadeia produtiva.

Assim esperamos vocês nas próximas edições para adentrarmos em detalhes e, quem sabe, lhes instigar a um futuro empreendimento ou expansão do já existente!

 

Autor:
Dr. Leopoldo Melo Barreto
Professor Adjunto - Engenheiro de Pesca
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)
Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas (CCAAB)
leopoldo.barreto@gmail.com

Faça o download e confira o texto completo com todas as ilustrações. Clique aqui
 

Anterior
Próxima

+55 (48) 9 9646-7200

contato@aquaculturebrasil.com

Av. Senador Gallotti, 329 - Mar Grosso
Laguna - SC, 88790-000

AQUACULTURE BRASIL LTDA ME
CNPJ 24.377.435/0001­18

Top

Preencha todos os campos obrigatórios.

No momento não conseguimos enviar seu e-mail, você pode mandar mensagem diretamente para contato@aquaculturebrasil.com.

Contato enviado com sucesso, em breve retornamos.

Preencha todos os campos obrigatórios.

Preencha todos os campos obrigatórios.

Você será redirecionado em alguns segundos!