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17 de Julho de 2020 Aquaculture Brasil
Estratégias tecnológicas para conservação de corais

Nos artigos anteriores aprendemos o que são corais e qual sua importância para a existência dos recifes, além dos benefícios fornecidos por esses ecossistemas. Vimos também como esses animais estão ameaçados por ações provocadas pela humanidade, e qual o impacto disso no planeta. Se fizermos um somatório de tudo que abordamos até aqui, perceberemos que uma coisa é certa: A situação é grave! O mundo está passando por uma crise climática, e eventos extremos estão colocando a vida dos corais em risco. Pesquisas científicas sobre o futuro dos recifes mostram que os corais poderão não ter tempo hábil para se adaptarem, e mortalidades em escala global poderiam levar ao desaparecimento desse ecossistema. Dessa forma, cientistas de todo o mundo estão “em uma corrida contra o tempo” para buscar estratégias que auxiliem na conservação dos corais. Vamos juntos conhecer um pouco dessas iniciativas?

Os corais poderão não ter tempo hábil para se adaptarem, e mortalidades em escala global poderiam levar ao desaparecimento desse ecossistema.

 

Microfragmentação de corais

Uma das estratégias mundialmente utilizadas é a microfragmentação. Mas como funciona essa técnica? A resposta é simples! Como já mencionado no artigo “O mundo peculiar dos corais: ciclo de vida e formação de recifes”, os corais são animais que, em sua maioria, agrupam-se e formam colônias. Cada indivíduo que faz parte de uma colônia é chamado de pólipo. A ideia da microfragmentação, como o próprio nome sugere, nada mais é do que fracionar uma colônia em pequenas partes, com menos de 10 pólipos cada. Você deve estar se perguntando: como “quebrar” uma colônia em vários pedaços pode ser útil? Parece bem contraditório, não é?! Mas, por incrível que pareça, essa fragmentação acelera a taxa de crescimento desses animais em até 50 vezes, quando comparada com colônias não fragmentadas. Isso acontece porque esses microfragmentos são estimulados a se recuperarem e crescerem mais rapidamente, para assim repor os pólipos perdidos.

O descobridor dessa técnica foi o Dr. David Vaughan, biólogo marinho do programa de restauração de recifes de coral do Mote Marine Laboratory (Flórida, Estados Unidos). Frustrado com técnicas de crescimento ineficientes, Vaughan decidiu mudar seus corais para outro tanque, na esperança de ter alguma melhora no crescimento. Nessa transferência, ele acidentalmente acabou quebrando micro partes de uma colônia, que afundaram no tanque. Ele as deixou lá, acreditando que morreriam. Mas, para sua surpresa, quando foi revisitar o tanque semanas depois, aqueles microfragmentos além de sobrevirem, formaram uma nova minicolônia. Foi observado também que, como as minicolônias geradas a partir da microfragmentação são clones umas das outras, pois vieram de uma mesma matriz (colônia-mãe), elas têm a capacidade de se reconhecerem geneticamente e se unirem. Com isso, colônias que antes demorariam décadas para atingir um tamanho relativamente grande, conseguem fazê-lo em poucos anos (Figura 1).

Diversas instituições do mundo têm praticado a microfragmentação, tais como: SECORE (México), Bonaire Reef Renewal Foundation (Caribe), Coral Restoration Foundation (Estados Unidos), Ocean Quest (Tailândia), Tropical Research and Conservation Centre (Malásia) e Gili Eco Trust (Indonésia). A técnica foi inicialmente aplicada em espécies de corais ramificados como Acropora cervicornis (coral-chifre-de-veado) e Acropora palmata (coral-chifre-de-alce), e já mostra algum sucesso também em corais maciços como Orbicella faveolata (coral-estrela-de-montanha) e Montastraea cavernosa (coral-casca-de-jaca).

Seja mantendo as colônias fragmentadas em laboratório, onde se tem um ambiente controlado, ou diretamente no mar, essa técnica possibilita uma produção em massa de corais. Porém, por se tratar de clones, a microfragmentação não introduz indivíduos geneticamente mais resistentes as mudanças climáticas (principal ameaça a sobrevivência dos corais). Dessa forma, essa técnica por si só é extremamente frágil para a conservação, uma vez que eventos climáticos podem continuar dizimando recifes em larga escala. Contudo, é uma alternativa para recuperar rapidamente ambientes recifais degradados, nos ajudando a ganhar um pouco mais de tempo nessa batalha contra a extinção.

 

Criopreservação de gametas

A criopreservação é outra iniciativa que vem sendo explorada pelos cientistas. Criopreservar significa manter viáveis sistemas vivos (células, tecidos) estocados em baixas temperaturas. Essas temperaturas são tão baixas (normalmente a -196 °C) que paralisam qualquer atividade biológica, inclusive o envelhecimento, degradação do material genético (DNA) e morte celular. É, literalmente, como se as células parassem no tempo (seja por um dia, um ano ou cem anos) e, após retornarem à sua temperatura natural, “voltassem a viver numa boa, como se nada tivesse acontecido”. Por essa razão, a criopreservação é considerada uma das estratégias mais eficientes para conservação da diversidade biológica, tanto animal quanto vegetal.

Quando se pensa em criopreservação, sem sombra de dúvidas, o exemplo mais frequente que vem à mente é o congelamento de gametas (espermatozoides e óvulos) e embriões utilizados pelas clínicas de reprodução humana, para posteriormente formar o famoso “bebê de proveta”. A ideia do uso dessa biotecnologia para a conservação dos corais é exatamente a mesma. “Ah! Então é bem simples: é só congelar os gametas dos corais e pronto, problema resolvido?!” Infelizmente, não! Para obter sucesso no congelamento é necessário conhecer características básicas dos espermatozoides e óvulos, como tamanho e formato dessas células, e sua sensibilidade à baixas temperaturas e aos agentes químicos que serão utilizados durante o processo. Essas informações são importantes para criar um meio de congelamento que atenda todas as exigências específicas dessas células, garantindo que esses gametas sejam armazenados de forma eficiente e por tempo indeterminado. Conhecer esses detalhes em nível celular e molecular é um dos grandes desafios para criação de protocolos eficientes de criopreservação, principalmente com relação ao gameta feminino (óvulo), que biologicamente é muito mais complexo que o espermatozoide. Dessa forma, embora seja comprovada a eficácia da criopreservação para a conservação de espécies, a utilização dessa biotecnologia é escassa em corais.

Apenas dois grupos de pesquisa no mundo já conseguiram desenvolver protocolos para criopreservação de gametas de corais, sendo um deles coordenado pela Dra. Mary Hagedorn (Smithsonian Institution, Havaí) e outro pela Dra. Sujune Tsai (Mingdao University, Taiwan). Atualmente, esses protocolos são utilizados com sucesso para o congelamento de espermatozoides de 31 espécies, das quais três estão localizadas no Havaí, três no Caribe, quatro na Polinésia Francesa e 21 na Grande Barreira de Corais (Austrália). Além disso, também estão sendo testados meios para o congelamento de óvulos e larvas de coral. O Projeto ReefBank é o primeiro em todo o Oceano Atlântico Sul a testar protocolos de congelamento (Figura 2) para gametas de três espécies de corais-cérebro (Mussismilia harttii, Mussismilia hispida e Mussismilia braziliensis). Essas espécies (Figura 3) são encontradas somente aqui (são endêmicas) e estão entre as principais construtoras dos recifes brasileiros. Se bem sucedida, essa tecnologia permitirá que os gametas fiquem congelados e armazenados por tempo indeterminado e, quando desejado, esse material poderá ser descongelado e utilizado para dar vida a novos corais, que poderão no futuro auxiliar na restauração de recifes degradados.

 

Evolução assistida

Vamos conhecer outra estratégia que está sendo testada para conservação dos corais: a evolução assistida. Essa ferramenta é bastante empregada para melhorar características de plantas e animais de interesse comercial, como por exemplo: torná-los mais tolerantes ao estresse ambiental, pragas e herbicidas. Baseado nisso, os estudos pioneiros coordenados pela pesquisadora que foi a principal referência no assunto, Dra. Ruth Gates (1962-2018), do Instituto de Biologia Marinha no Havaí, passaram a avaliar como a evolução assistida pode ser uma eficiente estratégia para conservação de recifes coralíneos, utilizando três principais abordagens: formação de um “super coral”, experiência prévia ao estresse e otimização da simbiose.

A primeira abordagem é baseada em uma característica comum encontrada na natureza: o fato de alguns organismos serem mais resistentes que outros. No caso dos corais, existem aqueles que conseguem sobreviver a águas mais quentes e ácidas, enquanto outros morrem. Com isso, foi feito o seguinte questionamento: “e se criarmos super corais”, que sejam mais resistentes e que consigam repovoar recifes degradados?! Diversas espécies foram expostas a diferentes condições ambientais, de acordo com as projeções climáticas para o futuro. Os gametas das espécies que conseguiram sobreviver as condições extremas foram então utilizados na reprodução in vitro (quando promovemos o encontro do espermatozoide com o óvulo), gerando corais que sejam “tão fortes quanto os seus pais’’.

A segunda abordagem funciona como uma memória. É como se você precisasse fazer pela primeira vez algo que considere muito difícil. Essa certamente será uma situação desconfortável e estressante para você. Agora imagine que, passado essa primeira experiência, você precise novamente realizar essa atividade. Provavelmente o grau de dificuldade dela não será tão grande quanto foi na primeira vez, pois você já passou por essa situação antes, já sabe como lidar com ela. A ideia é exatamente a mesma para os corais: ao expor esses animais a uma série de condições estressantes espera-se que, aqueles que consigam sobreviver, quando passarem novamente por essa situação, ela não seja mais tão estressante, “pois eles adquiriram em sua memória um manual de como sobreviver a esse estresse”. Como dizia Ruth Gates, “o que não te mata, te fortalece! ” 

A terceira e última abordagem da evolução assistida para a conservação de corais está relacionada com a otimização da simbiose. Como já discutido em artigos anteriores, algumas espécies de corais vivem uma “relação amorosa” (simbiose) com microalgas (zooxantelas). Vimos também a importância desse relacionamento para a saúde dos corais e o impacto que o “fim desse romance” pode causar, fenômeno conhecido como branqueamento. Outro detalhe importante é que algumas dessas microalgas são mais resistentes a elevadas temperaturas e a acidez da água do que outras, e isso pode ter uma relação direta com a própria capacidade de resistência dos corais à essas condições. Dessa forma, otimizar a simbiose é como ‘’fazer um jantar especial para quem amamos: queremos oferecer para essa pessoa a melhor refeição”. A ideia é a mesma para os corais: “ofertar” a eles as “melhores e mais fortes zooxantelas”, que consigam suportar condições que outras não suportariam, fortalecendo o “laço de amor entre eles e dando a essa história um final feliz”. 

 

Aquicultura de corais

Seja por suas cores exuberantes, suas diferentes formas e beleza que fascina, os corais atraem a atenção de aquaristas, tornando-se um mercado de interesse na área de aquicultura (criação de organismos aquáticos). Além da criação daqueles corais de alto valor comercial, a aquicultura também pode ser uma forma de conservação de espécies. Em um local controlado e seguro (longe de possíveis catástrofes ambientais), a aquicultura pode manter viva a diversidade genética de muitas espécies, que poderiam, em situação oportuna e com critérios científicos, serem utilizadas em programas de restauração de ambientes degradados.

Atualmente, as espécies mais produzidas são as do gênero Acropora, Montipora, Sarcophyton e Discosoma, sendo Indonésia, Filipinas e os Estados Unidos os maiores produtores. No mercado de aquarismo marinho brasileiro é comum os hobbistas iniciarem com a criação de espécies que demandam baixa manutenção, que sejam menos exigentes em qualidade da água e de baixo custo, os chamados corais soft (moles). Entre os corais moles mais buscados e criados estão Mushrooms, Leathers, Zoanthus, Palythoas, Carpets, Xenias e Green Star Polyps (Briareum sp). São facilmente encontrados em lojas de aquarismo por valores variando entre R$ 25,00 a R$ 400,00. A medida em que o aquarista ganha mais experiência, inicia-se a busca pelos corais chamados “Large Polyp Stony – LPS” (corais pétreos de grandes pólipos) e “Small Polyp Stony – SPS” (corais pétreos de pequenos pólipos). Estes corais (Figura 4) exigem cuidados minuciosos, pois até mesmo uma variação de 2 ºC na temperatura do aquário pode levá-los a morte, assim como acontece nos oceanos. Luminosidade, pH e dureza são outros parâmetros que precisam ser monitorados e controlados na água. As famosas e desejadas Acróporas e Montíporas se classificam como SPS, por possuírem pequenos pólipos sobre uma grande base de esqueleto calcário. Estes corais precisam de fotoperíodo e movimentação da água controlados. Os corais LPS e SPS possuem grande variação de valor no mercado, partindo de R$ 80,00 e chegando a ultrapassar R$ 3.000,00.

No Brasil, a aquicultura de corais ainda é pequena e restrita. As principais empresas produzem aproximadamente 200 espécies, as quais são importadas do Mar Vermelho, Austrália e Indonésia. É importante destacar que a retirada, comercialização e criação de espécies da costa brasileira é proibida, sendo considerada crime ambiental.

 

 

Educação ambiental

Todas as iniciativas que buscam conservar os recifes de coral são bem-vindas. No entanto, para que se tenha uma máxima eficiência, é importante que a sociedade esteja alinhada com essas estratégias. Por isso, a educação ambiental é peça fundamental na conscientização das pessoas. É preciso que a população como um todo, e não apenas o meio científico, se identifique e se aproxime do meio ambiente que a cerca e a protege. Só assim será possível ter a compreensão e identificar hábitos de vida e consumo que impactam negativamente os recursos naturais.

Só é possível preservar aquilo que se conhece! Os recifes de coral são ecossistemas “invisíveis” aos olhos de grande parte da população, mas impactam direta ou indiretamente a vida de milhões de pessoas. Assim, aproximar e informar a sociedade sobre a importância desse ecossistema é um importante desafio para quem
trabalha com conscientização e educação ambiental: primeiro pelo fato de que a grande maioria não sabe que corais são animais e não rochas ou vegetais, segundo porque demonstrar a importância de algo tão distante do dia-a-dia já é por si só desafiador. Por essas razões, uma das preocupações do Projeto ReefBank é aliar a pesquisa científica com a educação ambiental, informando e educando, de modo acessível, consciente e eficaz.

A natureza, e tudo o que ela possui, é nossa casa. É dela que obtemos tudo que precisamos para viver. Mas, para que as coisas funcionem em sua perfeita totalidade, é preciso que a casa esteja em ordem. Que esse período de quarentena sirva para refletirmos sobre o impacto dos nossos atos no planeta, e qual o futuro que queremos como humanidade.

Os estudos do ReefBank estão sendo desenvolvidos no âmbito da Rede de Pesquisas Coral Vivo (patrocinado pela Petrobras) com a parceria do Instituto Coral Vivo, e conta com o apoio financeiro da Fundação Grupo Boticário e do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio).

 

Autores: Leandro Godoy1,2,3, Amanda Amaral4, Yugo Pastrana4 Daniel Martignago5, Nayara Cruz1, Verônica Krein2, Wanderson Santos1 e Tales Chaves6
1Programa de Pós-Graduação em Zootecnia
2Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal
6Graduado em Zootecnia
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS
3Instituto Coral Vivo 
4Programa de Pós-Graduação em Aquicultura  - Universidade Nilton Lins / INPA
5Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Biodiversidade - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
*projetoreefbank@gmail.com

 

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