Frente aos constantes desafios que a atividade aquícola vem enfrentando, como escassez de água em regiões produtivas, alto custo das terras, necessidade de cultivos mais biosseguros e um destino correto para os efluentes, cresce o interesse por sistemas alternativos, considerados mais “verdes” e ambientalmente amigáveis.
Neste contexto, a tecnologia de cultivo em bioflocos (ou “BFT” da sua sigla em inglês para Biofloc technology) vem sendo reconhecido por se enquadrar nestes moldes modernos de produção. Isto porque, é um sistema mais controlado, compacto (necessita de menos áreas), e fundamentado em um conceito ecológico de produção, ou seja, com menos impactos negativos sobre o meio ambiente.
Neste sistema há o estímulo do crescimento de microrganismos que possibilitam uma série de benefícios ao cultivo, como por exemplo:
a) Manutenção da qualidade da água;
b) Competição e exclusão de patógenos;
c) Incremento nutricional, através do consumo constante dos flocos microbianos pelos organismos cultivados.
Tendo em vista tais benefícios, a aplicação do bioflocos no cultivo de tilápia vem ganhando adeptos no Brasil, com destaque para a fase de pré-engorda ou berçário. Atualmente este segmento é considerado um nicho de mercado e vem crescendo a passos largos no país. Ao adquirir o “alevinão” os piscicultores diminuem o período de engorda nas fazendas, maximizando as áreas produtivas e aumentando o giro de capital. Neste sentido, o presente artigo abordará os benefícios nutricionais do bioflocos, além de trazer informações das pesquisas inovadoras sobre o tema em desenvolvimento no Laboratório de Aquicultura (LAQ) e Laboratório de Nutrição de Organismos Aquáticos (LANOA).
Bioflocos, microbiologia e nutrição
Recentemente a tecnologia de bioflocos vem sendo amplamente discutida nos fóruns aquícolas. Resumidamente, o sistema permite cultivos intensivos com trocas mínimas ou nulas de água, exige grande aeração e movimentação da água durante todo o período de criação. Ainda, é fomentado o crescimento de uma microbiota através de um balanço de nutrientes, principalmente com base nas relações C:N e N:P. Estes microrganismos desempenham papéis fundamentais na água, através do sequestro e transformação dos compostos nitrogenados, e conversão em proteína microbiana de alta qualidade, disponível 24 horas por dia.
Para que se tenha o real benefício nutricional ao aplicar a tecnologia de bioflocos na aquicultura, alguns fatores importantes devem ser considerados como a adaptaçã o da espécie ao sistema e o manejo microbiano visando um adequado perfil e composiçã o dos microrganismos do BFT. Um bom manejo da microbiota do início ao fim é fundamental neste sistema.
Em relação a espécie, as tilápias possuem características específicas que favorecem o cultivo neste modelo, como por exemplo o hábito alimentar onívoro, com aparatos morfológicos adaptados para aproveitar os agregados, possibilitando uma melhora na conversão alimentar e na composição centesimal dos peixes. Além disso, são resistentes a altas densidades de cultivo, com baixa sensibilidade a níveis elevados de NH4 e NO2 e tolerantes aos sólidos suspensos.
A composição microbiana está diretamente relacionada às condições ambientais (salinidade, temperatura, pH, entre outros), ao tempo de cultivo e aos nutrientes adicionados e mantidos no sistema. Uma alta relação C:N, principalmente no início dos cultivos, deve ser mantida entre 12 a 20:1, e posteriormente reduzida ao longo do tempo. Em conjunto com uma forte aeração e movimentação da água, a correta relação C:N propicia o crescimento de bactérias heterotróficas, favorecendo o aproveitamento da “alça microbiana”, e também de bactérias quimioautotróficas (as famosas “nitrificantes”). Além disso, é constantemente relatado altas concentrações de outros organismos planctônicos como microalgas, rotíferos, cladóceros e protozoários, itens alimentares naturais dos peixes.
A riqueza e diversidade dos microrganismos presentes na água refletem na composição nutricional do floco disponível. Normalmente, os agregados microbianos são ricos em proteínas, lipídios, vitaminas e aminoácidos essenciais, representando uma importante fonte completar destes nutrientes para os organismos cultivados, principalmente aqueles que “naturalmente” conseguem aproveitá-los, como é o caso das tilápias. Neste sentido, ao levar em consideração esse complemento nutricional, estudos voltados ao manejo alimentar (como restrição), substituição das fontes de proteína e correta relação proteína:energia vem sendo desenvolvidos.
Pesquisas do Laboratório de Aquicultura (LAQ/UDESC)
Considerando todas as vantagens supracitadas, desde 2013 o LAQ e LANOA/UDESC possui uma linha de pesquisa específica para estudos de nutrição de juvenis de tilápias em sistema de bioflocos. Os experimentos realizados com manejo alimentar e exigências nutricionais possibilitaram o desenvolvimento de artigos científicos, formação de recursos humanos (tanto de alunos da graduação quanto de pós-graduação) e disseminação dos resultados em diversos cursos e palestras no Brasil e no exterior. Na Tabela 1 estão sintetizados os principais resultados encontrados, todos com tilápia na fase de pré-engorda (berçário) utilizando a tecnologia de bioflocos. Dentro dessa linha de pesquisa, foi aprovado em novembro de 2013, sob coordenação do Prof. Dr. Maurício G. C. Emerenciano, um projeto multidisciplinar (CNPq Universal Nº 14-2013), em parceria com a Universidade Federal de Santa Maria (RS) e Universidade Nilton Linz (AM), com o título: “Berçário de tilápias em sistemas de bioflocos: Efeito de diferentes salinidades, níveis proteicos e relação energia:proteína no desempenho zootécnico, aspectos bioquímicos, hematológicos e parasitológicos”.
O objetivo geral foi avaliar os parâmetros sanguíneos, composição bromatológica e desempenho produtivo de juvenis de tilápias na fase de berçário, em sistema de bioflocos, alimentados com dietas contendo diferentes níveis de proteína digestível (22, 26 e 30% de PD) e energia digestível (3000, 3150 e 3300 kcal de ED/kg).
Este projeto foi desenvolvido em três experimentos:
I. Tilápias vermelhas em sistema de bioflocos com água doce;
II. Tilápia-do-Nilo em sistema de bioflocos com água doce;
III. Tilápia-do-Nilo em sistema de bioflocos com água salobra (10 ppt de salinidade).
Como principais resultados, nos três experimentos não houve diferença para a conversão alimentar e sobrevivência. Observou-se que é possível reduzir os níveis proteicos com a manipulação da relação energia:proteína, em dietas para juvenis de tilápias criados em sistema de bioflocos. No primeiro experimento foi observado que os níveis de proteína digestível não interferem no desempenho da tilápia vermelha, e que com 22% PD e 3300 kcal de ED elas apresentaram desempenho estatisticamente igual aos níveis de 26 e 30% PD (Figura 1A). Os mesmos resultados foram encontrados no experimento II, cuja produtividade (kg/m3) não foi afetada pelo nível de proteína digestível (Figura 1B). Já no experimento III, com tilápias-do-Nilo criadas em água salobra, foi observado que o nível de 26% PD apresentou resultado de desempenho produtivo semelhante a 30% PD. Para a produtividade não houve interação entre os níveis de proteína e energia avaliados (p>0,05) (Figura 1C).
Estes resultados comprovam que as tilápias, na fase estudada (~1-20g), aproveitam-se das fontes proteicas presentes nos flocos microbianos do sistema, possibilitando a redução destes níveis proteicos das rações.
Perspectivas futuras
A pré-engorda de tilápias em sistema de bioflocos representa uma forma de otimizar a produção e aumentar a eficiência desta fase, sendo possível utilizar menores níveis de proteína comparados aos sistemas tradicionais. Neste sentido, com a produção em larga escala do “alevinão” no Brasil, o setor produtivo certamente irá se beneficiar das informações produzidas pela academia, e assim ambos podem contribuir para alavancar ainda mais este promissor segmento da aquicultura nacional.
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