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07 de Julho de 2020 Aquaculture Brasil
Tratamento de resíduos animais da aquicultura com larvas da mosca soldado-negro

Pouco se fala sobre resíduos animais gerados na aquicultura brasileira e os impactos sociais, econômicos e ambientais por estes causados. Grande parte proveniente de frigoríficos é utilizado na fabricação de óleos e farinhas, mas o que dizer sobre os resíduos de mortalidade causados por doenças na produção ou outros fatores? Kubitza et al. (2013) estimou perdas na piscicultura de 15%, o que segundo Tavares-Dias e Martins (2017) pode chegar a representar perdas anuais na faixa de 460 milhões de reais, somente para a piscicultura no país. Com isso em mente, fica claro que devemos dar atenção especial para esse tipo de resíduo no Brasil, uma vez que métodos de tratamento podem auxiliar na reciclagem e na reintrodução desses materiais em ciclos produtivos, aumentando a sustentabilidade do setor. Nesse artigo, vamos conceituar um método promissor para esse propósito: o tratamento com larvas de mosca soldado negro (Hermetia illucens - BSF) (Fig. 1). Os dados apresentados aqui foram obtidos pela parceria estabelecida entre o Centro de Aquicultura da Unesp em Jaboticabal e a Swedish University of Agricultural Sciences na Suécia, onde os estudos foram desenvolvidos. Para detalhes sobre o estudo consulte Lopes et al. (2020)

 

Funcionamento e benefícios do processo

O passo inicial para o tratamento de resíduos com larvas de BSF é obter as larvas. Isso é possível graças à produção em massa desses organismos em colônias. Nessas colônias, moscas adultas se reproduzem em gaiolas com umidade e luminosidade específicas (Figura 2) e depositam seus ovos em pequenas estruturas (Figura 3). Os ovos são incubados e quando as larvas eclodem, são alimentadas por aproximadamente cinco dias para então serem utilizadas no tratamento dos resíduos orgânicos.

O tratamento dos resíduos é na maioria das vezes realizado em caixas plásticas (60 x 40 cm) empilhadas em suportes de alumínio (Figura 4), visando a otimização do uso da área disponível. Entre 10 e 15 mil larvas são colocadas nas caixas junto aos resíduos (Figura 5), sendo que a quantidade de resíduo a ser tratada varia de acordo com características dos resíduos como umidade, teor de fibras, relação C/N, dentre outras. De maneira geral, até 15 kg de resíduos podem ser tratados por caixa, parcelados em duas ou três alimentações.

O tratamento é encerrado em aproximadamente 12 - 15 dias, quando o aspecto dos resíduos do tratamento (composto por fezes das larvas e resíduos não digeridos) está seco e passível de ser separado das larvas por peneiramento (Figura 6), obtendo-se assim dois produtos a serem processados e comercializados: a biomassa de larvas contendo 40% de proteína bruta (PB) e 15 - 35% de lipídeos em base seca (Lalander et al., 2019; Ewald et al., 2020), e esse resíduo seco considerado como fertilizante, que pode apresentar 5% de nitrogênio em sua composição, podendo variar de acordo com os resíduos dos quais as larvas estão se alimentando (Setti et al., 2019). O rendimento deste processo pode ser bastante variável, mas de maneira geral podemos considerar que a cada tonelada de resíduos orgânicos fornecida como substrato para as larvas de BSF, são obtidos 200 kg de larvas e 180 kg de biofertilizante (Figura 7).

 

 

Resíduos da aquicultura e larvas de BSF

Considerando o fato de que diferentes espécies de moscas colonizam carcaças em decomposição na natureza, nós levantamos a hipótese de que os resíduos da aquicultura poderiam servir como substrato para o crescimento de larvas de BSF, visando solucionar o problema do descarte inadequado de carcaças de peixes e seu reaproveitamento. Para testar essa hipótese, foi elaborado um experimento no qual carcaças de peixes foram misturadas com outro resíduo já estabelecido para o crescimento de larvas (restos de pães), em vinte e uma diferentes proporções dispostas em caixas de tratamento como mostrado na figura 4. A primeira caixa possuía apenas pães (sem carcaças) e a última caixa apenas carcaças de peixe, enquanto as caixas intermediárias tiveram acréscimos de 5% em 5%, em ordem crescente de carcaças em cada. Além dos resíduos (aproximadamente 7,5 kg), cada tratamento recebeu 10 mil larvas e o experimento foi conduzido até que os resíduos dos tratamentos estivessem secos e peneiráveis.

O primeiro resultado verificado foi que as larvas de BSF foram incapazes de consumir as carcaças de peixe nas proporções de carcaças acima de 30% (70% de pães e 30% de carcaças). No entanto, as carcaças utilizadas nesse experimento eram de trutas e salmões, peixes com alto teor de óleos e gorduras em sua composição corporal, o que certamente afetou as larvas, pois grandes camadas de óleo foram formadas nas caixas, comprometendo o consumo dos resíduos. Nas caixas com quantidades de carcaças variando entre 5 - 25%, as larvas consumiram os resíduos normalmente e apresentaram crescimento satisfatório.

Os melhores resultados em relação ao processo e crescimento das larvas foram obtidos nos tratamentos em que 5 - 15% de carcaças foram incluídas. Em 11 - 12 dias de tratamento, as larvas de BSF consumiram todos os resíduos das caixas, reduzindo a biomassa inicial em até 65%, mostrando que quase 20% dos resíduos foram convertidos em biomassa larval (bioconversão). Além disso, quanto mais carcaças nas caixas, mais proteína as larvas acumularam, atingindo 45% PB quando 15% de carcaças foram incluídas. Os resíduos do tratamento obtidos ao final do processo também apresentaram alta concentração de nitrogênio, característica interessante visando sua aplicação em atividades agrícolas.

As baixas inclusões de carcaças de peixes poderiam nos levar a pensar que este método não parece ser eficiente no tratamento de resíduos da aquicultura, porém vamos considerar o cenário brasileiro: 85 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos são geradas anualmente, sendo 50% deste total é representado por orgânicos (ABRELPE, 2019), e a produção da piscicultura brasileira de 2019 foi de 750 mil toneladas (PeixeBR, 2020). Assumindo hipoteticamente que 50% dos resíduos da piscicultura é descartado como resíduo, isso representa menos de 1% de todos os resíduos gerados no Brasil, fazendo com que seja possível seu tratamento com larvas de BSF em combinação a outros resíduos. Então este método poderia auxiliar no tratamento dos resíduos da aquicultura? Com certeza!

 

Possibilidades para o Brasil

O Brasil possui enorme potencial para essa tecnologia, pois apresenta clima favorável em diversas regiões ao longo de todo o ano (25-30 °C é a faixa ideal para as BSF), tornando o processo menos dispendioso economicamente; a espécie está presente naturalmente no país, não correndo risco de introdução de espécies invasoras; grandes volumes de resíduos orgânicos são gerados, garantindo o fornecimento contínuo para unidades de tratamento. Por ser um país com forte caráter agropecuário, ambos os produtos gerados por meio deste processo podem ter mercado garantido. O fertilizante orgânico obtido possui grande apelo ambiental, podendo ser aplicado em substituição à produtos químicos, aumentando a sustentabilidade da produção, enquanto a biomassa de larvas pode substituir parcial ou totalmente o uso de outros ingredientes proteicos em rações animais. Já existem empresas brasileiras apostando nessa tecnologia! Você também apostaria?

 

Autores: Ivã Guidini Lopes1*, Cecilia Lalander2, Björn Vinnerås2 e Rose Meire Vidotti1,3
¹Centro de Aquicultura da Unesp (Caunesp)
Jaboticabal/SP
*ivanguid@gmail.com
²Swedish University of Agricultural Sciences
Uppsala, Suécia
3Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios
Polo Regional Centro-Norte
Pindorama/SP

 

Faça o download e confira o texto completo com todas as ilustrações. Clique aqui

 

 

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