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Cultivo de Peixes
01 de Agosto de 2017 Aquaculture Brasil
A matemática da aquicultura: Otimizando a produção aquícola com auxílio de modelos matemáticos

O que é melhor: produzir tilápias de 600 g e vendê-las a R$ 5,00/kg ou deixá-las crescer até atingir 1,0 kg e vendê-las a R$ 6,50/kg?

Supondo que há mercado para ambos os tamanhos, podem existir argumentos favoráveis a qualquer uma. Ao vender tilápias menores, obtém-se uma conversão alimentar melhor e o viveiro, ou tanque-rede é usado em mais ciclos dentro de um mesmo período. Em favor da tilápia maior, há o apelo do preço diferenciado. Essa é uma discussão interessante e pode ser resolvida com matemática básica, utilizando-se equações e funções.

Primeiro deve-se ter em mente que o lucro é diretamente proporcional à receita, o que favorece a tilápia maior, e inversamente proporcional ao custo, que, sob esse viés, torna a tilápia menor mais interessante. Então, para maximizar o lucro, pode-se pensar em diminuir o custo, ou aumentar a receita, o que implica em decidir qual será o produto.

 

Analisando os custos de produção

Considerando o custo, sabe-se que a alimentação pode representar até 70% deste, assim, pode-se concluir que um uso eficiente de ração, pode reduzi-lo significativamente. O índice mais comum para avaliação da eficiência da ração é a conversão alimentar (C.A.), que é a relação entre o consumo e a produção. Considere o seguinte exemplo: 

Foram consumidos 14.000 kg de ração para a produção de 10.000 kg de peixe, então, a conversão alimentar, também chamada de taxa de conversão alimentar (T.C.A.) ou fator de conversão alimentar (F.C.A.), será de 1,4 (14.000/10.000).

Tomando a conversão alimentar anterior e considerando que um saco de ração de 25 kg usada na engorda (32% Proteína bruta e pellet de 8,0 mm) custa R$ 60,00, pode-se afirmar que a ração contribuiu para o custo unitário com R$ 3,36 (60,00/25 * 1,4). Imaginando que nesse exemplo a tilápia, de 600 g, foi vendida a R$ 5,00/kg e que a ração equivale a 70% do custo, o lucro unitário, por quilo de tilápia produzida, foi de R$ 0,20 (5,00 – (3,36/0,70)).

O produtor poderia imaginar que aumentaria seu lucro deixando suas tilápias crescerem mais. Contudo, deve-se atentar que, nessa condição, a conversão alimentar vai piorar e as estruturas de cultivo estarão ocupadas por mais tempo. Outro ponto importante a considerar é que, para essa análise ser válida, não haverá variação na demanda de outros elementos componentes do custo de produção (demanda de mão-de-obra, por exemplo) ou que estes não sofrerão variação significativa ao deixar os peixes atingirem um maior tamanho de comercialização.

Nesse caso, o custo em relação à alimentação aumenta, mas a receita aumenta junto. Considerando que a conversão alimentar será de 1,8 quando a tilápia atingir 1,0 kg, o custo relativo à alimentação será R$ 4,32 e o lucro unitário R$ 0,33 (6,50 – (4,32/0,70)).

Houve um incremento de 65% no lucro em favor da tilápia de 1,0 kg em relação à tilápia de 600 g, mas essa comparação ainda não é conclusiva, pois deve-se ainda considerar o tempo.

 

Ganhos no tempo

Se a tilápia de 600 g levar 4 meses para atingir esse tamanho, considerando apenas a fase de engorda, a mesma estrutura de cultivo poderá ser utilizada até 3 vezes em um ano. Considerando que os viveiros ou tanques-rede podem suportar até 10 toneladas de peixes, tem-se então um lucro anual de R$ 6.000,00 (10.000*0,20*3).

A tilápia de 1 kg pode atingir esse tamanho por volta de 6 meses, em condições adequadas. Nessa situação, serão obtidos 2 ciclos, cada um produzindo 10 toneladas, garantindo um lucro de R$ 6.600,00 (10.000,00*0,33*2). Um lucro 10% maior.

Nas condições dadas, o melhor negócio é a tilápia de 1,0 kg, mas a situação pode mudar rapidamente.

O quadro 1 compara dois cenários. A partir da análise dos dados, percebe-se que, para tilápias de 600 g, um acréscimo de R$ 0,20 no valor pago ao produtor (4% de incremento) dobrou o lucro anual, enquanto que a piora de 0,1 na conversão alimentar para peixes de 1,0 kg gerou prejuízo.

Assim, conclui-se que a decisão de que produto vai ser gerado deve levar em conta vários fatores, dentre os quais são mais importantes os seguintes:

1. Preço pago ao produtor;
2. Preço pago pela ração;
3. Qualidade do manejo e da ração traduzidas em conversão alimentar e taxa de crescimento.

 

 

Encontrando uma solução ideal com a matemática

Os preços pagos pelo peixe produzido conforme seu tamanho e o valor da ração encontram variações significativas em cada região do país. A qualidade da água, do manejo e da ração podem interferir diretamente no aproveitamento da ração e taxa de crescimento. Assim, não há um tamanho de peixe que seja ideal para todas as regiões do país. Cada um deve avaliar sua própria condição.

Para auxiliar a tomada de decisão, podem-se utilizar as ferramentas da modelagem de sistemas. Um modelo matemático é composto por expressões matemáticas que indicam o comportamento de um sistema de forma a prever os resultados e compreender de que forma pode-se utilizá-los no dia a dia (Badue e Amorim, 2012).

Na literatura científica há diversos modelos propostos, sendo que estes podem ter diferentes graus de complexidade. Um modelo simples pode ser o suficiente para auxiliar na decisão de que produto será entregue ao mercado. Para solucionar a questão do melhor tamanho de peixe a produzir, o primeiro passo é definir as principais variáveis que influenciam a rentabilidade da atividade. Nesse caso pode-se partir da equação do lucro:
L = R – C, onde L representa o lucro, R significa receitas e C é o custo.

Para uma comparação justa, ambos os produtos devem estar sobre um mesmo período e unidade, neste caso, pode-se ampliar a equação do lucro para lucro modular anual, que representa o lucro esperado para um tanque-rede ou viveiro, ficando da seguinte maneira: Lm = (P – (C.A*R/P.R.C))mn, sendo:

• P: preço pago por 1 kg do produto;
• C.A.: conversão alimentar esperada;
• R: valor de 1 kg da ração de engorda;
• P.R.C: peso da ração nos custos (valor médio 70%);
• m: capacidade de suporte do módulo de produção (tanque-rede ou viveiros);
• n: número de ciclos anuais (12/tempo médio em meses de cada ciclo).

Conhecendo a equação do lucro modular anual estimado, pode-se então fazer simulações a partir do tamanho do produto para determinar qual é o mais lucrativo, o peixe menor ou maior. Obviamente é necessário dispor dos demais fatores da equação.

O preço unitário pago ao produtor, conversão alimentar e número de ciclos anuais têm relação direta com o tamanho médio do peixe produzido. Assim, podem-se definir três funções matemáticas que estimam tais variáveis. Essas funções podem ser definidas com diferentes graus de precisão, utilizando- se recursos matemáticos mais sofisticados, mas para uma análise ao nível da propriedade, podem ser definidas funções quadráticas do tipo f(x) = ax² + bx + c, onde x representa o tamanho do peixe que pretende-se comercializar e os coeficientes a, b e c são obtidos a partir do preço do peixe em diferentes tamanhos, do tempo necessário para atingir tal tamanho bem como da conversão alimentar que pode ser obtida localmente.

A definição de funções quadráticas é um bom modo de correlacionar o tamanho do peixe com preço, conversão alimentar e número de ciclos anuais pois considera o aspecto não linear observado.

Para entender melhor o que as funções podem predizer, considere o seguinte exemplo:

O histórico de uma propriedade, utilizando-se uma ração de um mesmo fabricante pode ser conferido no quadro 2, quanto aos resultados para conversão alimentar.

Utilizando os dados do quadro 2 é possível definir uma função para estimar a conversão alimentar em diferentes pesos. Considere CA(x) uma função quadrática que expressa a conversão alimentar de acordo com o tamanho do peixe. Define-se da seguinte forma CA(x):

Sendo CA(x) = ax² + bx + c, temos que:
CA(500) = a*500² + b*500 + c = 1,40
CA(800) = a*800² + b*800 + c = 1,60
CA(1200) = a*1200² + b*1200 + c = 2,00

Desta forma, temos 3 equações e 3 incógnitas, ou seja, um sistema de equações. Solucionando-o, temos os seguintes valores: a = 0,000000476190476190476; b = 0,0000476190476190477; e c = 1,25714285714286. Conhecidos os coeficientes da função, temos que: CA(x) = 0,000000476190476190476x² + 0,0000476190476190477x + 1,25714285714286

Definida a função, pode-se calcular qual seria a conversão alimentar para diferentes pesos. Segue exemplo no quadro 3.

A definição das funções para tempo de cultivo – n(x), que determina quantos ciclos serão obtidos anualmente, e o valor pago pelo quilo de tilápia – p(x), podem ser obtidas da mesma forma descrita para a conversão alimentar, sempre em função do tamanho de comercialização. Uma observação importante é que o preço pago pela produção nem sempre acompanha o peso médio dos peixes, estando sujeito a outros fatores do mercado, principalmente pela demanda. Entretanto, o valor pago por tamanhos específicos é um importante parâmetro para a definição do preço pago por outros tamanhos. Se, na equação do lucro modular anual, Lm = (P – (CA*R/PRC))mn, substituir-se P, CA e n pelas funções p(x), CA(x) e n(x), respectivamente, todas com diferentes valores para cada tamanho (x) de peixe comercializado, tem-se então uma função que estima qual o lucro esperado para o respectivo produto gerado:

Lm(x) = [(p(x) – (CA(x)*R/PRC))m]*12/n(x)

 

Exemplo 1:
A partir das informações do quadro 4 são definidas funções que estimam quanto tempo levaria, qual o preço esperado e a conversão alimentar observada em diferentes tamanhos de comercialização. Fazendo simulações com a função lucro modular anual, tem-se os seguintes resultados:

Observe que o lucro máximo ocorre, a partir das condições iniciais, quando se comercializam tilápias com peso em torno de 700 g. Na situação dada, peixes com 800 g são comercializados a R$ 6,00/kg e, para o produtor, mesmo que a tilápia de 700 g seja vendida por R$ 0,27 a menos, ainda é mais vantajoso a tilápia de 700 g. Outra conclusão importante é que, nesse caso, peixes maiores não são um bom negócio. Além dos 800 g, o lucro diminui rapidamente, sendo que para peixes de 1,2 kg, há um prejuízo significativo.

Na condição dada acima, observa-se que o mercado valoriza mais peixes maiores e que o crescimento é um pouco mais acelerado. A conversão alimentar mantém-se a mesma que no exemplo 1. Assim, podem-se inferir os seguintes resultados:

Como podia-se imaginar, para esse mercado específico é interessante entregar peixes maiores, sendo que o lucro máximo se dá entre 1.000 g e 1.100 g.

A definição das funções pode ser um exercício trabalhoso, entretanto com o uso de planilhas eletrônicas a manipulação dos dados é facilitada. Uma planilha para auxiliar os produtores e técnicos está disponível no link https://goo.gl/ 12j4s5. Para utilizá-la basta informar os dados iniciais: valor pago, conversão alimentar e tempo necessário respectivos a três diferentes tamanhos de comercialização. A partir desses valores, é obtida a função lucro modular anual – Lm(x), e sua função derivada – L’m(x). A planilha determina o valor para x que torna L’m(x) = 0, valor este que representa o tamanho de peixe que gera o lucro máximo. Na planilha também é possível fazer simulações com diferentes tamanhos e observar o lucro estimado para cada um.

 

Considerações finais

A matemática pode ser uma aliada poderosa na tomada de decisões. As simulações feitas acima podem estar distantes da realidade de muitos produtores, mas bem próximas do que alguns encontram localmente. Assim, é possível manipular a planilha para que os resultados sejam consistentes. Embora as aplicações tenham sido feitas para a tilápia, o mesmo exercício pode ser feito para outras espécies de peixes e também camarões, desde que sejam atualizados os dados da planilha disponibilizada.

Para que os dados gerados sejam confiáveis, é imprescindível alimentar o modelo com valores o mais reais possível, obtidos localmente ou em lotes anteriores, também com preços praticados no mercado local.

As simulações feitas não podem ser tomadas como definitivas, embora sejam orientadoras, e as decisões tomadas em cada propriedade deve levar em conta que a disponibilidade de estruturas, o desempenho da linhagem utilizada, a qualidade da água, da ração e do manejo bem como a demanda do mercado local e outros fatores vão interferir diretamente sobre a rentabilidade da atividade.

 

Autor: Zoot. Thiago Andrade da Silva
Prof.de Aquicultura no Instituto Centro de Ensino Tecnológico - CENTEC
Unidade de Ensino EEEP José Ivanilton Nocrato, Guaiúba - CE
thiagoandrade@zootecnista.com.br

 

Faça o download e confira o texto completo com todas as ilustrações. Clique aqui

 

 

 

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