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01 de Maio de 2017 Aquaculture Brasil
Existem vírus benéficos?

Introdução

Em cada mililitro da água superficial do oceano temos de 3,7 × 105 a 6,4 x 107 partículas virais (Wigington et al, 2016). Esses vírus têm sido associados à manutenção de processos importantes, incluindo a manutenção e geração da diversidade microbiana e das comunidades marinhas, sendo determinantes para os ciclos biogeoquímicos. Existe um grande número de espécies virais que não causa a morte de seus hospedeiros no ambiente natural, em muitos casos nem mesmo os sintomas da infecção são observados. Isso faz sentido levando-se em consideração que no ambiente natural dois hospedeiros não entram em contato direto com muita frequência. Nesse caso, quanto mais tempo um hospedeiro infectado sobreviver maior a possibilidade de encontrar outros e de transmitir o vírus, favorecendo a seleção de variantes virais que não causam a morte do hospedeiro.

 

Transmissibilidade e infecções virais

No contexto do exemplo anterior, a hipótese mais plausível é que a capacidade de uma espécie de vírus prosperar no ambiente seja determinada pela sua transmissibilidade. Em outras palavras, os vírus evoluem de forma a serem transmitidos mais eficientemente para outros hospedeiros.

Outro ponto curioso é o fato de que dificilmente uma única espécie de vírus estará presente em um hospedeiro no ambiente natural. O que geralmente ocorre são infecções múltiplas, onde diferentes populações de vírus habitam um mesmo hospedeiro, sendo essas populações virais compostas por diferentes espécies e/ou por variantes de uma mesma espécie. A variabilidade genética de uma espécie é fundamental para a dispersão do vírus em diferentes ambientes. Quanto mais variantes existirem maior a possibilidade de que uma dessas variantes se adapte a um novo ambiente.

As relações entre as diferentes espécies de vírus em um mesmo hospedeiro ainda são um tanto obscuras, mas ao que parece essas co-infecções regulam a dinâmica da replicação viral, podendo favorecer a sobrevivência do hospedeiro e a existência dos próprios vírus. Existe um número significativo de trabalhos com vírus que infectam humanos e animais de criação que demonstraram que infecções virais primárias interferem impedindo ou diminuindo a superinfecção causada por um vírus secundário semelhante (Deterding et al., 2006; King et al., 2006, Awad et al, 2015).

 

Interferência viral

O fenômeno de interferência viral também acontece em vírus que infectam camarões. Uma das relações mais bem estudadas é a interferência que ocorre entre o Penaeus stylirostris densovirus – PstDNV (mais conhecido como infectious hypodermal and haematopoietic necrosis virus – IHHNV) e o white spot syndrome vírus – WSSV, esse último o causador da síndrome da mancha branca em camarões. Alguns trabalhos científicos têm demonstrado que uma pré-exposição ao PstDNV atenua o surgimento dos sintomas causados por uma infecção subsequente pelo WSSV em diferentes espécies de camarão (Tang et al, 2003; Bonnichon et al, 2006; Melena et al, 2006). No caso do WSSV, a interferência pode ocorrer até entre variantes da mesma espécie. Um estudo realizado por pesquisadores holandeses em 2005 demonstrou que um isolado do WSSV do ano de 1996 apresentava menor virulência que um isolado de 2001, e que isso poderia ser uma consequência da diferença de tamanho entre os genomas dos dois vírus. O vírus com o genoma menor se replicariam com maior facilidade (Marks et al, 2005).

Esse e outros estudos levantaram a necessidade de se entender melhor sobre a variabilidade genética do WSSV, na expectativa de estabelecer uma relação entre o genótipo do vírus e as características de virulência. Atualmente já se sabe que existem variantes genotípicas do WSSV que podem ser identificadas por alguns marcadores moleculares. A determinação dessas variações já é utilizada em estudos epidemiológicos e permite rastrear a origem geográfica das variantes virais, mas ainda não existe uma relação clara entre os diferentes genótipos e a virulência.

 

Conclusões

O que podemos concluir até aqui é que se a carga viral se mantém alta em um ambiente a dispersão dos vírus é favorecida, pois aumenta a probabilidade de surgirem variantes virais diferentes que se adaptem aos novos ambientes. Uma vez que a presença do vírus foi detectada no ambiente, elimina-lo totalmente é quase impossível, principalmente considerando que WSSV é capaz de infectar pelo menos 20 hospedeiros diferentes (Maeda et al, 2000; Hameed et al, 2003, Zhang et al, 2008, Haryadi et al, 2015). Uma vez detectado o WSSV em uma região, a melhor alternativa poderia ser o desenvolvimento de práticas de manejo que favorecessem a seleção de variantes virais menos virulentas.

Em algum nível isso já é feito, por exemplo, quando a densidade dos cultivos é reduzida. De fato, a manutenção das boas práticas de manejo (qualidade das PL’s, berçários, tratamento de água, equilíbrio iônico, calagem e fertilização, controle da alimentação, qualidade da ração etc..) é um fator preponderante no sucesso da produção, pois de uma forma geral esses procedimentos estabilizam o ambiente, favorecendo o sistema de defesa do camarão e a manutenção da carga viral baixa no sistema. A baixa carga viral nos animais (<103 partículas virais) diminui a possibilidade de dispersão para novos ambientes e de surtos agressivos da doença. Já sabemos que nem sempre os animais positivos para WSSV desenvolvem sintomas da doença, o nosso desafio agora é entender se entre os fatores que mediam esse fenômeno existe de algum tipo de “interferência benéfica”. A equipe do LAPLIC está trabalhando para isso.

 

Autores:

Juliana Gabriela Silva de Lima
Estudante de doutorado
Programa de Pós-graduação em Bioquímica – UFRN
Laboratório de Biologia Molecular Aplicada – LAPLIC/UFRN

Daniel Carlos Ferreira Lanza
Professor Adjunto – Departamento de Bioquímica – UFRN
Laboratório de Biologia Molecular Aplicada – LAPLIC/UFRN
www.laplic.com.br

 

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