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01 de Maio de 2017 Aquaculture Brasil
Efeito da salinidade da água na qualidade físico-química e sensorial da carne do Beijupirá, Rachycentron canadum

Introdução

O beijupirá, Rachycentron canadum (Linnaeus, 1766), apresenta-se como uma espécie promissora para a aquicultura devido à sua rápida taxa de crescimento e carne de alta qualidade. Esta espécie vem sendo cultivada em várias partes do mundo, sendo que em Taiwan (China) são cultivados comercialmente em tanques-rede em mar aberto. Entretanto, os elevados investimentos necessários para o cultivo do beijupirá em tanques-rede inviabilizam essa atividade para o pequeno pescador e para o cultivo familiar no Brasil limitando-a aos grandes investidores. Portanto, o cultivo da espécie em viveiros escavados pode ser uma alternativa a esses produtores.

Apesar de viver em ambiente marinho, esta espécie apresenta a característica de ser eurihalina. Alguns trabalhos tem indicado a possibilidade de produção sem redução no desempenho em salinidades tão baixas quanto 15 g L-1. Esses mesmos estudos sugerem que salinidades abaixo deste limite estariam fora do limite de regulação osmótica para a espécie, mas com uma alimentação mais adequada seria possível manter a espécie em salinidades em torno de 5 g L-1. Isso possibilitaria a produção comercial da espécie em viveiros escavados com águas interiores de baixas salinidades.

Além de parâmetros zootécnicos, a salinidade da água de produção pode influenciar outras características como a qualidade da carne do animal produzido. Entre eles o acúmulo de gordura no animal e o consumo de energia se destacam. O consumo de energia está relacionado com a osmorregulação animal, a salinidade pode desempenhar um papel direto no crescimento dos peixes, afetando as taxas de consumo ou a capacidade de digerir e utilizar alimentos de forma mais eficiente. Essas características podem influenciar diretamente a qualidade do produto final. Entretanto, até o presente nenhum estudo avaliou o efeito de diferentes salinidades na qualidade físico-química e sensorial da carne do beijupirá.

 

 

Materiais e métodos

Para determinar o efeito da salinidade da água de cultivo sobre os atributos da qualidade da carne do beijupirá foi realizado um cultivo experimental da espécie no Setor de Aquicultura da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA), Mossoró, RN. Os juvenis de beijupirás (Figura 1) foram adquiridos da Fazenda Aratuá (Camanor Produtos Marinhos Ltda., Guamaré, RN) e transportados em caixas térmicas, do tipo Transfish (Bernauer Aquacultura Ltda., Indaial, SC), de Guamaré até Mossoró. Após a aclimatação em tanque de alvenaria na salinidade 35 g L-1 por cinco dias, os peixes foram estocados nas unidades experimentais de cultivo.

Foram utilizadas 24 caixas plásticas, circulares, com tampa e capacidade de 1 m3, dotadas de aeração com pedras porosas e filtro biológico. O Setor de Aquicultura dispõe de um poço artesiano com salinidade média de 4 g L-1. Para obtenção de águas com diferentes salinidades, água hipersalina (100 g L-1) proveniente de uma salina da região foi misturada à água do poço em diferentes proporções. O experimento teve a duração de 60 dias. Cada unidade experimental, com água na mesma salinidade do tanque de alvenaria, foi povoada com seis animais.

Ao longo de 20 dias, houve uma alteração gradativa da salinidade dos tanques de cultivo, se adicionando água do poço artesiano (salinidade 4 g L-1) até obtenção das salinidades experimentais desejadas. O experimento contou com cinco tratamentos correspondentes às salinidades de 4 (água do poço), 7, 15, 25 e 35 g L-1. Para cada tratamento, foram usadas quatro repetições, totalizando 24 unidades experimentais. O manejo alimentar diário consistiu de duas alimentações, até a aparente saciedade, com uma dieta seca comercial para peixes marinhos contendo 48% de proteína bruta e 12% de lipídios (Nutrilis Marine, InVivo Nutrição e Saúde Animal Ltda., São Lourenço da Mata, Pernambuco).

Semanalmente os tanques de cultivo foram sifonados para retirada de resíduos acumulados no fundo e 50% da água foi reposta com água na mesma salinidade. As variáveis físico-químicas da água (oxigênio dissolvido, temperatura, pH, turbidez, nitrogênio amoniacal [NNH3, NNH4] e salinidade) foram verificadas diariamente nos dois turnos da alimentação. Com exceção da salinidade, os demais parâmetros de qualidade de água se mantiveram dentro das amplitudes adequadas para o desenvolvimento da espécie.

Após a despesca amostras dos músculos do beijupirá foram coletadas. Os peixes foram capturados com uma tarrafa, anestesiados com benzocaína a 50 mg L-1, pesados e medidos. Os animais foram eviscerados, descabeçados, embalados a vácuo e congelados em freezer a -18°C até o momento das análises de composição físico-química realizadas no Laboratório de Bioquímica da UFERSA. Parte do músculo dos filés dos peixes foi coletada aleatoriamente, totalizando quatro amostras por tratamento. Foram determinados o pH, o percentual de umidade, proteína bruta, extrato etéreo e cinzas de acordo com metodologia oficial (AOAC, 2011).

Para a análise sensorial, foi utilizado o teste da comparação múltipla ou teste de diferença do controle, para verificar a existência de diferença significativa (P < 0,05) entre as amostras e o padrão (controle, amostra de músculo do beijupirá cultivado na salinidade 35 g L-1) e estimar a amplitude dessa diferença. Juvenis de beijupirá das cinco salinidades de cultivo foram eviscerados, cortados em posta e lavados com água mineral, armazenados em isopor com bastante gelo em escamas. Posteriormente, as amostras foram grelhadas em grill elétrico, e servidas em pratos descartáveis a avaliadores não treinados (Figura 2) para análise sensorial.

Na análise sensorial, cada um dos 32 avaliadores recebeu uma amostra controle (identificada com a letra “C”) e as demais amostras (identificadas por códigos contendo três dígitos, incluindo uma amostra controle). O avaliador primeiramente recebeu a amostra controle, e depois comparou o sabor com as outras amostras. A avaliação foi acompanhada com o auxílio de uma cartilha, na qual apresentava uma escala com variação de 1 (extremamente melhor que o controle) a 9 (extremamente pior que o controle), nomeada de “Comparação Múltipla”.

Paralelamente, os avaliadores (não treinados) responderam também a escala hedônica que constava de uma escala que variou de 1 (desgostei extremamente) a 9 (gostei extremamente). Este tipo de teste permitiu apurar a satisfação do consumidor com o produto testado. As notas obtidas foram mensuradas, resultando no percentual de preferência em função dos números dos avaliadores.

O índice de aceitabilidade (IA) foi calculado considerando como 100% o máximo de pontuação alcançada pelas diferentes formulações testadas na pesquisa. O critério de decisão para este índice ser considerado aceitável é de no mínimo 70%. Portanto, para este cálculo, adotou-se a seguinte expressão matemática: IA (%) = (nota média obtida para o produto ÷ nota máxima dada ao produto) x 100.

 

Resultado e Discussão

As análises físico-químicas demonstraram que o filé do beijupirá apresenta em média 74,9 ± 0,87% de umidade e que os valores não diferem significativamente entre as salinidades de cultivo avaliadas (P > 0,05; Tabela 1). A água foi o componente em maior concentração encontrada nos filés de beijupirá. Segundo Gonçalves e Menegassi (2011) o músculo do pescado pode conter de 60 a 85% de umidade, constatando uma normalidade nos valores encontrados na espécie estudada. Valores dentro dessa normalidade também foram encontrados por Yeannes e Almandos (2003).

Apesar da salinidade de cultivo não ter interferido na umidade da carne do beijupirá, outros fatores podem ser influentes, como as estações do ano. Luzia et al. (2003) obtiveram teores de umidade para a sardinha de 73,92% durante o verão e 72,05% no inverno e, para a corvina, 79,27% durante o verão e 77,80% no inverno, estando esses valores dentro da faixa referida para espécies marinhas. O teor de água no músculo do peixe cultivado tende a ser menor do que os de vida livre (Saeki e Kumagai, 1984) e parece refletir o seu melhor estado nutricional. Möhr (1986) também citou que a composição química varia bastante dependendo da origem do peixe. A matéria mineral média encontrada no músculo de beijupirá não diferiu significativamente (P > 0,05) entre as salinidades avaliadas. As amostras analisadas estiveram dentro da faixa de 1,0% a 2,0% de cinzas, que de acordo com Gonçalves e Menegassi (2011) está dentro do padrão do teor de cinzas para peixes marinhos. Resultados semelhantes também foram encontrados por Luzia et al. (2003).

Os resultados de matéria mineral sugerem que em todos os tratamentos, a quantidade de elementos minerais no ambiente de cultivo, associada com aqueles fornecidos por meio da ração comercial, pode-se assimilar à quantidade de material mineral encontrado no ambiente natural. Isso se deve à capacidade do peixe em adquirir esses compostos do ambiente e da alimentação. Esses minerais são componentes importantes da carne do peixe pelo seu valor nutritivo e por contribuir no sabor. Em todas as salinidades testadas, o teor de lipídio do músculo de beijupirá apresentou igualdade em todos os testes (P > 0,05). As concentrações de lipídios encontrados nos peixes podem variar bastante, podendo ser de 0,6 a 36% (Gonçalves e Menegassi, 2011).

Essa variação pode ser decorrente do tipo de músculo corporal em uma mesma espécie, sexo, idade, época do ano, habitat e dieta entre outros fatores. Diferente dos valores de umidade, cinzas e lipídios, os teores de proteínas presentes no filé do beijupirá apresentaram resultados crescentes com aumento da salinidade da água (P < 0,05). De acordo com Gonçalves e Menegassi (2011) o valor de proteína de um peixe marinho é de aproximadamente 20%. No presente trabalho, foi encontrado um teor de proteína mais baixo (20,19%) na salinidade 4 g L-1, diferindo-o dos demais tratamentos. O teor de proteína total da carne de peixes cultivados e de vida livre é semelhante (Haard, 1992). No peixe Plecoglossus altivelis, o teor de proteína do músculo diminui um pouco do verão ao outono, sem diferenças significativas entre os peixes cultivados e silvestres (Hirano et al., 1980).

O pH muscular variou de 6,27 (salinidade de 25 g L-1) a 6,49 (salinidade de 35 g L-1), apresentando diferenças significativas (P < 0,05). Apesar de ter havido diferenças entre as salinidades 7 e 25 g L-1 (P < 0,05) e as salinidades 7 e 35 g L-1 (P < 0,05), percebe-se que há pouca variação entre os resultados. O pH é um componente de fundamental importância, pois o mesmo interfere na textura da carne do pescado. Os resultados da análise sensorial demonstraram que segundo os provadores, a salinidade de 7 g L-1 difere da salinidade de 35 g L-1 (amostra padrão), porém não há diferenças entre as salinidades 15 e 25 g L-1 com a salinidade de 35 g L-1 (P > 0,05). Esse teste nos leva a concluir que há resposta nos peixes cultivados em diferentes salinidades, pois os mesmos diferem quanto ao sabor quando comparado à amostra cultivada na salinidade ideal (35 g L-1). Nesse teste, não foi possível comparar a salinidade de 4 g L-1, pois o mesmo apresentava poucas amostras.

Quanto aos resultados referentes à escala hedônica (Tabela 2), a maioria dos provadores optaram por “Desgostei ligeiramente” para as amostras correspondentes às salinidades de 4 e 7 g L-1 representados por 38 e 22% dos provadores, respectivamente. Já as amostras de peixes cultivados na salinidade de 15 g L-1 apresentaram os melhores resultados, com 28% os julgadores optando por “Gostei regulamente”. As salinidades de 25 e 35 g L-1 foram classificadas como “Indiferentes” por 19 e 25% julgadores, respectivamente.

É possível ressaltar a preferência dos julgadores quanto a salinidade de 15 g L-1, pois contabilizando todas as notas de 6 (Gostei ligeiramente) à 9 (Gostei muitíssimo) verifica-se que essa salinidade representa 69% de aceitação dos consumidores, enquanto a salinidade de 4 g L-1 apresenta apenas 19%. O tratamento que resultou no melhor Índice de Aceitabilidade (IA) foi o da salinidade de 15 g L-1, esta obteve o IA superior a 70% (Tabela 3). Logo abaixo desse índice seguem as salinidades de 25 e 35 g L-1, que apresentaram o Índice de Aceitabilidade na média dos 60%, e as salinidades de 4 e 7 g/L, com IA em torno dos 50%.

Analisando todos os resultados das análises sensoriais, pode-se verificar que os valores seguiram o mesmo padrão de resposta. Isto sugere que o beijupirá cultivado na salinidade de 15 g L-1 apresentam melhores resultados de aceitação pelo consumidor, mesmo não diferindo, quanto à preferência, das salinidades de 25 e 35 g L-1.

 

Conclusão

Através do presente estudo foi possível concluir que a salinidade da água de 4 g L-1 interferiu na qualidade físico-química de beijupirás cultivados. Os beijupirás cultivados nas salinidades 15, 25 e 35 g L-1 apresentaram aceitação dos consumidores. No entanto, a salinidade de 15 g L-1 no cultivo do beijupirá proporcionou maior preferência pelos provadores. Devido à comprovação da eurialinidade da espécie, da manutenção da composição físico-química e aceitação do consumidor, conclui-se que beijupirás podem ser cultivados em salinidades de 15, 25 e 35 g L-1 sem perda de qualidade.

 

Agradecimentos

Este trabalho foi desenvolvido no âmbito da Sub-Rede de Pesquisa Científica e Tecnológica “Nutrição, Sanidade e Valor do Beijupirá, Rachycentron canadum, Cultivado no Nordeste do Brasil” (Sub-Rede Beijupirá-Nutrição-Sanidade-Valor-NE), apoiado com recursos aprovados no Edital 036/2009 – Chamada 2, MCT/CNPq/ CT-AGRONEGÓCIO/MPA, Processo CNPq No. 559527/2009-8.

 

Autores:

Prof. Dr. Alex Augusto Gonçalves
Chefe do Laboratório de Tecnologia e Controle de Qualidade do Pescado (LAPESC)
Centro de Ciências Agrárias (CCA)
Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA)
Mossoró, RN, Brasil
alaugo@gmail.com

Prof. Dr. Felipe de Azevedo Silva Ribeiro
Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA)
Mossoró, RN, Brasil
felipe@ufersa.edu.br

Alexandre Firmino Diógenes
Engenheiro de Pesca (UFERSA), Mestre em Aquicultura (CAUNESP)
Doutorando na Faculdade de Ciências, Centro de Investigação Marinha e Ambiental
Universidade do Porto (FCUP), Porto, Portugal.
alexandre_diogenes@hotmail.com

 

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