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01 de Janeiro de 2017 Aquaculture Brasil
O “Lixo” que Vale Ouro

Os resíduos produzidos ao longo do processo de beneficiamento do camarão Litopenaeus vannamei possuem alto valor comercial se aproveitados corretamente. Infelizmente no Brasil a realidade é outra. Essas sobras são vistas como lixo e acabam por se tornarem um empecilho para muitas unidades de beneficiamento pelo país. A falta de iniciativa dos empreendedores, a inexistência de políticas públicas de incentivo, a carência na fiscalização e a falta de conhecimento técnico geram um cenário de descaso com esse processo tão importante para a cadeia produtiva do camarão.

O processamento industrial do camarão despescado tem como objetivo, além da agregação de valor, a transformação dessa matéria-prima em um produto mais aceitável comercialmente. A cabeça, a carapaça e a cauda, mesmo podendo ser reaproveitadas, geralmente são dispensadas para o aproveitamento apenas da carne do animal, ao contrário do que ocorre na indústria bovina, onde se aproveita 100 % de sua matéria-prima. Essas partes removidas chegam a representar de 40 a 50 % do peso total do camarão e são compostas basicamente de 15 a 20 % de quitina, 25 a 40 % de proteínas e 40 a 55 % de carbonato de cálcio.

Historicamente, a questão dos resíduos de pescado se fez presente desde os primeiros vestígios de organização social, porém não representava um problema, já que as primeiras comunidades nômades não tinham a necessidade de tratamento dessas sobras, pois a quantidade produzida era irrisória, não representando potenciais riscos ao meio ambiente. As adversidades começaram a aparecer após o surgimento do comportamento das comunidades se estabelecerem em um lugar fixo, através da formação de tribos, vilas e cidades, as quais até determinado momento da história não detinham o conhecimento necessário para o devido tratamento desses resíduos, e tampouco possuíam o hábito da higiene. As complicações se intensificaram após a revolução industrial, onde o movimento em massa para os grandes centros urbanos causou um aumento no consumo de pescado, fato que teve como consequência um incremento considerável na produção de resíduos que não eram reciclados de modo correto. A complexidade das atividades humanas permite que o resíduo de uma atividade possa ser utilizado em outra, e assim sucessivamente, de forma sistêmica e integrada. Após esse ciclo de utilizações, o material que não tiver nenhuma possibilidade de se reintegrar na cadeia produtiva, ou seja, que não dispuser de nenhum consumidor em potencial será considerado como “lixo”. Na cadeia produtiva brasileira do camarão, esse conceito ainda não foi incorporado plenamente. Podemos observar que grande parte das unidades de beneficiamento do país, até o presente momento, não reaproveitam os resíduos de forma apropriada, gerando uma quantidade significativa de “lixo” que, se fosse reciclado do modo certo, poderia valer ouro.

Resíduo pode ser considerado qualquer material que sobra após uma ação ou processo produtivo. De acordo com a NBR 10004 (ABNT, 2004, página 2-5) os resíduos da atividade pesqueira podem ser classificados em duas classes (I e II, perigosos e não perigosos) definidas da seguinte forma: Classe I – Perigosos. São aqueles que em função das suas propriedades físicas, químicas ou infecto contagiosas oferecem risco à saúde pública, causando mortalidade e incidência de doenças, e ao meio ambiente, quando gerenciados de maneira inadequada. Os resíduos de Classe I ainda apresentam características como inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade, situações que ocorrem caso eles estejam contaminados. E Classe II – Não Perigosos. São aqueles não inertes, com propriedades como combustibilidade, biodegradabilidade ou solubilidade em água, como resíduos de pescado não contaminados. Os resíduos que se enquadram na Classe II são os passíveis de serem aproveitados no beneficiamento do camarão, diferentemente dos de Classe I, que devido a suas características inadequadas, não podem ser reaproveitados no beneficiamento.

São diversas as finalidades do aproveitamento de resíduos no beneficiamento do camarão, dentre elas a produção de farinha para a fabricação de produtos de consumo humano ou nutrição animal; produção de biofilme de quitosana para a conservação de alimentos; tratamento de efluentes de mineração; extração de compostos como proteínas, quitosana, quitina, astaxantina, heparina, dentre outros.

A metodologia para a obtenção de farinha de camarão se baseia na desidratação dos resíduos a temperaturas de 50 ºC a 60 ºC, por um período de 46 horas. Essa farinha apresenta elevado valor nutricional e potencialidades, como fonte proteica para dietas animais e fabricação de produtos como pastel de soja sabor camarão, hambúrguer sabor camarão e sopa sabor camarão, os quais obtiveram boa aceitação dos consumidores, segundo um estudo realizado pelo Centro de Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal da Paraíba.

 

 

Outra alternativa para a exploração eficiente dos resíduos do camarão consiste na produção de biofilme de quitosana para a conservação de alimentos. A quitina é transformada em quitosana através do processo de desacetilação alcalina. Biofilmes são preparados de materiais biológicos que agem como barreiras a elementos externos e, consequentemente, protegem o produto e aumentam a sua vida de prateleira, controlando a perda de umidade, a troca de oxigênio, etileno e dióxido de carbono dos tecidos de frutas, por exemplo. Dessa forma, controlam a respiração do produto e aumentam sua durabilidade. Outras aplicações da quitosana são: clarificação de sucos, purificação da água, emulsificante de aromas, agente antioxidante, emulsificante e estabilizante.

Também podemos citar o tratamento de efluentes da mineração como uma finalidade para os resíduos de camarão. A drenagem ácida mineral (DAM) é um dos mais graves impactos ambientais da mineração. A poluição dos mananciais hídricos das regiões próximas às mineradoras ocorre quando o efluente desta atividade entra em contato com o corpo de água, tornando-o imprópriopara consumo e acarretando diversos problemas ambientais e socioeconômicos. Estudos científicos apontam que a utilização dos resíduos de camarão é eficiente em neutralizar a elevada acidez das águas superficiais e subterrâneas impactadas com drenagem ácida mineral.  Remoções quase totais de alumínio, ferro e manganês foram obtidas nos experimentos realizados, demonstrando que a casca do camarão possui alto potencial de tratamento dos efluentes da mineração.

A extração de compostos também representa uma excelente possibilidade de aproveitamento desses resíduos. A obtenção de proteínas, pigmentos carotenóides, heparina e quitina através de processos químicos pode representar, para uma unidade de beneficiamento que produz cerca de 5 ton/dia de resíduos, um incremento de aproximadamente US$ 11 mil/mês. A astaxantina, que é um corante e antioxidante natural, vale cerca de US$ 7.500/kg e é o pigmento mais abundante encontrado na carapaça do camarão (45,5 %), seguido por β-caroteno-5,6-epóxido (33,5 %) e do astaceno (21,0 %). Através dos processos de desproteinização, desmineralização, despigmentação e neutralização é extraída a quitina (US$ 5/kg) e a quitosana (US$ 18/kg), que são polímeros atóxicos, biodegradáveis e biocompatíveis, cujas propriedades vêm sendo exploradas em aplicações industriais e tecnológicas há mais de 60 anos. A heparina (US$ 300/g), que é um antitrombótico de última geração, também pode ser extraída para ser utilizada na indústria farmacêutica.

A recuperação e o aproveitamento desses resíduos por outras indústrias assumem grande importância para o desenvolvimento sustentável da carcinicultura, pois permitem diminuir o custo dos insumosprincipais e minimizar eventuais problemas ambientais. Porém, a transformação desse material em subproduto requer longo processo industrial baseado em tecnologias, conhecimentos, necessidades, fatores econômicos e legislação. Certa vez, em uma conversa com um engenheiro químico que desenvolve projetos de reaproveitamento de resíduos do beneficiamento do camarão, ele comentou, em tom de ironia, que se os produtores tivessem ideia do alto valor comercial dos resíduos desses animais, praticariam a carcinicultura somente para aproveitá-los, descartando a carne.

 

Autor: André Moreau Alano

MCR Aquacultura
andre@mcraquacultura.com.br
mcraquacultura.com.br

 

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