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01 de Janeiro de 2017 Aquaculture Brasil
Cultivo de Polvos – Situação Atual, Desafios e Perspectivas

 

Situação atual do cultivo de polvos no mundo 

Os polvos são moluscos pertencentes à classe Cephalopoda, que também inclui sépias, lulas e Nautilus. Estes animais, considerados os mais complexos entre os invertebrados, são frequentemente mantidos em laboratórios ou aquários. As razões para tal incluem: i. Utilização como organismos modelo em pesquisas nas áreas de neurobiologia, fisiologia e comportamento animal; ii. Fins ornamentais; iii. Repovoamento; e iv. Aquicultura.

Na aquicultura, os polvos estão entre os invertebrados marinhos mais atrativos para a diversificação de espécies por apresentarem rápido crescimento combinado a boas taxas de conversão alimentar, além de possuírem elevado teor proteico e alto valor de mercado.

Atualmente, o cultivo de algumas espécies de polvos somente é viável em escala experimental, entretanto, nas últimas décadas, o número de estudos aumentam consideravelmente visando conhecer e aprimorar as técnicas para o cultivo em larga escala (Vidal et al., 2014). Um estudo recente compilou as principais informações sobre a tecnologia de cultivo de sete espécies de polvos realizados com diferentes propósitos e graus de sucesso ao redor do mundo: Amphioctopus aeginaEnteroctopus megalocyathusOctopus mayaOctopus mimusOctopus minorOctopus vulgaris e Robsonella fontaniana (Iglesias et al., 2014). Dentre estas espécies, O. maya e vulgaris são as mais estudadas e consideradas, portanto, modelos e candidatas preferenciais para a aquicultura.

Acerca destas duas espécies mais estudadas (O. maya e O. vulgaris), há uma importante diferença em relação a sua estratégia reprodutiva. Fato que implica diretamente na produção destes animais. Espécies como O. vulgaris, produzem algumas centenas de milhares de ovos pequenos, que dão origem a indivíduos planctônicos, denominados “paralarvas”. Outras espécies, como O. maya, produzem poucos milhares de ovos grandes, que dão origem a juvenis bem desenvolvidos e bentônicos. Tais estratégias exercem grande influência na tecnologia de cultivo destas espécies, já que, no primeiro caso, altas taxas de mortalidades ocorrem durante a fase de paralarva, devido principalmente à falta de dietas adequadas.

No México, o cultivo da espécie endêmica da Península de Yucatán, O. maya, tem sido realizado com sucesso e domínio completo do ciclo de vida em laboratório. Juvenis são obtidos a partir de adultos coletados no ambiente e acondicionados em laboratório para que ocorra a reprodução. Posteriormente, as fêmeas são individualizadas para oviposição e os ovos fertilizados são incubados artificialmente até a eclosão. Os juvenis recém-eclodidos aceitam dieta artificial imediatamente após o início da alimentação exógena (Rosas et al., 2014). Por outro lado, o cultivo de O. vulgaris, realizado principalmente na Espanha, é baseado na engorda de subadultos capturados no ambiente, mantidos em tanques ou gaiolas flutuantes e alimentados com animais provenientes da fauna acompanhante da pesca até atingirem o peso comercial (García-García e Valverde, 2006).

 

Reprodução e larvicultura

Para o cultivo em laboratório, os reprodutores podem ser obtidos por meio de mergulho ou capturados com armadilhas ou potes. O importante é que sejam saudáveis e coletados da forma menos traumática possível. A cópula pode ser observada em poucas horas após a introdução de machos e fêmeas em um mesmo tanque. Recomenda-se oferecer abrigos para os reprodutores (vasos de barro, canos de PVC, etc) a fim de promover o bem-estar, já que estes animais vivem entocados em rochas, e para que as fêmeas possam depositar seus ovos.

Durante o período de maturação sexual, machos e fêmeas tem apetite voraz e podem consumir o equivalente a 30-50% de seu peso corporal por dia (Vidal et al., 2014). A alimentação dos reprodutores é realizada de forma criteriosa enfatizando-se o elevado valor nutricional através de itens como siris, caranguejos, ostras, mexilhões e peixes, que podem ser fornecidos vivos ou congelados. Quando a fêmea para de se alimentar é um indício de que está prestes a desovar. Durante todo o período de incubação dos ovos, a fêmea fica dentro da toca e não se alimenta, dedicando-se a limpar e aerar os ovos continuamente. A eclosão das paralarvas ou juvenis dura de vários dias a semanas.

Os polvos apresentam desenvolvimento direto, ou seja, não possuem fase larval, dando origem a paralarvas ou juvenis, dependendo da espécie.

As paralarvas, apesar de serem essencialmente miniaturas dos adultos, são planctônicas e tem proporções corporais diferentes dos adultos. São muito peculiares, pois ao eclodirem já apresentam sistema nervoso relativamente bem desenvolvido e capacidades inatas para capturar presas muito maiores que seu próprio tamanho, que oscila entre 3-5 mm de comprimento total. Os juvenis, por outro lado, são bentônicos e tem aparência e comportamento muito similar aos adultos.

 

 

Desafios na nutrição de polvos

A nutrição é um fator chave para o desenvolvimento do cultivo devido à ausência de dietas que supram as exigências nutricionais na larvicultura e engorda. Garantir eficiência e qualidade das dietas é o principal desafio para a transferência de tecnologia do cultivo em pequena escala para a produção industrial.

Os polvos são carnívoros e utilizam a proteína como principal fonte de energia. São muito eficientes na assimilação de nutrientes, com taxas de retenção proteica de até 96% (Lee, 1994). Entretanto, altos níveis proteicos na dieta implicam no aumento dos custos de produção, sendo imprescindível o uso de dietas balanceadas para se obter maior eficiência no cultivo.

As paralarvas são predadoras visuais, portanto necessitam de suprimento constante de presas vivas, de determinado tamanho e mobilidade e de excelente qualidade nutricional para satisfazer seu exigente apetite. Necessitam de alimentos ricos em ácidos graxos poli-insaturados, fosfolipídios, colesterol e cobre. Devido ao seu alto metabolismo e elevadas taxas de alimentação e crescimento, podem entrar em inanição rapidamente na ausência de alimento, o que resulta em mortalidade. Na larvicultura, as melhores taxas de sobrevivência foram obtidas com uma dieta composta de zoeas de crustáceos e artêmias (Iglesias e Fuentes, 2014).

Conseguir suprir todas as exigências nutricionais das paralarvas não é uma tarefa fácil, e explica porque a larvicultura é o grande gargalo para o cultivo comercial de polvos (Vidal et al., 2014).

Na engorda, o desafio é elaborar péletes com ingredientes processados em baixa temperatura, como os liofilizados. Isto porque fontes proteicas em alta temperatura como farinha de peixe são pouco digestíveis e promovem baixas taxas de crescimento (Rosas et al., 2013).

Para impulsionar o cultivo de polvos, é imprescindível conhecer as exigências nutricionais de cada espécie e nas diferentes fases do ciclo de vida. Identificar a dieta das paralarvas no ambiente natural é um passo importante para desenvolver alimentos inertes aplicáveis na larvicultura. Além disso, conhecer a fisiologia digestiva dos polvos é primordial, para que se possa avaliar fontes disponíveis de baixo custo para viabilizar a engorda.

 

Espécies com potencial e perspectivas para o Brasil

Atualmente, várias espécies de polvos no Brasil têm suas identificações reavaliadas do ponto de visto taxonômico. Para a aquicultura isto é importante, uma vez que a escolha de uma espécie para cultivo está relacionada com características intrínsecas, como habitat, ciclo de vida e alimentação, requerendo, portanto, o máximo de conhecimento possível sobre a espécie escolhida.

Pelo menos quatro espécies de polvo no Brasil possuem características compatíveis para o cultivo.

Duas se destacam como alvos de pesca, e, portanto, possuem grande interesse para consumo: Octopus cf. vulgaris e Octopus insularis. A primeira faz parte do complexo de espécies com maior destaque econômico no mundo, que acreditava-se ter distribuição mundial. Atualmente sabemos que a espécie que ocorre em águas brasileiras, é geneticamente distinta da espécie correspondente do Atlântico Norte (Amor et al., 2016). Esta espécie tem distribuição no Sul e Sudeste, em águas que não ultrapassem 24oC. Já O. insularis é uma espécie tropical recentemente descrita (Leite et al., 2008; Lenz et al., 2015), que suporta temperaturas de até 32oC e maiores variações de salinidade (Amado et al., 2015). Sua distribuição vai desde o Caribe até o Espírito Santo, incluindo todas as ilhas oceânicas tropicais do Atlântico Sul. É a espécie de maior importância econômica do Norte e Nordeste.

Entre os polvos com características para aquariofilia, merecem destaque espécies de menor porte, como Octopus hummelinck, única espécie ocelada do Atlântico Sul, que habita fendas em recifes tropicais; e Paraoctopus sp., um polvo pigmeu que é encontrado em águas subtropicais e utiliza conchas e restos de lixo humano como toca.

 

Estudos em andamento

No Brasil, diversos estudos são realizados com polvos que apresentam potencial para o cultivo. No Laboratório de Cultivo de Cefalópodes e Ecologia Marinha Experimental da UFPR (LaCCeph), estudos em andamento procuram compreender a biologia e ecologia das paralarvas, com enfoque na influência de fatores ambientais no desenvolvimento de ovos e paralarvas e nas interações entre as paralarvas e suas presas, visando fornecer subsídios para otimizar a larvicultura.

O Laboratório de Bentos e Cefalópodes (LABECE) da UFRN realiza o Projeto Cephalopoda, com pesquisas nas áreas da avaliação de biodiversidade, biologia molecular, biologia básica, ecologia e comportamento, tendo como objetivos principais a correta identificação das espécies e delimitação das populações de polvos existentes no Atlântico Oeste, além da ampliação do conhecimento sobre a vida desses animais em ambiente natural e em cativeiro.

Na UFSC, pesquisas em andamento no Laboratório de Nutrição de Espécies Aquícolas (LABNUTRI), focam em estudos sobre ocorrência e hábito alimentar de espécies nativas, na fisiologia digestiva e no desenvolvimento de tecnologias em nutrição. No Laboratório de Sanidade de Organismos Aquáticos (AQUOS), os estudos buscam conhecer a fauna parasitária e o estado de saúde de animais selvagens das duas principais espécies com potencial de cultivo. Os estudos em andamento têm o intuito de promover parcerias entre pesquisadores e universidades e expandir o conhecimento sobre nossas espécies e, assim, viabilizar o cultivo em um futuro próximo.

 

Autores: Katina Roumbedakis1; Érica A. G. Vidal2; Penélope Bastos Teixeira3 e Tatiana Silva Leite4

1Laboratório de Sanidade de Organismos Aquáticos (AQUOS), Departamento de Aquicultura, Universidade Federal de Santa Catarina.
katina.roumbedakis@gmail.com

2Laboratório de Cultivo de Cefalópodes e Ecologia Marinha Experimental (LaCCeph), Centro de Estudos do Mar, Universidade Federal do Paraná.
ericavidal2000@yahoo.com.br

3Laboratório de Nutrição de Espécies Aquícolas (LABNUTRI), Departamento de Aquicultura, Universidade Federal de Santa Catarina.
penelopebastos@gmail.com

4Laboratório de Bentos e Cefalópodes (LABECE), Departamento de Oceanografia e Limnologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
leite_ts@yahoo.com.br

 

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