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Piscicultura
01 de Janeiro de 2017 Aquaculture Brasil
A Truticultura da Região Serrana de Santa Catarina

Introdução

A truta arco-íris, Oncorhynchus mykiss, foi introduzida no Brasil na Serra da Bocaina (divisa entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro) nos anos 50. Posteriormente foi trazida para as encostas da Serra Catarinense na década de 1960, onde a espécie rapidamente se adaptou às águas frias da região.

Em Santa Catarina, atualmente existem 67 produtores de trutas, com volume total de 699,8 toneladas por ano (EPAGRI, 2016). Segundo o IBGE (2016) a produção nacional deste salmonídeo é de 1.590 toneladas, ou seja, SC contribui com 44% da produção nacional. Na Serra Catarinense são cerca de 30 produtores, a maioria em propriedades de agricultura familiar com uma produção anual de aproximadamente 400 toneladas. A produção de até 35 quilos de peixe por metro quadrado é realizada em tanques retangulares ou circulares de alvenaria com alta taxa de renovação de água.

As trutas atingem o peso de abate acima de 300 g com cerca de 10 meses de cultivo, proporcionando bons índices de rentabilidade.

Além disso, com um manejo adequado na propriedade, o impacto ambiental é mínimo, tornando a atividade bastante sustentável.

 

Reprodução

A reprodução das trutas ocorre em temperaturas abaixo de 12 ºC e em ambiente natural os peixes sobem o rio contra a correnteza. O processo reprodutivo se inicia através do cortejo dos machos com as fêmeas. Após o cortejamento a fêmea constrói seu ninho entre pedras onde deposita seus óvulos, e em seguida os mesmos são fertilizados pelo macho.

No cultivo, as trutas chegam à maturidade sexual no segundo ano, desde que as condições ambientais sejam propicias e a nutrição adequada. Entretanto, sem os estímulos ambientais necessários os animais não se reproduzem naturalmente, sendo necessário a intervenção artificial para a desova. Esta intervenção consiste no massageamento da cavidade abdominal dos peixes visando à extrusão dos óvulos e do sêmen. Após a coleta dos gametas, o processo de fertilização ocorre à seco, seguido por um período de incubação e alevinagem. Para cada quilo de fêmea se obtém aproximadamente 2000 óvulos.

Os ovos das trutas são proporcionalmente grandes comparados com outras espécies de peixes e o período de incubação é de 280 horas/grau ou 30 dias, e mais de 15 dias para a absorção completo do saco vitelínico, totalizando por volta de 45 dias desde a fase de ovo até o alevino (podendo variar fortemente em função da temperatura). Os alevinos aceitam ração farelada desde a primeira alimentação, e devem ser alimentados no mínimo seis vezes por dia.

 

Qualidade de água para o sucesso do cultivo

A qualidade de água, de fato, é um ponto chave no cultivo da truta, que é uma espécie bastante exigente nesse quesito. O melhor desenvolvimento ocorre com temperaturas entre 15 e 18˚C. Temperaturas acima de 22˚C inviabilizam a produção intensiva. A temperatura é limitante, pois somente a água fria consegue reter níveis adequados de oxigênio dissolvido para a produção. Na entrada de água o oxigênio preferencialmente deve estar acima de 8,0 mg/L e o limite crítico de oxigênio para o cultivo intensivo de trutas é de 5,0 mg/L, bem superior ao de outras espécies de peixes. Além disso, a truta não tolera água turva e os tanques devem ser revestidos.

 

 

Aspectos construtivos

No início da truticultura no estado catarinense se adotou a construção de tanques de alvenaria retangulares seguindo exemplos da Europa. No entanto, logo os produtores se deram conta da dificuldade com o manejo e limpeza. Mais tarde optou-se por construir tanques de forma circular em concreto armado com profundidade média de um metro. Apesar de apresentarem um custo mais elevado, quando comparado com tanques retangulares, a saída de água pelo centro permite um maior aproveitamento da área do tanque, além de facilitar o manejo e a limpeza.

A elevada vazão dos tanques é outro fator fundamental. A água dos tanques é renovada pelo menos uma vez por hora, e são necessários mais de 100 m3 de água para cada quilo de peixe produzido. A vazão é elevada em função dos altos níveis de oxigênio exigidos pela espécie, praticamente não havendo alteração nos níveis de nutrientes, como nitrogênio e fósforo. Neste sentido, com a incorporação mecânica de oxigênio, a água pode ser reutilizada em até cinco baterias de tanques. É importante destacar que embora o uso de água seja elevado, a mesma não fica retida na propriedade.

Se o sistema de tratamento de água for adequadamente dimensionado, praticamente toda a água é devolvida ao ambiente, em qualidade igual ou superior à da captação.

Em anos de seca a diminuição da vazão pode ser um problema, levando os produtores a procurarem alternativas, como utilizar bombas e compressores de ar para reutilizar parte da água que seria descartada dos tanques.

 

Custos de produção e rentabilidade

Os custos de produção da truticultura são relativamente altos, porém com uma viabilidade bem atrativa demandando um planejamento adequado por parte do produtor. Para construir uma truticultura de pequeno porte com capacidade de produção de 12 toneladas truta/ano, são necessários R$ 65.000,00 de investimento inicial, somente para as despesas com infraestrutura. Além disso, são necessários mais R$ 65.000,00 para as despesas operacionais como, alevinos, ração, energia elétrica entre outros insumos, totalizando R$ 130.000,00 (no primeiro ano de produção). Mas por outro lado a rentabilidade é interessante, pois os peixes são vendidos para frigoríficos na região por cerca de R$ 9,00 por quilo, valor superior a outras espécies de interesse comercial, como a carpa e a tilápia.

Para uma produção anual de 12 toneladas a renda líquida anual pode superar R$ 30.000,00 e o investimento se paga em aproximadamente quatro anos.

 

Os entraves da truticultura no Brasil

Os produtores conseguem obter bons resultados produtivos, mas para que a atividade continue a crescer, ainda faltam informações técnicas, principalmente relacionadas à nutrição, reprodução e sanidade. Existe a demanda por rações de qualidade (45% de proteína e até 30% de lipídeos) que possam nutrir adequadamente as trutas. Enquanto no Brasil a conversão alimentar média é de 1,7 quilos de ração para cada quilo de peixe produzido, no exterior, onde a tecnologia da indústria de rações é maior, já é obtida uma conversão de 1,0:1,0. Melhorar a conversão resulta em um melhor resultado econômico e em um menor impacto ambiental, melhorando a sustentabilidade da atividade. Se o produtor não adotar medidas simples como: controle da quantidade fornecida e diminuição do desperdício, a conversão facilmente pode ficar acima de 2,0, inviabilizando economicamente a atividade.

Em relação à reprodução a falta de pesquisas e a proibição na importação de material genético novo leva a perda da variabilidade genética dos reprodutores. Da mesma forma, a questão sanitária é um desafio e ainda não existem tratamentos efetivos para doenças comuns que acometem as trutas, como bacterioses e ictio, resultando em perdas significativas para os produtores.

 

Considerações finais

A truticultura na Serra Catarinense proporciona boa rentabilidade com reduzido impacto ambiental. Mas é importante salientar que os bons resultados dependem de planejamento adequado e dedicação.

É importante a escolha de um local apropriado devido às peculiaridades da espécie em relação à qualidade da água. A falta de financiamento também pode ser uma limitação. Além disso, é importante destacar que produções intensivas requerem altos investimentos, mão de obra de qualidade e gerenciamento técnico competente. Os investimentos em infraestrutura e insumos são altos, e falhas no manejo podem facilmente resultar em grandes perdas econômicas, comprometendo toda a produção.

Produzir um salmonídeo no Brasil parece ser algo bem interessante e ainda pouco explorado, tendo em vista que o País produz apenas 1,59 mil toneladas de trutas frente a mais de 200 mil toneladas de tilápias, por exemplo. Por outro lado, a importação brasileira de filés de salmões e trutas ultrapassa as 70 mil toneladas/ano, ou seja, existe uma forte demanda pelos consumidores brasileiros.

Uma limitação poderia ser a disponibilidade de áreas adequadas e regiões de altitude, aparentemente limitando a produção no Sul e Sudeste brasileiros, entretanto, como a produção é intensiva e ocupa um reduzido espaço, existe ainda muito potencial em terras brasileiras para se desenvolver a truticultura.

 

Autores: Felipe Anderson Pereira¹*; Thiago El Hadi Perez Fabregat¹**; Nelson Beretta²

¹Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal (CAV/UDESC)
Laboratório de Piscicultura (LAPIS)
Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV) – Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
²Médico Veterinário – Especialista em Truticultura

*eng.felipeanderson@gmail.com
**thiagofabregat@hotmail.com

 

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