Os crustáceos são cobertos por um rígido exoesqueleto, ou cutícula, que consiste num complexo quitina–proteína impregnada por cálcio, que age como uma barreira física ao meio ambiente, e para o animal crescer, é necessária a troca deste exoesqueleto. A ecdise, ou seja, a troca do exoesqueleto é feita periodicamente durante a vida da maioria dos artrópodes, incluindo os crustáceos. O período de uma ecdise à outra é conhecido como ciclo de muda.
O portunídeo, Callinectes sapidus, conhecido vulgarmente por siri-azul (Figura 1), é um crustáceo de grande importância comercial, ocorrendo desde a nova Escócia (EUA) até o Rio da Prata (Uruguai) e o norte da Argentina. Como todos os crustáceos, o siri-azul troca seu exoesqueleto pelo menos 18-20 vezes (fêmeas) e de 20-25 vezes (machos) ao longo de sua vida para crescer. O siri mole desprotegido, emerge, expande sua nova carapaça mole, e cresce dentro seu novo corpo. Este momento em que o siri emerge da sua antiga carapaça é conhecido como soft shelled crab ou soft shell crab ou, mais simplificado, soft crab (siri mole).
A facilidade relativa com que os siris podem trocar de exoesqueleto e o alto valor comercial do siri mole tem aumentado significativamente o interesse da produção mundial de soft crab. O método convencional da retirada de carne do siri apresenta um baixo rendimento: 10-15% de carne fresca. A partir do soft crab pode-se conseguir até 85-95% de aproveitamento da carne e por este motivo seu cultivo vem crescendo desde a década passada. A produção e comercialização de soft crab (por exemplo, empanado) estão se tornando significativas no comércio mundial de pescado.
Para a produção do soft crab deve-se tomar cuidado com o adequado suprimento de siris, todos no estágio de pré-muda, com o método de captura, sendo que um sem o outro poderá limitar a produção. Os siris são coletados em diferentes locais, separados por sexo (as fêmeas são descartadas) e transportados para os tanques de cultivo. Nesta etapa, os siris são separados manualmente, de acordo com o estágio de muda (Figura 2, 4) e colocados nos tanques até o momento da ecdise (muda).
São utilizadas, hoje em dia, três diferentes maneiras de cultivo: gaiolas flutuantes (pouco utilizada), sistema aberto com fluxo contínuo de água, e sistema de circulação fechada de água (Figura 3). O sistema mais utilizado é o de circulação fechada oferecendo vantagens sobre os demais com relação ao monitoramento dos fatores ambientais: a salinidade pode ser mantida a níveis constantes; a temperatura pode ser controlada nas diversas estações do ano; pode ser utilizada em qualquer local; etc.
Entretanto, o custo de construção e manutenção do sistema fechado de água pode ser grande. Além da necessidade do controle dos resíduos tóxicos liberados pelos siris. O sistema de circulação fechada deve manter a qualidade da água em níveis aceitáveis (Tabela 1) para que a operação de cultivo de soft crab seja feita com sucesso.
Os siris azuis na pré-muda podem ser identificados por inspeção visual. O método mais utilizado envolve uma mudança de coloração associada à formação de uma nova carapaça. Estas mudanças de coloração também indicam o tempo até a muda. Assim que a muda se aproxima, o novo exoesqueleto do siri começa a se formar e torna-se visível por baixo do exoesqueleto duro. Este novo exoesqueleto é mais visível, com uma linha (sinal) ao longo da extremidade dos últimos dois segmentos achatados do último pereiópode, em forma de remo largo (Figura 4).
Nos estágios que precedem a muda, a linha é branca, indicando que o siri mudará em duas semanas. Com o tempo de muda mais próximo, a linha indicadora mudará de cor gradualmente, sendo que a linha rósea indica que o siri mudará em uma semana; e a linha avermelhada, indica que o siri mudará em três dias.
O último estágio da pré-muda é reconhecido pela condição física do exoesqueleto duro e não por um sinal colorido. Uma ruptura desenvolve-se por baixo dos espinhos laterais e ao longo da extremidade posterior da carapaça. Neste ponto, o siri é denominado buster e inicia-se a muda propriamente dita, que pode ser completada em 2-3 horas, dependendo das condições do siri. Assim que a ecdise tenha iniciado, 15 a 30 minutos são necessários para sair de sua antiga carapaça. Neste ponto, o siri é extremamente mole e frágil (Figura 5).
Outros 30-60 minutos são requeridos para o soft crab expandir ao máximo, ou seja, o siri absorve água (incha) para aumentar de tamanho. Após atingir seu novo tamanho inicia-se o enrijecimento, sendo que sua nova carapaça se tornará rígida em 12 horas. O siri então começa a comer e adicionar peso dentro da nova carapaça. Entretanto, uma vez removido da água, o processo de enrijecimento cessa, devendo ser retirado em uma hora após a absorção de água e após a completa expansão. Caso contrário, o processo de enrijecimento continua, causando danos à qualidade do soft crab.
Os soft crabs são considerados como um item alimentar altamente valioso e, com isso, o desenvolvimento de tecnologias de cultivo, com sucesso, tem encorajado a expansão desta indústria. Muitos dos estados americanos localizados na costa do Atlântico Sul e Golfo do México expandiram o cultivo de soft crab devido ao retorno econômico, à grande demanda e o esforço promocional do mesmo.
A indústria do soft crab iniciou-se em Cristfield, Maryland (EUA) no ano de 1870, e atualmente é uma indústria multimilionária ao longo da costa leste dos EUA (da Baía de Chesapeake até Texas), fornecendo milhões de toneladas de soft crab e ainda milhões de dólares para os criadores a cada ano, sendo que Maryland, Virginia e Louisiana são os maiores produtores.
A produção comercial de soft crab no mercado nacional não existe, talvez pela falta de mão-de-obra especializada e/ou a falta de interesse por parte das indústrias processadoras de pescado. Alguns empreendimentos iniciaram já na década de 90, porém, experimentalmente. Em 1989, Michael J. Osterling visitou o sul do Brasil, para avaliar o potencial das regiões ao redor da Lagoa dos Patos e sistemas lagunares, para o estabelecimento de uma pesca direcionada ao siri-azul (C. sapidus). Este concluiu que deveria ser dada maior ênfase no desenvolvimento da indústria de carne de siri tradicional, por ser mais fácil e exigir pessoas sem experiência e, posteriormente a produção de soft crab, que requer mais experiência e treinamento na coleta, manuseio e durante a muda do siri. Algumas iniciativas de processar carne de siri foram feitas no início da década de 90, mas hoje o cenário é outro.
Os siris azuis são comercializados de cinco formas: fresco inteiro, cozidos inteiros, carne fresca picada, carne pasteurizada picada e na forma do soft crab. Os soft crab são removidos do tanque de cultivo, limpos individualmente (Figura. 6), sendo que o fronte (rostrum), as brânquias, os pedúnculos oculares, os fluidos estomacais e do intestino, e o abdômen, devem ser retirados antes de embalados e acondicionados em freezer. O soft crab destinado à exportação (vivos) deve ser apenas resfriado, embalado sob refrigeração (gelo), coberto com algas marinhas, e comercializado.
O processamento tradicional do siri azul envolve a retirada da carne manualmente, além de necessitar cuidados higiênico-sanitários, o rendimento é muito baixo (10-15%). A carne é vendida fresca ou congelada, e pasteurizada, para aumentar sua vida-de-prateleira. Com isso, a comercialização deste produto pode ser feita durante 6 a 12 meses. As pinças ou quelas dos siris devem ser picadas manualmente ou por máquinas, embaladas e vendidas frescas ou pasteurizadas.
O siri azul nunca é consumido fresco, cru (in natura), pois carrega muitas bactérias na cavidade visceral, podendo causar doenças ao homem, quando consumido sem um tratamento térmico (cozimento prévio). Deve haver cuidados especiais durante o processamento do siri: (a) condições sanitárias no setor de retirada da carne; (b) o processo de cozimento e pasteurização; (c) integridade da embalagem; (d) controle de tempo/temperatura. Indústrias comerciais de “carne de siri” contam com 10-15% de rendimento, sendo que os demais 85-90% (carapaça, víscera e carne não picada) são moídos e adicionados ao alimento (ração animal).
A carne de siri tem aproximadamente 80% de umidade, 16% de proteína e há poucos dados publicados dos constituintes nutricionais de soft crabs, mas sabe-se que o conteúdo de proteína destes (Tabela 2) é menor do que o hard crab, devido a pequena proporção de tecidos musculares. A perda de proteína é balanceada pelo aumento do conteúdo de água, a qual é ativamente absorvida para a expansão na nova muda. Há também mais cinzas resultante da alta proporção de tecido destinado a elaboração do novo exoesqueleto. Quanto ao conteúdo lipídico, não há diferença significativa.
O soft crab, da mesma maneira que muitos outros produtos marinhos são comercializados por dúzias, e não pelo peso, e ainda são distribuídos por tamanho. Nomes tradicionais são designados de acordo com os diferentes tamanhos: Mediums (8,9-10,2 cm); Hotels (10,2-11,4 cm); Primes (11,4-12,7 cm); Jumbos (12,7-14 cm); e Whales (>14 cm). Os mais comercializados são os mediums e hotels.
Enquanto que os soft crabs têm sido comercializados tradicionalmente pelo tamanho, há um grande interesse em comercializá-los pelo peso. Da mesma maneira temos: Mediums (34,02-53,87 g); Hotels (53,87-73-71 g); Primes (73,71-85-05 g); Jumbos (110,57-150,26 g); e Whales (superior a 150,26g).
Os soft crabs vivos estão associados ao seu grau de frescor, e com isso o produto vivo tem alto preço, o que tem levado ao aumento desse tipo de comercialização. Se mantido sob-refrigeração (4,4°C), possui uma vida-de-prateleira de aproximadamente 7 dias. Entretanto, como o pico de produção de soft crabs é determinado pela estação do ano (primavera-verão), a necessidade de preservar este produto tem levado à comercialização de outras formas, sendo o congelado (-17,7°C) o mais utilizado, pois mantém sua qualidade por 6-8 meses, sendo que a embalagem, a limpeza e o congelamento individual determinarão sua qualidade. A prática comum do varejo é estocar o soft crab pré-embalado congelado (-18°C) ou fresco (4,2°C).
Podem ser processados de diversas maneiras, tais como: empanado e frito, temperado e cozido, e na forma de bolinhos com os soft crabs danificados fisicamente (Figura 8), dentre outros.
O siri azul (Callinectes sapidus) é um crustáceo de grande importância comercial, porém em sua forma fresca (hard crab) apresenta baixo rendimento, pelo método convencional de aproveitamento da carne (apenas 15 a 30%), enquanto que com o soft crab pode-se conseguir até 85 a 95% de rendimento.
A captura do soft crab poderá representar uma importante fonte de recursos extras para o setor pesqueiro, desde que se respeite a época de captura da espécie.
O sistema de cultivo mais indicado é o de circulação fechada de água, oferecendo algumas vantagens com relação aos fatores ambientais: a salinidade pode ser mantida a níveis constantes; a temperatura pode ser controlada nas diversas estações do ano; pode ser utilizada em qualquer local; dentre outras.
Existe um mercado no exterior para este produto e a produção mundial está em plena expansão devido à facilidade de obtenção, à grande demanda e, principalmente ao retorno econômico.
A produção nacional de soft crab ainda que artesanalmente (não existe comercialmente), talvez pela falta de mão-de-obra especializada e/ou a falta de mercado consumidor e interesse por parte das indústrias processadoras de pescado, pode se tornar promissora, principalmente pelas vantagens oferecidas pelo cultivo, processamento e comercialização deste crustáceo.
Autor: Alex Augusto Gonçalves
Chefe do Laboratório de Tecnologia e Controle de Qualidade do Pescado (LAPESC), Departamento de Ciências Animais (DCAN)
Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA)
alaugo@gmail.com
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