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Genética
12 de Outubro de 2023 Aquaculture Brasil
INFLUÊNCIA DO MELHORAMENTO GENÉTICO NA RESISTÊNCIA DO COURO E NA PRODUÇÃO DE COLÁGENO

 

 

A tilápia do Nilo é uma das espécies mais cultivadas mundialmente e vem sendo explorada para obtenção de proteína de alta qualidade, sendo considerada uma fonte muito promissora para ajudar no combater a fome. Essa espécie tem como grande vantagem a sua precocidade e rusticidade, além de outros fatores, que vem proporcionando um rápido crescimento na atividade, principalmente em algumas regiões do Brasil. Os empreendimentos na Tilapicultura não ficaram restritos apenas à engorda dos peixes, mas, também muitas empresas envolvidas à produção de alevinos e a ração, que se instalaram nessas regiões de crescimento para fornecimento dos insumos necessários à cadeia produtiva. Além disso, o surgimento de empresas na linha de processamento para fechar a linha da cadeia produtiva da tilápia. Sabe-se que a cadeia produtiva tem elos bem definidos, como o setor de insumos, sistemas produtivos, agroindústria, comercialização e mercado consumidor (Shulter e Vieira Filho, 2017).

Atualmente, o Brasil vem se destacando na produção de tilápia, de acordo com Anuário Brasileiro da Piscicultura-PEIXE/BR (2023), a tilapicultura representa 63,9% da produção de peixes cultivados, totalizando 550 mil toneladas de tilápia produzidas. Dentre os estados produtores, o Paraná lidera como o maior produtor dessa espécie, com 187.800 toneladas.

O processo de melhoramento genético na tilapicultura envolve a seleção criteriosa dos melhores indivíduos com base em características produtivas. A seleção acontece utilizando informações de características observadas, como ganho de peso, taxa de crescimento e taxa de sobrevivência, e ou por meio de análises genéticas mais avançadas. A Universidade Estadual de Maringá conduz a mais de 15 anos o Programa de Melhoramento Genético da Tilápia do Nilo, que seleciona e distribui material genético avaliado em condições de cultivo brasileiro, com objetivo principal de incrementar a taxa de crescimento.

Em paralelo com o alto crescimento na produção de tilápia, o consumo de peixe também aumenta. No Brasil, predominantemente se consome tilápia na forma de filé, decorrente disso, o processo de filetagem da tilápia traz consigo uma problemática, que é a produção da elevada quantidade de resíduos gerados (Figura 1), assim exigindo um manejo adequado para minimizar os impactos ambientais, sendo fundamental uma utilização apropriada desses resíduos para agregar valor e sustentabilidade na cadeia de produção da tilápia.

Pesquisas demostram que em média 34,11% do peixe é aproveitado (filé), e 65,89% são considerados resíduos (pele, escamas, carcaças, cabeça, nadadeiras e vísceras) (Dos Nascimentos Santos et al., 2022), Desta forma, as indústrias devem adotar práticas de aproveitamento responsável, seguindo as regulamentações ambientais locais e buscando alternativas sustentáveis e soluções inovadoras para o tratamento e aproveitamento dos resíduos. Diante disso, como alternativa para o aproveitamento das peles o que se tem feito é a utilização para fazer torresmo, curtimento de peles e mais recentemente como curativo para queimaduras e a extração de colágeno para aplicações diversas.

Contudo, ainda são escassas informações sobre o impacto da seleção para características produtivas, como a velocidade de crescimento por exemplo, sobre a qualidade de colágeno ou na resistência de couros.

Deste modo, conduziu-se um experimento com animais oriundos do Programa de melhoramento genético de tilápias do Nilo na Universidade Estadual de Maringá (TILAMAX/UEM) e tilápias não melhoradas, com o objetivo de avaliar a qualidade no processo de transformação da pele em couro e a qualidade do colágeno extraído.

Transformação da pele em couro tilápia

A transformação da pele de tilápia em couro é um processo de grande valorização e aproveitamento de um subproduto da indústria aquícola. Isso se dá através do processo de curtimento da pele de tilápia como principal matéria-prima para a produção de couro. É uma alternativa sustentável de aproveitamento dos resíduos gerados pela indústria de beneficiamento do pescado, pois elas podem ser processadas e transformadas em um material de alto valor agregado. O valor econômico do couro de tilápia está relacionado as suas características únicas, que o tornam um excelente produto devido à sua alta resistência, flexibilidade e textura exótica. O desenho formado pelas suas lamélulas de inserção e proteção das escamas (Figura 1), apresentando um mosaico inigualável aos demais tipos de couro, o tornando atrativo para a produção de diversos artigos. Artigos estes desde a confecção de vestuários, calçados, bolsas, carteiras, cintos, bijuterias diversas e até mesmo para estofamentos, decoração de ambientes e artefatos em geral (Figura 2). Dessa forma, o couro de tilápia está se destacando como um couro de grande aceitação no mercado nacional e principalmente internacional.

Todo esse processo de transformação da pele de tilápia em couro, proporciona elevado valor econômico com grandes oportunidades de negócios e geração de renda para a indústria e comunidades locais. Estudos demostram que a criação de tilápias pode ser considerada uma atividade da aquicultura que possui menores impactos ambientais se comparados a outras culturas, contribuindo também para a redução do desmatamento e uso de recursos naturais. Neste contexto, a transformação da pele de tilápia em couro pode contribuir para o desenvolvimento econômico de regiões com atividade aquícola, gerando empregos e oportunidades de trabalho.

Extração do colágeno

A extração de colágeno a partir da pele de tilápia vem despertando um interesse crescente na indústria farmacêutica, cosmética e alimentícia, devido às propriedades funcionais e potencial para a diversas aplicações. O colágeno de tilápia apresenta diversas vantagens em relação a outras fontes e espécies, como exemplo ao colágeno extraído de bovinos e/ou suínos, que hoje em dia são os mais utilizados pelas indústrias.

O colágeno de peixe possuí diversas características que o torna atraente para a indústria, pode ser considerado menos propenso a causar reações alérgicas, possui uma estrutura molecular semelhante ao colágeno humano, características essas que tornam o colágeno extraído da pele da tilápia uma excelente alternativa de sustentabilidade para a cadeira de produtiva da tilápia.

A tilápia do Nilo por ser uma espécie peixe cultivada em águas tropicais e subtropicais, no qual a maior parte da produção é destinada a filetagem, proporciona maior quantidade e melhor qualidade de peles para extração de colágeno que peixes de captura (marinhos ou de água doce).

O processo de extração de colágeno de tilápia envolve etapas específicas que devem ser realizadas adequadamente, para assim obter uma proteína de alta qualidade e pureza, com propriedades de formação de gel, estabilização de emulsões e retenção de água. Na indústria alimentícia, pode ser incorporado em produtos funcionais, e na indústria cosmética, pode ser utilizado em cremes, loções e produtos antienvelhecimento, devido à sua capacidade de melhorar a elasticidade e firmeza da pele. Já na indústria farmacêutica pode ser utilizado para a produção de biofilme para auxiliar no processo de cicatrização e ferimentos. Com tudo, a extração de colágeno de tilápia representa uma oportunidade promissora para a indústria, oferecendo uma fonte sustentável de colágeno com diversas aplicações e benefícios.

 

 

Desenvolvimento

Neste trabalho foram utilizadas informações coletadas de dois grupos de animais, tilápia melhoradas e não melhoradas geneticamente. As peles destas tilápias foram utilizadas para a extração de colágeno e análise de resistência. Os animais melhorados apresentam alto valor genético para a característica de ganho de peso e foram cedidos pelo Programa de Melhoramento Genético de Tilápias do Nilo da Universidade Estadual de Maringá. Já os animais não melhorados eram provenientes de uma empresa privada, localizada na cidade de Garça no estado de São Paulo. Ambos os grupos foram cultivados em tanques-rede, com manejo sanitários e nutricionais semelhantes.

No momento do abate, foram retirados quinze animais por grupo amostral para realização da análise histológica e desses mesmos animais também foram removidas as peles, identificadas e congeladas individualmente e conduzidas para o Laboratório de processamento de peles na Fazenda Experimental de Iguatemi (FEI) da Universidade Estadual de Maringá, para o curtimento e extração do colágeno. Para melhor confiabilidade nos resultados para a análise de extração de colágeno e curtimento, mais peles foram utilizadas por grupo (melhorados e não melhorados).

O processo de curtimento das peles utilizado foi segundo a metodologia descrita por Souza (2004), com algumas modificações através das seguintes etapas: remolho, descarne, caleiro (3% de soda barrilha leve e 3% de cal hidratada), desencalagem, purga, desengraxe, piquel (2% ácido fórmico para atingir pH 4,0), curtimento (12% de tanino vegetal da marca Weibull® 1 % de corante), basificação (1% de bicarbonato de sódio diluído e adicionado em 3 vezes de 15 em 15 minutos), neutralização (1,5% bicarbonato de sódio), recurtimento e tingimento (4% de tanino vegetal-weibull®), engraxe (8% óleos, superderma MK ®), fixação (2% ácido fórmico), secagem e amaciamento.

Após o curtimento das peles foram retirados os corpos de prova (n=20) no sentido longitudinal ao comprimento do corpo do peixe, com auxílio de um balancim e facas de corte específicas para determinação da tração e alongamento (ABNT –NBR ISO 3376, 2014) (figura 3) e rasgamento progressivo (ABNT – NBR ISO 3377-2, 2014). Para a realização dos testes físico-mecânicos foi utilizado o dinamômetro da marca EMIC, com velocidade de 100±10 mm/min.

Os couros de tilápia melhoradas apresentaram menor espessura (0,59 mm) comparada as não melhoradas geneticamente (0,92 mm) (Tabela 1). Essa diferença pode estar relacionada a diversos fatores, como por exemplo, qualidade inicial da pele, a idade ao abate, a forma de retirada da pele do filé, regulagem de equipamento de retirada da pele e o processo de curtimento. Sendo esse último em função da utilização de produtos químicos, tratamentos enzimáticos ou processos mecânicos. Esses fatores relacionados com o curtimento, tem como objetivo transformar a pele em couro, tornando-o mais flexível e resistente. O que se esperava das peles de tilápia melhoradas geneticamente é que quando transformados em couros estes apresentassem maior resistência, e quanto a extração do colágeno, uma maior quantidade e qualidade em comparação aos das peles das tilápias que não foram submetidas ao melhoramento.

Ao avaliar a qualidade de resistência dos couros de tilápias que foram submetidas ao melhoramento e não melhoradas geneticamente, observou-se diferença entre as duas origens, onde os couros das tilápias melhoradas, apesar de apresentarem a menor espessura, apresentaram maior resistência a tração e maiores valores de deformação, força na ruptura (Tabela 1) e força máxima no rasgo (Figura 4). Essa ocorrência deve-se ao fato da distribuição e orientação das fibras colágenas, bem como a quantidade e forma de distribuição das fibras colágenas tipo I e III. Dessa forma, os resultados demonstraram que a espessura da pele não está diretamente relacionada com a resistência, mas a forma como as fibras estão dispostas e orientadas na pele e a relação das fibras tipo I e tipo III (Figura 5). As fibras colágenas são dispostas em camadas sobrepostas e intercaladas de espaço em espaço no sentido transversal a espessura (Figura 5).

Para o processo de extração de colágeno foi utilizada a metodologia descrita por Oliveira (2021), optando-se por utilizar a extração ácida. O material foi lavado com água destilada e retirado o resto de escamas presentes nas peles, posteriormente seguiu-se para as etapas do processo de extração (Figura 6).

Após a extração de colágeno, foi determinado o rendimento de colágeno, composição química, valor calórico, a quantificação colorimétrica da hidroxiprolina e caracterização da cor instrumental do colágeno.

As peles das tilápias melhoradas geneticamente produziram maior quantidade de colágeno, cujo rendimento foi de 17,72 %, comparado as não melhoradas 10,27%. Os colágenos também apresentaram diferenças entre os nutrientes, sendo os teores de proteína significativamente superior para as peles de tilápias melhoradas (95,29%) em relação as não melhoradas (87,93%).

Um fato importante a ressaltar é que a umidade está relacionada com a qualidade do produto, e pode ser considerada um dos fatores mais importante quanto relacionados a microbiologia, conservação e vida de prateleira. A concentração de umidade do colágeno pode variar de 7 até 15%, enquanto, os teores de proteína do colágeno, apresentam altos valores na sua composição, variando de 68,69 a 92,56% de acordo com a literatura científica.

O teor de proteína está relacionado principalmente com o material in natura, estado de conservação da matéria prima, forma de extração (método enzimático ou ácido, tipo de ácido, tempo de pré- -tratamento, tempo e temperatura de cozimento) e consequentemente com o rendimento do colágeno (Songchotikunpan et al., 2008).

A matéria mineral foi realizada para determinar a matéria inorgânica presente nos colágenos. O teor de minerais obtido nos colágenos das peles de tilápias melhoradas geneticamente foi inferior (1,32%) comparada as não melhoradas (3,06%). Normalmente os teores de mineiras obtidos no colágeno de peles de tilápia são extremamente baixo conforme literatura científica, pois no processo de extração, durante a filtragem a maior proporção de matéria inorgânica deve ficar retida.

 

 

Considerações finais

O melhoramento genético para ganho de peso influenciou na resistência do couro e na produção de colágeno. Os couros das tilápias melhoradas, apesar de apresentarem a menor espessura, apresentaram maior resistência a tração e maiores valores de deformação, força na ruptura e rasgamento progressivo. Essa ocorrência deve-se ao fato da distribuição e orientação das fibras colágenas, bem como a quantidade e forma de distribuição das fibras colágenas tipo I e III. Com a extração de colágeno extraído de peles de tilápia melhoradas geneticamente, o rendimento de extração, o teor de hidroxiprolina e a proteína bruta foi superior as das peles das não melhoradas. Além de dessas peles melhoradas proporcionarem maior grau de pureza, devido à menor quantidade de minerais na sua composição.

Gislaine Gonçalves Oliveira*1 , Elisângela De Cesaro1 , Simone Siemer1 , Melina Coradini1 , Eliane Gasparino1 , Fernanda Losi Alves de Almeida2 , Carlos Antonio Lopes de Oliveira1 e Maria Luiza Rodrigues de Souza1

¹Programa de Pós-Graduação em Zootecnia Universidade Estadual de Maringá - UEM Maringá, PR

²Departamento de Ciências Morfológicas Universidade Estadual de Maringá - UEM Maringá, PR

gislaine_oliveira14@hotmail.com

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