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13 de Outubro de 2022 Aquaculture Brasil
QUAL O VALOR DE UMA PELE DE TILÁPIA?

 

 

 

A aplicação das peles de tilápia como curativo biológico vêm sendo estudada pela área médica, devido à elevada agregação de colágeno subcutâneo e maior durabilidade que os curativos habitualmente utilizados, entre outras vantagens. Durante o período em que o ferimento fica protegido e hidratado pelas peles de peixe, ocorre transferência de material celular, promovendo rápida reconstituição da camada dérmica afetada por queimaduras, sem necessidade de troca diária, como ocorre com curativo tradicional. Esse processo descontínuo evita contaminação favorecendo a rápida reconstituição (Figura 1).

Figura 1. Aplicação de pele de tilápia em queimados na Universidade Federal do Ceará. © Viktor Braga | UFC

 

A utilização de peles de tilápia em queimaduras faz parte de uma pesquisa que surgiu em 2011 no Ceará, com iniciativa dos cirurgiões Marcelo Borges e Edemar Maciel, os quais viabilizaram e realizaram este estudo junto ao Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), na Universidade Federal do Ceará (UFC).

Estudos detalhados comprovaram a qualidade e resistência das peles de tilápia, pois possuem boa umidade e grande quantidade de colágeno “Tipo I”, propriedades que permitem maior aderência à ferida, rápida cicatrização e ausência de contaminação por manipulação excessiva de curativos tanto em humanos quanto em animais, conforme artigo publicado em http://rbqueimaduras.org.br ¹.

Em se tratando da produção de tilápias no Brasil, os dados de 2021 apresentaram um crescimento de 4,7% na produção de pescado nacional, e a tilápia representa 63,5% do total dessa produção, somando 534.005 toneladas de tilápia produzida em um ano no Brasil, de acordo com anuário 2022 da Associação PeixeBr.

Considerando o crescimento da produção de pescado, a importância socioeconômica da cadeia produtiva e a problemática ambiental associada à geração de resíduos, entende-se que o correto aproveitamento deste material biológico como coproduto se torna indispensável para a sustentabilidade da cadeia aquícola. O que nos leva a desenvolver pesquisas técnico científicas de viabilidade e aproveitamento das peles, principalmente devido ao baixo custo de obtenção, para serem utilizadas como curativo biológico em queimados, tanto humanos quanto animais.

 

Objetivo: Desta forma, conduziu-se um experimento com animais oriundos do Programa de melhoramento genético de tilápias Tilamax da Universidade Estadual de Maringá (PMGT/UEM), com o objetivo de quantificar peso, área, espessura e rendimento de peles de machos e fêmeas de tilápias do Nilo (Oreochromis niloticus).

 

DESENVOLVIMENTO

Os animais utilizados para análise de espessura das peles (EP), compreenderam uma amostra contendo informações de todas as 53 famílias da 12a geração de tilápias do PMGT/UEM (Programa de Melhoramento Genético de Tilápias do Nilo da Universidade Estadual de Maringá), totalizando 874 animais. As famílias são originárias de acasalamentos preferenciais considerando como critério de seleção o peso corporal.

Os peixes foram cultivados em tanques rede na Unidade demonstrativa de produção de tilápias em tanques rede da UEM em Diamante do Norte – PR, no Rio do Corvo. O arraçoamento foi realizado à vontade, sendo fornecido 3 vezes ao dia, com ração comercial contendo 32% de proteína até o momento da realização do abate. No abate, foram obtidas as medidas individuais de peso corporal do animal e espessura das peles em dois pontos (sem escamas) distante aproximadamente 2 cm do dorso (Figura 2), permitindo observar desempenho animal e dentro de famílias.

Figura 2. Mensuração da espessura das peles no abate. © Elisângela De Cesaro

 

A partir da média dos dados, observou-se inicialmente que os machos apresentaram peles mais espessas que as fêmeas, além de serem mais pesados. As médias para espessura de pele e peso corporal foram, respectivamente, 0,377 mm e 1.139,8 g machos e 0,342 mm de EP e 781,4 g para fêmeas (Tabela 1).

Porém, para melhor investigação foi realizada uma análise estatística considerando-se as categorias de peso. Dessa forma, os resultados indicaram que não ocorreu dimorfismo sexual relacionado à espessura de pele, visto que nas mesmas categorias de peso, as médias de espessura de pele para machos e fêmeas não foram diferentes estatisticamente, apontando que a diferença na espessura não está relacionada com o sexo animal, mas com o seu peso (Tabela 2). Em que, animais mais pesados apresentaram pele mais espessa e devido ao dimorfismo sexual para tamanho corporal em tilápias, machos são mais pesados que fêmeas (Tabela 1), portanto apresentaram pele mais espessa. Contudo, os dados apresentados na tabela 2, indicaram que não existem diferenças quanto à espessura da pele de animais de sexos diferentes e sim nas classes de pesos diferentes.

Tabela 1. Tabela descritiva dos dados para espessura de pele e peso ao abate.

 

Tabela 2. Tabela descritiva dos dados para espessura de pele e peso ao abate.

 

Trabalha-se com a possibilidade de utilizar como critério de seleção o valor genético animal para espessura de pele, por isso a importância em identificar e quantificar a associação de características para pele e velocidade de crescimento em programas de melhoramento genético de tilápias.

 

 

 

 

Verificamos em nosso trabalho uma correlação de 0.57 entre peso do peixe e espessura de pele (Figura 3). O valor vai de acordo com Todesco (2022) e colaboradores, que encontraram correlação genética de 0.77 entre as características de peso do peixe e espessura de pele, e estimativas de herdabilidade 0.59 para espessura de pele e 0,71 para peso. Indicando que o comportamento do peso do peixe e a espessura de pele são sinérgicos e a seleção para velocidade de crescimento (peso) atua promovendo aumento na espessura de pele em tilápias do Nilo.

Figura 3. Análise de correlação entre peso e espessura de pele.

 

A indústria frigorífica utiliza os subprodutos geralmente na produção de ração animal ou adubos orgânicos. Ao focarmos nos subprodutos do pescado, em especial a pele, se hipoteticamente observarmos uma indústria de processamento de tilápia, que abate em torno de 20 mil tilápias por dia, com peso médio de 900 g, chegaremos aos resultados diários com produção de 5.400 kg de carne (30% de filé) e uma média de aproximadamente 12.600 kg de resíduos, entre carcaças (espinhaço com carne remanescente e nadadeiras), vísceras e cabeça, somando 66% e mais 4% de peles.

Considerando o que encontramos em nosso trabalho, que a pele de cada animal pesa em média 36,40 g (sendo duas unidades/peixe), essa indústria hipotética produzirá em torno de 504 Kg por dia de pele fresca. Se relacionarmos essa quantidade de peles à área de cobertura que seria possível atingir em queimaduras, obteríamos uma média de 308,26 cm² por animal abatido. Ainda, verificamos o rendimento de 33,32 g/cm³ de pele por animal (Tabela 3), o que nos permite relacionar valores biológicos e financeiros ao simular a aplicação das peles como curativo biológico.

Tabela 3. Medidas de espessura, peso, área e cálculo de rendimento das peles por categorias de peso.

 

Pensando em quanto custaria uma pele de tilápia, e calculando a partir do valor de comercialização das peles enquanto coproduto, se utilizarmos o valor de R$ 2,00 por Kg de pele vendida, sabemos que uma pele de tilápia tem em média 36,40 g, assim teríamos com as peles de aproximadamente 28 tilápias abatidas, em torno de 1 Kg de curativo biológico com rendimento médio para aplicação de 33,32 g/cm³ pelo custo de pouco mais de R$ 2,00 (sem contarmos com a higienização e armazenamento das peles). 

Se a indústria em questão processasse ou terceirizasse mensalmente 10.000 Kg de peles de tilápia para aproveitamento medicinal, obteria uma receita de R$ 20.000,00 apenas oriundo da venda das peles, com preço de venda de resíduos. Porém, se as peles fossem vendidas com a finalidade de curativo biológico o valor agregado para comercialização seria muito superior a esta estimativa.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Respondendo à pergunta inicial, podemos elencar as principais justificativas relacionadas ao valor das peles de tilápia como curativo biológico. Em vista do melhoramento genético, a alta produtividade e precocidade das tilápias não interfere na espessura das peles, sendo que há uma correlação positiva de 0,57 entre espessura e peso, independente do sexo dos animais. Além disso, o valor das peles de tilápia para aplicação e tratamento em queimados, ampliando a eficiência e durabilidade como curativo biológico à custo mínimo, em torno de R$ 2,00 a cada 33,32 g/cm³ aplicados. No entanto, ainda é necessária a conscientização da indústria pesqueira, com relação ao gerenciamento e destino sustentável das peles de tilápia geradas no processo de filetagem.

 

Autores:

Elisângela De Cesaro*, Carlos Antonio Lopes de Oliveira, Gislaine Gonçalves Oliveira, Maria Luiza Rodrigues de Souza e Ricardo Pereira Ribeiro

Programa de Pós-Graduação em Zootecnia

Universidade Estadual de Maringá - UEM

Maringá, PR

*eli.cesaro@hotmail.com

 

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