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15 de Junho de 2022 Aquaculture Brasil
Variantes virais: uma ameaça à carcinicultura

Os vírus são seres com alta taxa de mutação, refletindo no seu potencial de originar novas variantes com diferentes níveis de patogenicidade e virulência (Peck; Lauring, 2018). Por vez, tais variantes podem ser melhor adaptadas às condições impostas pelo meio e pelas barreiras de proteção de seus hospedeiros (Gutierrez; Escalera-Zamubio; Pybus, 2019).

A incrível capacidade de adaptação dos vírus é responsável pela rápida propagação das viroses dentro de uma região produtora, bem como sua disseminação para novas localidades, como ocorreu com a Mionecrose Infecciosa. O Vírus da Mionecrose Infecciosa (IMNV) foi registrado pela primeira vez no Brasil, em 2002 (Nunes; Martins; Gesteira, 2004) e, em sequência, identificado em surtos de mortalidade em países como Indonésia (Naim et al., 2015), Egito (Aly et al., 2021) e Índia (Jithendran et al., 2021), ilustrando bem a capacidade e velocidade de adaptação dos vírus a diferentes ambientes.

 

 

 

 

As variantes virais são originadas por mutações sofridas pelo material genético (DNA ou RNA) dos vírus originais (Dolan; Whitfield; Andino, 2018). A alta capacidade de adaptação dos vírus depende da sua habilidade de acumular mutações rapidamente gerando diversidade genética. Essa capacidade de gerar diversidade genética é determinada pela alta taxa de replicação aliada a um grande número de processos ligados tanto ao vírus quanto ao hospedeiro, como fidelidade da polimerase, microambiente celular, capacidade de reparo pós-replicação, entre outros (Sanjuán; Domingo-Calap, 2016).

Existem ainda fatores particulares do ambiente de cultivo que são capazes de induzir maiores taxas de mutação nos vírus. Pode-se citar os fatores físicos, como altas temperaturas, intensidade e tempo de exposição à radiação UV; fatores químicos, como flutuações de salinidade e de pH, o contato com resíduos de medicamentos humanos e/ou veterinários, poluição, agrotóxicos e pesticidas; e os fatores biológicos, que seriam a interação dos vírus com outros vírus ou com novas espécies hospedeiras e os elementos do sistema imune desses indivíduos (Culley, 2018; Shi; Zhang; Holmes, 2018) (Figura 1).

No contexto da carcinicultura, cada órgão, tecido e célula dos camarões atua como um microambiente de pressão seletiva. Ou seja, quanto maior a carga viral e a densidade de estocagem dos animais, maiores serão as chances de surgir uma nova estirpe viral que seja melhor adaptada às condições encontradas no ambiente daquele cultivo (Dolan; Whitfield; Andino, 2018). A melhor adaptação dos vírus não necessariamente reflete em uma maior virulência, mas abre espaço para que no futuro haja uma maior probabilidade de emergir cepas mais virulentas (Gutierrez; Escalera- -Zamubio; Pybus, 2019).

A presença de diferentes estirpes virais nos ambientes de carcinicultura já é uma realidade e é evidenciada por diferentes quadros clínicos manifestados em animais acometidos por um mesmo patógeno (Mai et al., 2019). As variantes dificultam um diagnóstico preciso, gerando informações de menor acurácia para a tomada de decisões de manejo, tanto para remediação como para prevenção. Um dos maiores e atuais desafios da carcinicultura é o equilíbrio produtivo perante a iminente ameaça das viroses. Em virtude do tema, procurou-se levantar, nesse artigo, informações sobre as implicações técnicas das variantes virais sobre os cultivos de camarão, principalmente em relação ao monitoramento sanitário das fazendas.

 

Diagnóstico

A Organização Mundial para Saúde Animal (OIE) recomenda, para a maioria das viroses, o diagnóstico feito por PCR em Tempo Real (qPCR), por ser um teste de alta especificidade, reprodutibilidade e rapidez (OIE, 2021). Entretanto, a especificidade desse tipo de teste está estritamente relacionada com a sequência genética dos vírus investigados e pode ser prejudicada, ou até mesmo inviabilizada, por mutações desconhecidas nesse arranjo genético (Boyle; Dallaire; Mackay, 2009).

Nesse teste, a identificação dos vírus é feita pelo reconhecimento e amplificação de fragmentos específicos do seu material genético. Se esse dado fragmento sofre uma modificação, a reação pode gerar dados inesperados, inespecíficos e/ou sobrepostos (Figuras 2A e 2B).

Em um contexto de monitoramento epidemiológico, isso significa que variantes virais não detectáveis podem causar a subnotificação de uma enfermidade; e em um contexto local, diagnósticos de rotina feitos por produtores e larviculturas podem atestar como falsos negativos, podendo ter um grave reflexo produtivo e econômico a curto prazo.

 

Manifestações clínicas

A manifestação das enfermidades pode variar naturalmente a depender de fatores bióticos e abióticos inerentes ao cultivo, como a qualidade da água, estado nutricional, fase de desenvolvimento e a própria genética dos animais. Todavia, com o surgimento de variantes virais, uma mesma virose pode se comportar de diferentes formas por conta de características genotípicas e fenotípicas de cada uma dessas variantes (Cowley et al., 2019; Mai et al., 2019).

 

 

 

 

Ao contrário do senso comum, a maioria das mutações são neutras ou deletérias, ou seja, não conferem qualquer vantagem aos vírus, podendo inclusive torná-los inviáveis. Todavia, uma minoria delas reflete em modificações benéficas, gerando variantes virais com características mais vantajosas naquele ambiente e, consequentemente, com maior probabilidade de originar cepas potencialmente prejudiciais aos cultivos, seja pelo maior índice de transmissibilidade, patogenicidade ou de virulência (Gutierrez; Escalera-Zamubio; Pybus, 2019; Belshaw; Sanjuán; Pybus, 2011).

As variantes virais podem produzir diferenças não só na estrutura bioquímica e física dos vírus, mas também na progressão da doença e na manifestação de seus sinais clínicos (Kaján et al., 2020; Manrubia; Lázaro, 2006). Nesse sentido, avaliações clássicas, como a análise presuntiva e a histopatologia também são prejudicadas, uma vez que a mesma doença pode apresentar diferentes quadros clínicos.

Doenças já estabelecidas no ambiente de carcinicultura, como a Síndrome da Mancha Branca (WSS), a Mionecrose Infecciosa (IMN, também conhecida como NIM) e Infecção Hipodermal e Necrose Hematopoiética (IHHN, conhecida popularmente como Nanismo), causam alterações anatômicas e histológicas características. Entretanto, pelas particularidades de cada variante viral, a especificidade dessas alterações pode ser perdida, dificultando o diagnóstico e o manejo adequado dos animais enfermos.

 

Considerações finais

As variantes virais representam um alto potencial de risco para a cadeia da carcinicultura. As tomadas de decisão em um ambiente de cultivo dependem de informações técnicas de qualidade e a dificuldade de detecção das variantes virais impossibilita um diagnóstico preciso, podendo causar danos econômicos e produtivos a curto, médio e longo prazo. Para detectar e conter tais variantes, é necessário um monitoramento epidemiológico eficaz, além de investimento em pesquisas para o constante aprimoramento das metodologias de diagnóstico, reafirmando a importância do elo entre os setores acadêmico e produtivo.

 

Autores: Jhonatas Teixeira Viana¹,², Juliana Oliveira de Freitas¹,², Rafael dos Santos Rocha¹* e Rodrigo Maggioni¹

¹ Centro de Diagnóstico de Enfermidades de Organismos Aquáticos (CEDECAM)

Instituto de Ciências do Mar (Labomar)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

Fortaleza, CE

*rafaelsanro@ufc.br

 

² Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Pesca (PPGEP)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

Fortaleza, CE

 

 

 

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