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15 de Junho de 2022 Aquaculture Brasil
Maricultura da macroalga Kappaphycus alvarezii como suporte ao desenvolvimento sócio econômico no litoral do estado do Rio de Janeiro

No Brasil, particularmente no Estado do Rio de Janeiro, carece de atividades produtivas que venham na contramão da história a demonstrar que é possível realizar um negócio rentável, sustentável e em harmonia com o meio ambiente onde todos os atores envolvidos se beneficiem, rompendo a barreira ideológica que coloca o ganho financeiro como contraditório ao bem-estar social, econômico e ambiental.

Dentro deste conceito, a maricultura de Algas Marinhas surge como alternativa atraente e de implementação factível para o desenvolvimento sustentável, que pode contribuir para melhorar de forma significativa as condições sociais em que se encontram as comunidades pesqueiras e ribeirinhas do estado, englobando, sobretudo, os jovens e as mulheres.

A macroalga Kappaphycus alvarezii é uma espécie de macroalga marinha robusta e seu cultivo já está introduzido em mais de 20 países. O interesse nessa alga se dá principalmente por ser a matéria-prima para a produção de ficocolóides conhecidas como carragenanas.

Esse artigo é uma continuidade da parte I, publicado na edição n° 24 desta revista, onde foi abordado o histórico da introdução da macroalga Kappaphycus alvarezii no Estado do Rio de Janeiro e todas as principais características para a instalação de um cultivo desta macroalga.

 

1.Doencas, Pragas e herbivoria

A doença mais conhecida nas algas Kappaphycus são chamadas de “Ice-Ice”, descrita pela primeira vez por Gavino & Trono (1974). O nome em inglês, foi primeiramente descrito nos cultivos de Kappaphycus na Malásia e se trata de um branqueamento de partes do talo principalmente das pontas das algas, perdendo o pigmento, ficando transparentes com um amolecimento e finalmente a quebra dos ramos. Se observa que isso aparece em conexão com condições ambientais desfavoráveis, como água parada, baixa salinidade, baixa temperatura e bactérias patogênicas oportunistas. Descobriu-se que as algas doentes contêm 10- 100 vezes mais bactérias do que as saudáveis, efeito combinado do estresse e de agentes bióticos, o principal fator para esta doença. Os níveis de pragas nas algas K. alvarezii variam estacionalmente durante o ano e estão condicionados a qualidade e idade das mudas, variação de temperatura, salinidade, luminosidade e qualidade da água do mar. As pragas mais comuns encontradas nos cultivos de Kappaphycus são pequenos bivalves, ascídias, esponjas, cianobactérias e cirrípedes. As algas servem como substrato para estes organismos. Em geral, as algas cultivadas na Baia da Ilha Grande – RJ, crescem livres de pragas e doenças, mas sofrem com a forte pressão da herbivoria por peixes e principalmente pelas tartarugas marinhas que podem destruir em algumas semanas os cultivos recém plantados.

 

2.Sub-produtos obtidos da macroalga Kappaphycus e comercializados no Brasil

O potencial do uso de algas marinhas é bem conhecido mundialmente devido à grande variedade de usos e aplicações industriais que vão desde a alimentação direta em humanos, animais, cosméticos, medicamentos, usos agrícolas e até Biocombustível como o Etanol de 3ª geração. No caso específico da macroalga K. alvarezii, estas são fonte de matéria-prima para a produção do ficocolóide ou goma marinha conhecida como “carragena” ou “carragenana”, utilizadas como estabilizantes e espessantes na indústria alimentícia e representam um mercado mundial de milhões de dólares americanos anualmente. O mercado de produtos derivados das Algas Marinhas é uma atividade em franca expansão no Brasil, uma vez que o consumo de diversos produtos do dia a dia da população contém em sua composição muitos derivados das macroalgas.

 

2.1 Carragena

A carragena ou carragenana é um colóide utilizado como estabilizante e aglutinante na indústria de alimentos (produtos cárneos, bebidas, chocolates, rações para animais de estimação etc.), cosméticos, xampus, pasta de dente, e extraído principalmente da alga K. alvarezii. Este produto é bastante comercializado na Ásia (Japão, Filipinas, Coréia do Sul, China etc.), Europa (França, Espanha, Alemanha, Dinamarca e Reino Unido), Estados Unidos, México e vários países da América do Sul, sendo que o Brasil importa milhões em dólares anuais deste colóide para suprir o mercado interno.

O mercado mundial de carragena é crescente e estimado em US$ 500 milhões sendo que as empresas processadoras fazem parte de grandes multinacionais e têm contratos de vendas muito fortes operando com 80-85% de sua capacidade devido à falta de matéria-prima (algas). A participação dos países produtores no mercado de carragena tem a seguinte estrutura: Filipinas 77,18%; Indonésia 16,77%; Tanzânia 5,37% e Outros 0,68%.

Na China existem cerca de 150 fábricas de processamento que demandam cerca de 50.000 toneladas de K. alvarezii por ano, sendo as Filipinas seu principal fornecedor (Philp & Campbell 2006). No Brasil apenas duas empresas processam carragena, a AlgasBras e AgarGel, ambas operam em sua maioria com matéria prima importada. O custo de uma Fábrica ou Planta de processamento de carragena pode chegar a 8 milhões de dólares americanos, sendo que para justificar a sua viabilidade econômica são necessárias a produção mensal de pelo menos 100 toneladas secas de Kappaphycus (1 milhão de toneladas frescas ou vivas). O valor do quilo pode variar de 8 até 15 USD, dependendo de sua qualidade, e de uma tonelada seca podem ser extraídos ao redor de 350 quilos de carragena semi refinada.

 

2.2 Biofertilizante líquido ou Bioestimulante agrícola

A aplicação de extratos líquidos de algas marinhas como Bioestimulantes orgânicos se tornou uma prática comum na agricultura devido às suas excelentes propriedades, atribuídas à presença de fitohormônios, principalmente auxinas, citocininas e giberelinas, além de outros nutrientes e microelementos que regulam o crescimento, aumentam o rendimento das safras agrícolas, atrasam a deterioração dos frutos, melhoram o vigor da planta, bem como a capacidade de resistir a condições ambientais adversas.

A Índia é pioneira na produção deste produto a partir de algas Kappaphycus através da empresa AQUAGRI Pvt ltd. No Rio de Janeiro existem 2 empresas que estão há alguns anos produzindo o líquido em escala comercial sendo comercializados no mercado agrícola brasileiro. O processo de obtenção do líquido das algas é relativamente simples, sendo o líquido extraído diretamente das algas in natura (frescas), não exigindo alta tecnologia e grande investimento. O rendimento/kg de algas frescas pode chegar a 75% (de 1 Kg de algas frescas se extrai 750 ml de líquido biofertilizante). A massa (algas) restante neste processo pode ser vendida para a extração de carragena, alimentação humana, animal, cosméticos, produtos farmacêuticos etc. O que significa 100 % de aproveitamento da matéria prima. O valor médio de venda do líquido bioestimulante agrícola no mercado está entre USD 5,0-15,0/litro. Para se ter uma ideia deste mercado, a demanda por biofertilizante de algas marinhas na Europa está estimada em mais 30 milhões de dólares. Já no Brasil, apesar de ser reconhecido mundialmente como um país voltado para a agricultura, importa-se praticamente 65% do fertilizante que assegura a produção agrícola nacional, incluindo ainda as atividades de jardinagem. O gasto do país com a importação desses itens foi de 839 milhões de dólares em 2011, com forte tendência de aumento em curto e médio prazo.

 

2.3 Algas secas

No mercado mundial as algas Kappaphycus são em sua maior parte comercializadas secas de acordo com os seguintes parâmetros: Umidade:35%; Impureza: 1%; Cor: variando de vermelha, roxa e bege. Durante a secagem não podem ter contato com chuvas pois deterioram a qualidade do produto. Em geral, em baixo sol irradiante, levam em média 3 dias para secar nos níveis aceitáveis. A proporção de algas vivas x secas são de 10 quilos frescas = 1 quilo seco. Podem ser armazenadas em sacos de ráfia em ambiente seco, durante 2 anos. O valor de mercado da tonelada de algas secas Kappaphycus no mercado mundial varia muito dependendo do País, ficando entre USD 1,00 – 2,00 /quilo FOB.

 

2.4 Algas frescas

Algas marinhas são um alimento tradicional, consumido há milênios por populações costeiras, principalmente na Ásia Oriental, em países como Japão, China e Coréia. De acordo com a sua composição química, em geral, as macroalgas marinhas são alimentos hipocalóricos, ricos em proteína, carboidrato (polissacarídeos diferentes do amido – ficocolóides), fibras e apesar de possuírem baixo teor de lipídeos, as concentrações de ácidos graxos poliinsaturados são relativamente altas. No caso especifico da Macroalga Kappaphycus a sua composição química é composta de Carboidrato (53g), Proteína (16,2g), Cálcio (5,3g), Ferro (1,14 mg), Sulfato (20,2 mg), Magnésio (160 mg), Fósforo (869 mg), Sódio (22,4 mg), Potássio (14,4 mg) e Gordura (1,01g). O consumo diário de macroalgas marinhas além de aumentar a ingestão de fibra dietética pode reduzir a ocorrência de algumas doenças crônicas como diabetes, obesidade, doenças cardíacas, cânceres etc. No Brasil, o valor de mercado de algas frescas pode variar de R$ 3,0 – 5,0 o quilo.

 

3. Aspectos ambientais no cultivo de macroalgas Kappaphycus

O cultivo de algas é uma atividade totalmente amigável do meio ambiente, uma vez que não requer a aplicação de pesticidas ou fertilizantes e com um impacto mínimo nos ecossistemas marinhos. O cultivo de Kappaphycus aumenta consideravelmente a biodiversidade marinha local já que serve de substrato e refúgio para uma grande quantidade de peixes, moluscos e invertebrados, sobretudo nos estágios larvais e juvenis.

Além disso, o cultivo de macroalgas apresenta uma excelente alternativa para a neutralização de carbono, abrindo a possibilidade para que, futuramente, possam ser gerados créditos de carbono equivalentes, já que as algas possuem uma capacidade de sequestrar 1,4 toneladas de gás carbônico para cada tonelada de alga desidratada.

 

4. Estratégias de intervenção para o fomento da maricultura de macroalgas no estado do RJ

Atualmente na faixa liberada pelo IBAMA entre a Baia da Ilha Grande e Paraty existem ao redor de 7 produtores de algas Kappaphycus, todos legalizados junto ao Órgão Ambiental local (INEA), com uma produção anual estimada em pelo menos 4.000 toneladas vivas sendo comercializada para extração de Biofertilizantes líquidos, carragena, cosméticos e algas secas para o mercado interno. É importante mencionar a existência de uma Fábrica de processamento de algas no estado do Rio de Janeiro, a ALGASBRAS (www.carragenabrasil.com.br), operando no município de Itaguaí desde 2010, comprando e fomentando a produção de Kappaphycus para os produtores da Baía da Ilha Grande.

Entretanto, para se fomentar um programa de Maricultura de algas marinhas no estado do Rio de Janeiro e que seja bem sucedido, é necessário contar com os seguintes aspectos:

  • Apoio governamental, incluindo a concessão de autorizações e licenças necessárias ao desenvolvimento da atividade;
  • Existência de um mercado nacional ou internacional seguro e confiável (Plantas Processadoras ou Beneficiadoras que comprem toda a produção mensal com preços atrativos);
  • Disponibilidade dos recursos econômicos necessários (investimentos) para o funcionamento do programa até que os volumes comerciais sejam atingidos;
  • Desenho, gestão e execução competente do projeto com pessoal técnico e profissional para o trabalho de campo;
  • Identificação adequada das barreiras que impedem o ingresso dos produtores na comercialização e o desenvolvimento de estratégias para superá-las;
  • Seleção de locais adequados para o estabelecimento das fazendas de algas, de forma a garantir o sucesso do programa na comunidade-alvo e justificar o investimento de tempo, esforço e recursos financeiros;
  • Identificação clara e precisa das principais limitações que os membros das comunidades-alvo têm para entrar no projeto (capital de investimento nas fazendas, treinamento e assistência técnica, organização empresarial, serviços básicos etc.);
  • Disponibilidade de mudas de algas, adaptadas às condições ecológicas e ambientais locais, bem como aos sistemas de cultivo a serem utilizados;
  • Assistência técnica e sócio econômicas permanente, desde a instalação das fazendas de algas até à fase comercial, incluindo o posterior apoio que garanta a produção sustentada da matéria-prima e gere rendimentos suficientes para satisfazer as exigências e necessidades socioeconômicas dos produtores;
  • Garantir a comercialização aos produtores com preços justos e competitivos através de contratos de venda de longo prazo;
  • Criação de um ambiente de trabalho saudável e agradável em condições de segurança e higiene, que permitam a motivação permanente dos agricultores e suas famílias; Incorporação de mulheres e jovens de ambos os sexos é fundamental, pelo que devem ser proporcionados instrumentos para a sua integração, uma vez que se encontram geralmente à margem das atividades produtivas na maioria das comunidades costeiras do país.

No Estado do Rio de Janeiro o cultivo da macroalga Kappaphycus, acompanhado de uma gestão adequada através de cooperativas e empresas privadas, com um bom planejamento e estudo comercial, pode alavancar o desenvolvimento local no litoral do estado, oferecendo uma alternativa viável de geração de trabalho e renda com foco na sustentabilidade econômica, ambiental e social, fixando as comunidades tradicionais em seus locais de origem. A natureza particular da maricultura estimula diferenças de renda em relação a outras atividades produtivas. Os maricultores estão expostos a elevados níveis de risco e incerteza tanto a nível da segurança individual como dos rendimentos, o que legitima a inclinação para o comportamento associativo e / ou cooperativo, uma vez que este sistema partilhado protege os respectivos produtores contra dias sem colheita, entre outros benefícios.

Existe uma inclinação das comunidades litorâneas de muitas regiões do estado para a atividade da pesca e maricultura, sendo seus conhecimentos tradicionais considerados para a inclusão específica da maricultura de macroalgas, pois se reconhece o entendimento que eles têm sobre alguns fatores fundamentais no conceito de safras, marés, ventos, correntes, clima e produtividade.

 

5.Conclusão

A estrutura organizacional da pós-colheita no cultivo das macroalgas Kappaphycus além de privada, pode ser em nível associativo ou cooperativo, utilizando um elemento intrínseco de sua vocação produtiva além de obter melhores habilidades de negociação e gestão. O grande obstáculo seria unir as populações sob uma visão de apoio mútuo possibilitando, através das mesmas organizações locais de cada Fazenda de Algas, exercer uma atividade comercial ou mesmo através do município. Qualquer que seja a opção, dependerá muito do grau de interesse das lideranças locais pelo trabalho conjunto, pela economia solidária, conscientização e apropriação dos benefícios que podem ser obtidos.

Em um cenário em que a cooperativa ou associação não seja constituída, a empresa privada assumiria o treinamento e a capacitação técnica para o cultivo de algas, a compra, o processamento e o acondicionamento.

Entretanto, o principal paradigma e desafio será transformar o cidadão em “Agricultor Marinho” através de um programa sólido de treinamento, capacitação, assistência técnica e conscientização nas pequenas comunidades litorâneas do Rio de Janeiro, demonstrando que o cultivo de algas Kappaphycus é uma atividade produtiva e comercial, proporcionando uma renda fixa para o produtor durante o ano inteiro.

 

Autor: 

Miguel Sepulveda

Biólogo Marinho CEO

Seaweed Consulting

Ilha Grande, RJ

www.seaweedconsulting.com

seaweedconsulting@gmail.com

 

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