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01 de Agosto de 2016 Aquaculture Brasil
Regulamentação da Aquicultura Brasileira – Nadando em águas turvas e turbulentas

Se, de um lado, o Brasil possui todas as condições naturais para assumir posição de ponta no mercado mundial, de outro, não são menores os desafios a serem superados pela aquicultura brasileira.

Não bastassem as dificuldades inerentes à construção e organização da incipiente cadeia aquícola, como os desafios zootécnicos e tecnológicos, o pouco e desordenado investimento em pesquisa, a concorrência das cadeias de proteína animal já consolidadas, as preferências do mercado consumidor e a concorrência da pesca extrativista (ilegal, por vezes) e do pescado importado; os empreendedores do setor enfrentam um inimigo cruel: o Estado!

Da gestão de recursos hídricos à jabuticaba tributária, questões jurídicas e burocráticas contaminam a cadeia produtiva com inseguranças e entraves, comprometendo o desenvolvimento do setor.

Os objetivos do Plano de Desenvolvimento da Aquicultura Brasileira 2015/2020 (PDA) proposto pelo Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) em 2015 têm como barreira inicial a ser superada o que consideramos o maior desafio atual da aquicultura nacional: a concessão e a regularização de áreas de cultivo, e não só as de controle ou responsabilidade da União, mas também aquelas submetidas às legislações e órgãos reguladores estaduais, como a CETESB, no Estado de São Paulo.

 

 

Ao lado das metas traçadas pelo MPA, hoje de volta às asas do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), temos as diretrizes da Agência Nacional de Águas (ANA), responsável pela gestão dos recursos hídricos da União, e do Ministério do Meio Ambiente (MMA), não necessariamente alinhadas. Os fundamentos técnicos que embasam as políticas de cada um desses órgãos partem de pressupostos e pesquisas diferentes e não conversam entre si, muitas vezes desconsiderando que a aquicultura pode ser um fortíssimo aliado na preservação dos recursos hídricos.
O fato de a cadeia produtiva ainda não estar organizada e consolidada compromete ainda mais a obtenção de uma regulamentação alinhada que crie oportunidades ao invés de entraves.

Por exemplo, em 2010, na mesma ocasião em que convertia em lei uma medida provisória que concedia imunidade tributária à FIFA (por conta da realização no Brasil da Copa das Confederações e da Copa do Mundo), o governo aprovou a suspensão da incidência dos tributos PIS e COFINS na cadeia produtiva de aves e suínos, vetando o mesmo benefício à cadeia produtiva de peixe (Lei 12.350). Sendo a nutrição animal fator extremamente relevante para a piscicultura, chegando a representar mais de 70% do custo de produção, a suspensão da incidência dessas contribuições (PIS e COFINS) poderia representar uma redução imediata no preço da ração. Não fosse suficiente, em 2013, com a promulgação da Lei 12.839, reduziram-se a zero as alíquotas das mesmas contribuições incidentes sobre a importação de peixes, prejudicando ainda mais a concorrência enfrentada pela aquicultura nacional no mercado interno.

Enquanto o Brasil assume internacionalmente obrigações perante a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) como signatário de acordo internacional para Prevenir, Deter e Eliminar a Pesca Ilegal, Não Relatada e Irregular**, os órgãos federais competentes não possuem mais que uma dúzia de embarcações para fiscalização dos nossos mais de oito mil quilômetros de extensão costeira… Sem contar outras questões essenciais como a das espécies exóticas, a segurança alimentar e a rastreabilidade, a infraestrutura logística, o processamento e a cadeia do frio, política de financiamentos e incentivos.

Reflexos de uma política oportunista e não coordenada, as situações acima descritas revelam a completa desconexão entre o discurso e a ação governamental e legislativa de apoio ao setor e reforçam a necessidade do fortalecimento dos elos da cadeia produtiva a fim de possibilitar a construção de uma política integrada e coordenada, que efetivamente atenda às demandas do setor. Mais que ajudar, o Estado deve parar de atrapalhar.

Um marco legal da aquicultura pode ajudar? Com certeza, desde que focado em três pontos essenciais:

1 – A atribuição clara de competências;
2 – A desburocratização;
3 – Embasamento técnico-científico das diretrizes adotadas, medidas implementadas e decisões proferidas.

Temos em andamento no Congresso Nacional mais de uma dezena de propostas e projetos de lei (PL) e de emenda à Constituição (PEC) não necessariamente alinhados entre si ou com as necessidades do setor; inúmeros conflitos de atribuições e competências entre órgãos e entes federativos; falta de capacitação técnica dos recursos humanos associada à ausência de definições claras de direitos e deveres.

Estes pontos aumentam os riscos regulatórios e institucionais, gerando no setor produtivo aquícola uma insegurança jurídica bem maior que nas demais cadeias. E prejudicam efetivamente a obtenção de financiamento bancário e a captação de investimentos diretos.

O ambiente institucional do Brasil está longe de proporcionar eficiência e segurança à cadeia produtiva, gerando aos atores o ônus e o custo adicional de enfrentamento do mau funcionamento do Estado.

Regras claras e objetivas proporcionarão ao setor maior segurança e confiabilidade, restringindo os riscos àqueles inerentes à atividade aquícola. E a proposta de um novo arranjo caberá ao próprio setor produtivo.

As normas e diretrizes hoje colocadas, ineficientes e às vezes contraditórias, são elaboradas e apresentadas à revelia dos atores diretamente envolvidos na atividade. As instituições responsáveis excluem a participação direta da cadeia produtiva, o que acentua o distanciamento da realidade.

Algumas aberturas têm sido observadas nos últimos dois anos, como no caso da Câmara Setorial do Pescado, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, mas ainda são iniciativas esparsas e não caracterizam a participação efetiva do setor produtivo no desenvolvimento das políticas propostas.

Um novo arranjo institucional não poderá ser eficiente se não contar com a contribuição dos elos da cadeia, principais impactados. A partir das necessidades destes atores será possível o direcionamento de pesquisas, diretrizes e normas, em equilíbrio com a responsabilidade socioambiental e a aptidão nacional para o agronegócio.

Medidas governamentais como a anteriormente apontada que incentiva a importação de pescados, promulgada em virtude da necessidade de atendimento à demanda gerada por eventos mundiais dos quais o Brasil foi e será palco e da incapacidade de abastecimento pelo mercado interno no curto prazo, precisam ser revistas e rebatidas através de políticas que permitam ao menos a autossuficiência produtiva no médio prazo e direcionem o foco à exportação, dadas as propícias condições naturais que beneficiam a produção nacional e aos investimentos privados que vêm sendo realizados no setor.

Processos e procedimentos para obtenção de concessões e licenças de áreas de cultivo que levam de dois a sete anos, em decorrência clara da ineficiência do Estado, devem ser imediatamente revistos e alterados.

A rápida evolução do setor, a necessidade de suprir a demanda do mercado interno e as possibilidades que se abrem no mercado externo não admitem a manutenção do cenário institucional atual, sob pena de comprometer o desempenho da cadeia produtiva aquícola, sufocando as oportunidades do que promete ser a nova fronteira do agronegócio brasileiro.

Autores:  Anelise Cerizze Marcondes¹* e Artur Nishioka Rombenso²

¹Sócia Consultora, Cerizze Agronegócio.

²Laboratório de Nutrição, Instituto de Oceanografia, Universidade Autônoma de Baja California, Ensenada, México.
*anelise@cerizze.com.br

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