Artigos
Cultivo de Peixes
16 de Dezembro de 2021 Aquaculture Brasil
Informações práticas sobre os anestésicos mais comuns na aquicultura

O perfil dos consumidores tem se alterado ao longo dos últimos 10 anos e com isso os empresários precisam se adaptar para permanecerem no mercado (Fernandes e Vieira, 2021). Segundo Siqueira (2019), a maior parte da população brasileira, assim como a mundial, é formada por consumidores das Gerações Y e Z, que além de outras características, são os que mais estão preocupados com a sustentabilidade ao comprarem um produto. Além disso, atualmente, existe uma preocupação crescente por parte dos pesquisadores, e da população como um todo, com relação ao bem-estar animal (Gonçalves e Giaquinto, 2020).

Além da importância de preservar o bem-estar animal para suprir as exigências do mercado consumidor, é importante salvaguardar a saúde dos peixes diante de eventos adversos (Pounder et al., 2018), pois eventos estressantes nos peixes ativam o eixo hipotálamo-hipófise-interrenal que induzem a liberação de corticosteroides, entre eles o cortisol, (principal hormônio utilizado para avaliação de estresse agudo em peixes) que desencadeiam uma série de respostas fisiológicas e adaptativas (Sadoul e Geffroy, 2019). Uma dessas respostas é a mobilização de reservas energéticas por meio da glicólise e gliconeogênese (Sadoul e Vijayan, 2016). Ou seja, o peixe deixa de utilizar energia para crescer e a direciona para enfrentar o evento estressante, no caso de um cultivo comercial, diminuindo o desempenho dos animais.

 

 

 

 

Na aquicultura, os peixes podem ser submetidos à vários manejos que vão desde pesagem, vacinação, transporte, e até procedimentos mais invasivos e dolorosos como cirurgias (Priborsky e Velisek, 2018). Esses manejos, muitas vezes são de rotina e essenciais (Ribeiro et al., 2018). Entretanto, causam estresse aos animais (Medeiros Júnior et al., 2019). Nesses momentos, a utilização de anestésicos pode ser necessária (Priborsky e Velisek, 2018) para reduzir o estresse (Medeiros Júnior et al., 2019). A técnica mais utilizada para induzir anestesia em peixes é através do banho de imersão (diluir o anestésico na água). Este é inalado através das brânquias, se difunde na corrente sanguínea, chegando ao sistema nervoso central (Ross e Ross, 2008; Martins et al., 2018)

Neste contexto, o uso da anestesia em peixes tem se tornado cada vez mais essencial (Gonçalves e Giaquinto, 2020). Entretanto, é fundamental ter conhecimento do produto utilizado e seus efeitos fisiológicos e comportamentais, uma vez que a exposição à alguns fármacos podem também causar estresse e efeitos adversos (Pounder et al., 2018). É importante ressaltar que fatores relacionados ao ambiente (temperatura, pH, salinidade e oxigênio dissolvido na água) e ao animal (espécie, peso e fase reprodutiva) também devem ser levados em consideração, pois interferem no tempo de indução e recuperação dos animais (Priborsky e Velisek, 2018). Diante do presente cenário, torna-se importante/necessário conhecer os principais anestésicos utilizados, juntamente com informações práticas para uso na piscicultura comercial e/ou aquarismo.

 

Principais anestésicos utilizados em peixes

Pesquisas com diferentes anestésicos testando suas concentrações, efeitos fisiológicos e utilização em diversas situações de manejos, constituem um tema muito atual e recorrente (Honorato et al., 2021; Rucinque et al., 2021; Teixeira et al., 2021; Wang et al., 2021; Zahran et al., 2021). Entre eles, destacamos quatro anestésicos utilizados na aquicultura: 2-Fenóxietanol (Pounder et al., 2018; da Silva et al., 2019; Rucinque et al., 2021; da Silva et al., in press), Benzocaína (Pounder et al., 2018; Ribeiro et al., 2018; Romaneli et al., 2018; Medeiros Júnior et al., 2019; Ferreira et al., 2020; Gonçalves e Giaquinto, 2020), Eugenol (Pounder et al., 2018; Ribeiro et al., 2018; Romaneli et al., 2018; Corso et al., 2019; Yousefi et al., 2019; Honorato et al., 2021; Wang et al., 2021; Zahran et al., 2021) e Metanossulfonato de tricaína (Pounder et al., 2018; Ouyang et al., 2020; Yu et al., 2020; Honorato et al., 2021; Teixeira et al., 2021).

 

1. Fenoxietanol

Este anestésico, mais conhecido pela abreviação do inglês, 2-Phe (2-Phenoxyethanol), é um líquido moderadamente oleoso, aromático e incolor (Barata et al., 2016). Além da anestesia, o 2-Phe exerce efeito analgésico (Grasshoff et al., 2006). Também possui propriedades bactericidas e fungicidas que fazem do 2-Phe muito útil para cirurgias (Ross e Ross, 2008).

Recentemente, o 2-Phe teve sua utilização avaliada em Oreochromis niloticus (Rucinque et al., 2021), Oncorhynchus mykiss (Pounder et al., 2018), Rhamdia quelen (da Silva et al., in press) e Astyanax bimaculatus (da Silva et al., 2019). Sendo que nos três primeiros trabalhos, o cortisol foi mensurado.

Concentrações de 200600 µL/L de 2-Phe são suficientes para anestesiar Astyanax bimaculatus pesando 4,41 ± 0,85 g em 15545 segundos, respectivamente (da Silva et al., 2019). Para Oreochromis niloticus de 224,05 ± 67,56 g é necessária uma concentração de 1000 µL/L do anestésico para indução em 150 segundos (Rucinque et al., 2021). Em Oncorhynchus mykiss (47,61 ± 2,79 g), a concentração utilizada foi maior (6000 µL/L), porém com menor tempo de indução, 76 segundos (Pounder et al., 2018). O Rhamdia quelen (126,47 ± 41,14 g) necessitou de uma concentração de apenas 700 µL/L para ser anestesiado em 180 segundos (da Silva et al., in press).

No experimento com Oreochromis niloticus, o nível de cortisol do grupo anestesiado com 2-Phe foi igual ao grupo dos animais expostos ao etanol (Rucinque et al., 2021). Enquanto no Oncorhynchus mykiss (Pounder et al., 2018) e Rhamdia quelen (da Silva et al., in press) anestesiados com 2-Phe mantiveram os níveis cortisol igual ao nível basal.

A exposição ao anestésico em altas concentrações e/ou por muito tempo pode eutanasiar os animais. A mesma concentração utilizada para anestesiar Oreochromis niloticus (6000 µL/L) em 76 segundos foi responsável pela eutanásia dos animais quando expostos durante 235 segundos (Rucinque et al., 2021).

Informações de Segurança ao Manipulador: O fenoxietanol é nocivo se ingerido, inalado ou em contato com a pele e irritante severo para olhos e pele (Ross e Ross, 2008). Em caso de contato, lavar imediatamente com água em abundância (Ross e Ross, 2008).

 

2. Benzocaína

A benzocaína é um composto branco, inodoro e insípido (Purbosari et al., 2019). É quase totalmente insolúvel em água, portanto, para facilitar sua solubilização, deve ser primeiro dissolvido em acetona ou etanol (Ross e Ross, 2008). Teve, recentemente, seu uso avaliado em Aulonocara nyassae (Ferreira et al., 2020), Oncorhynchus mykiss (Pounder et al., 2018), Oreochromis niloticus (Gonçalves e Giaquinto, 2020), Prochilodus lineatus (Medeiros Júnior et al., 2019), Lophiosilurus alexandri (Ribeiro et al., 2018) e Pterophyllum scalare (Romaneli et al., 2018).

Ferreira et al. (2020) avaliaram a benzocaína em diferentes tamanhos de Aulonocara nyassae, concluíram que para exemplares de 0 ,74 ± 0 ,31 g, uma rápida indução anestésica (42 segundos) era obtida com a concentração de 108 mg/L, enquanto que exemplares maiores (3 ,80 ± 0 ,92 g) submetidos à 113 mg/L levavam de 48 a 76 segundos para a anestesia.

Em Oncorhynchus mykiss (47 ,61 ± 2 ,79 g), a concentração de 150 mg/L foi capaz de induzir os animais à anestesia em 87 segundos (Pounder et al., 2018). Já com 80 mg/L de benzocaína é possível anestesiar Oreochromis niloticus (22 ,85 ± 2 ,57 g) em 266 segundos (Gonçalves e Giaquinto, 2020). Para Prochilodus lineatus (4 ,70 ± 1 ,60 g), 50 mg/L causam anestesia profunda em 151 segundos e em 296 segundos é recomendado para intervenções cirúrgicas (Medeiros Júnior et al., 2019). Para anestesia de Lophiosilurus alexandri (214 ,87 ± 75 ,83 g), pode-se utilizar 60120 mg/L de benzocaína (175107 segundos, respectivamente) (Ribeiro et al., 2018). Para Pterophyllum scalare (16 ,45 ± 1 ,75 g), 89 ,25 mg/L de benzocaína são necessários para induzir os animais à anestesia em 103 segundos (Romaneli et al., 2018). Em Oncorhynchus mykiss a benzocaína evitou o estresse e manteve o cortisol nos níveis basais, além disso, pode ser utilizada para causar a eutanásia se a exposição à 150 mg/L continuar por 177 segundos (Pounder et al., 2018). E a anestesia com benzocaína em Lophiosilurus alexandri não causa alterações hemato-bioquímicas prejudiciais à fisiologia dos animais (Ribeiro et al., 2018).

Informações de Segurança ao Manipulador: A benzocaína é perigosa se ingerida e irritante para os olhos, pele e sistema respiratório (Ross e Ross, 2008).

 

 

 

 

3. Eugenol

Existe uma preocupação que o uso de anestésicos sintéticos cause danos aos animais, pessoas e até mesmo ao ambiente e isso tem feito do óleo de cravo e o eugenol, os anestésicos derivados de plantas mais utilizados na aquicultura (Aydin e Barbas, 2020). O eugenol é um composto natural extraído do cravo-da-índia e comumente comercializado (Honorato et al., 2021). Acredita-se que o eugenol bloqueia a transmissão de informações sensoriais ao hipotálamo (Corso et al., 2019).

O eugenol causou uma rápida indução anestésica em Pterophyllum scalare (16,45 ± 1,75 g) em 79 segundos (Romaneli et al., 2018) e em Geophagus brasiliensis (4,30 ± 1,22 g) em 60 segundos (Honorato et al., 2021) com 90,6 e 217 mg/L, respectivamente. Entretanto, em concentrações mais baixas, 30 mg/L, o eugenol levou 345 segundos para anestesiar Oreochromis niloticus (35,00 ± 2,30 g) (Zahran et al., 2021). A relação inversa entre concentração e tempo de indução do eugenol ficou claro no Ictalurus punctatus (135,30 ± 6,20 g), anestesiado com concentrações que variaram de 30 a 100 mg/L, cujos tempos de indução foram respectivamente 1086 e 96 segundos (Wang et al., 2021).

Concentrações medianas (80 - 160 mg/L) induziram a anestesia de Lophiosilurus alexandri (171,59 ± 37,87 g) em tempos que variam entre 130 e 79 segundos, respectivamente (Ribeiro et al., 2018). Em Prochilodus nigricans (221,34 ± 9,00 g), 50 mg/L causa indução anestésica em 163 segundos (Viegas et al., 2020). Para Oncorhynchus mykiss (47,61 ± 2,79 g), 200 mg/L de eugenol é capaz de induzir a anestesia em 86 segundos (Pounder et al., 2018).

O eugenol foi capaz de reduzir o cortisol em Cyprinus carpio (110,00 ± 5,65 g) submetida à 5 min em banho anestésico com 43 mg/L (Yousefi et al., 2019) e em Ictalurus punctatus submetido à 5 h de transporte (Wang et al., 2021). Além disso, evitou o aumento do cortisol em Oncorhynchus mykiss (Pounder et al., 2018). Em Rhamdia quelen (500,00 ± 10,00 g) submetido à 30, 40 e 50 mg/L, não foi observada diferença no cortisol quando comparado ao grupo controle (Corso et al., 2019). Enquanto que em Oreochromis niloticus, o cortisol do grupo anestesiado foi maior que o grupo controle (Zahran et al., 2021).

As concentrações de 30, 40 e 50 mg/L utilizadas em reprodutores machos de Rhamdia quelen não altera a qualidade seminal em sêmen fresco (Corso et al., 2019). Em espécimes de Lophiosilurus alexandri, o eugenol não causou alterações hemato-bioquímicas prejudiciais à fisiologia dos animais (Ribeiro et al., 2018). E em Prochilodus nigricans manteve a glicose em níveis basais além de garantir a boa saúde das brânquias (Viegas et al., 2020). Entretanto, induz a eutanásia de Oncorhynchus mykiss quando expostos por 168 segundos em 200 mg/L de eugenol.

Informações de Segurança ao Manipulador: Substâncias muito semelhantes ao eugenol são nocivas se ingeridas, inaladas ou absorvidas pela pele, além de irritante para os olhos, pele e sistema respiratório (Ross e Ross, 2008). Ross e Ross (2008), acreditam que deve-se minimizar o contato direto com essas substâncias.

 

4. Metanossulfonato de tricaína

Mais conhecido como MS-222, apresenta-se como um pó cristalino branco (Purbosari et al., 2019). É bastante solúvel em água (Ross e Ross, 2008). Após o preparo da solução-mãe pode ser mantido, quando bem conservado, por até três meses, mas eventualmente, pode desenvolver coloração e perder a potência do produto (Ross e Ross, 2008). É um dos anestésicos mais utilizados no mundo com notáveis tempos de indução e recuperação (Priborsky e Velisek, 2018).

Oncorhynchus mykiss (47,61 ± 2,79 g), quando submetida à 200 mg/L de MS-222, levam, aproximadamente, 91 segundos para a anestesia, porém, se continuarem expostos por 277 segundos, serão eutanasiados (Pounder et al., 2018). Em Geophagus brasiliensis (4,30 ± 1,22 g), a anestesia em 60 segundos se dá com a concentração de 394 mg/L (Honorato et al., 2021). Para Symphysodon aequifasciatus (34,27 ± 4,46 g), concentrações que variam entre 95 - 105 mg/L podem induzir a anestesia em 152 – 132 segundos, respectivamente (Ouyang et al., 2020). A indução anestésica de Pampus argenteus (11,20 ± 1,50 g) se dá em 168 segundos com 75 mg/L (Yu et al., 2020). E Rhamdia quelen (363,00 ± 71,20), com concentrações entre 100 - 300 mg/L causam a anestesia, respectivamente em 283 - 30 segundos (Teixeira et al., 2021).

Informações de Segurança ao Manipulador: O MS-222 é nocivo se ingerido, inalado ou absorvido pela pele e irritante para olhos, pele e sistema respiratório (Ross e Ross, 2008).

O MS-222 evitou o aumento das concentrações de cortisol em Oncorhynchus mykiss (Pounder et al., 2018) e Symphysodon aequifasciatus (Ouyang et al., 2020), mantendo os valores semelhantes aos níveis basais. Em Pampus argenteus, não evitou o aumento dos níveis de cortisol quando comparado aos níveis basais, entretanto evitou o incremento deste quando comparado à indivíduos submetidos à estresse (Yu et al., 2020). Em Rhamdia quelen manteve o cortisol semelhante ao grupo controle, mas este grupo havia sido estressado para os procedimentos (Teixeira et al., 2021).

 

Considerações finais

O tipo de manejo, tempo de exposição/indução e concentração são fatores determinantes para a escolha do anestésico, assim como as alterações hematológicas, bioquímicas e histológicas. Faz-se necessário uso de anestésicos, principalmente para manejos mais invasivos, não apenas para cumprir as normas de bem-estar, mas também evitar acidentes e perdas econômicas desnecessárias.

Não existe um produto perfeito com uma concentração ideal aplicável à todas as espécies, tamanhos e estágios de vida. Entretanto, vários fármacos/produtos podem ser utilizados para produzir anestesia em peixes, mas para a escolha de qual utilizar deve-se observar, além das particularidades de cada produto, os fatores relacionados ao ambiente (temperatura, pH, salinidade e oxigênio dissolvido na água) e ao animal (espécie, peso e fase reprodutiva). Todos estes fatores influenciam na anestesia e devem ser levados em consideração.

Ao manipular os anestésicos, o uso de equipamentos de proteção individual, principalmente luvas e óculos de proteção são imprescindíveis. Desta forma, evita-se acidentes que causem algum dano ao manipulador.

 

Autores:

Eduardo da Silva*, Gabriel Deschamps, Adolfo Jatobá, Carlize Lopes e Robilson Antonio Weber

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense

Laboratório de Aquicultura

Araquari, SC

*eduardo.silva.pr.em@gmail.com

 

Faça o download e confira o texto completo com todas as ilustrações. Clique aqui

 

 

Anterior
Próxima

+55 (48) 9 9646-7200

contato@aquaculturebrasil.com

Av. Senador Gallotti, 329 - Mar Grosso
Laguna - SC, 88790-000

AQUACULTURE BRASIL LTDA ME
CNPJ 24.377.435/0001­18

Top

Preencha todos os campos obrigatórios.

No momento não conseguimos enviar seu e-mail, você pode mandar mensagem diretamente para contato@aquaculturebrasil.com.

Contato enviado com sucesso, em breve retornamos.

Preencha todos os campos obrigatórios.

Preencha todos os campos obrigatórios.

Você será redirecionado em alguns segundos!