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09 de Dezembro de 2021 Aquaculture Brasil
Criação de jacarés do pantanal (Caiman yacare): uma alternativa para a produção de animais silvestres brasileiros

Em 23 de fevereiro de 1990 o IBAMA instituiu a portaria Nº126, permitindo a criação de Caiman crocodylus yacare em cativeiro dentro da Bacia do Rio Paraguai para finalidades comerciais. Além disso, no dia 20 de fevereiro de 2008, o mesmo órgão emitiu a instrução normativa Nº169, que institui e normatiza o uso e manejo da fauna silvestre em cativeiro no território nacional. Estas estratégias adotadas pelo Brasil auxiliam na conservação de ambientes naturais, e na manutenção da biodiversidade, através do manejo sustentável de espécies silvestres como o jacaré do Pantanal, por exemplo. Os criadouros de crocodilianos são compostos basicamente por sistemas de manejos dos tipos harvest, ranchinge e farming. No Brasil os sistemas utilizados são o ranching onde ocorre a coleta de ovos na natureza e subsequente “engorda” dos filhotes em cativeiro e o sistema de criação farming, onde a produção e reprodução da espécie ocorrem em cativeiro, com ciclo fechado. Neste sistema, controlam-se diversos fatores produtivos, como alimentação, sanidade, ambiência, reprodução entre outros.

O jacaré do pantanal é uma espécie de crocodiliano que pertence a família Alligatoridae, gênero Caiman, espécie Caiman Crocodillus yacare. Este jacaré atinge de 2,5 a 3 m de comprimento, ele é caracterizado por apresentar um focinho longo e possuir escamas osteodérmicas, bem desenvolvidas, com flancos menos ossificados, o que gera mais valor no comércio de peles. Outra característica marcante da espécie são os seus dentes expostos, pois a mandíbula possui manchas pretas e os dentes podem se projetar para cima, ultrapassando o maxilar superior, ficando visíveis. O que gerou até o apelido de jacaré-de-piranha no Pantanal.

 

 

 

 

Cadeia produtiva e processamento

Diferente do que ocorre com a produção de outras espécies animais, como por exemplo a tilápia, que o filé é o principal objetivo de produzir essa espécie; já o jacaré, a pele era transformada em couro, sendo considerada o principal produto, comercializada em cm2 , enquanto a carne um coproduto obtido através da exploração deste animal. Entretanto, nos últimos anos devido ao valor nutricional e ao interesse econômico demonstrado pelas indústrias e consumidores em relação a essa proteína animal, atualmente a carne é considerada um produto de interesse igualitário a pele dentro da jacaricultura. Pois, no Brasil tem-se notado o aumento no consumo de carnes de animais não convencionais como o avestruz, capivara, jacaré, javali e tartaruga. Contudo, as carnes de animais silvestres ofertadas aos consumidores, devem ser provenientes de criadouros e abatedouros autorizados pelo IBAMA e regulamentadas por normas de qualidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e por órgãos de fiscalização sanitária, como o Serviço de Inspeção federal (SIF), relacionados com a qualidade desse tipo de alimento. Um exemplo de criadouro e unidade de processamento de jacarés que atende a todas as certificações citadas é a empresa Caimasul, localizada em Corumbá-MS.

 

Produtos obtidos a partir do Jacaré do Pantanal:

a) Couro

Como já foi dito anteriormente a obtenção da pele do jacaré para a produção de couro é um dos principais interesses econômicos da jacaricultura, porém, a pele desses animais possui características que ao mesmo tempo em que proporcionam um couro único, também, dificultam o seu processo de curtimento. A pele dos jacarés é composta por uma rede interligada de placas osteodérmicas de diversas formas e tamanhos, sendo que na superfície ventral essas placas são quadradas e planas, já as placas do flanco e do pescoço são arredondadas e possui um centro em relevo, ao longo da cauda essas placas possuem uma elevação bem acentuada (Figura 4).

O padrão de corte utilizado na produção de couros depende da exigência do comprador. Há dois tipos de corte utilizados pela indústria, os cortes Belly e Hornback. O corte Hornback é obtido pela incisão na linha média ventral, estendendo-se nas regiões do pescoço, tronco e cauda, mantendo na íntegra a pele do dorso. No corte Belly, a incisão é feita na linha média dorsal, estendendo-se da região cervical até a extremidade da cauda, preservando a integridade da pele na região ventral do animal, como mostra a figura 5.

A tecnologia empregada para o curtimento é conhecida, porém existem particularidades em específico para essa espécie de pele, principalmente em relação as placas osteodérmicas.

Dentro do curtume ela é dessalgada e submetida ao processo de curtimento. De acordo com Jacinto (1995), na etapa do remolho e caleiro é extraída a queratina. No caleiro, são adicionados produtos alcalinos como a cal e carbonato de sódio, atingindo um pH acima de 12, onde proporciona a abertura da estrutura fibrosa, com intumescimento de toda a pele (Souza, 2004). O pH é reduzido de 12 para 8,5 num processo de lavagens sucessivas e desencalagem com sais ácidos (sulfato de amônia e kalplex® ou Dekalon®). Em seguida, a pele é submetida a etapa de purga com enzima proteolítica, por 60 minutos. Nova solução de desencalagem é realizada para reduzir ainda mais o pH, para 7,0 e realizada várias lavagens de desengraxe, com uso de tensoativo neutro, para remoção de gorduras naturais da pele. Em seguida as peles são colocadas no piquel, cuja água deve conter um baumé 3,0 (grau de salinidade de água) e depois adicionado o ácido clorídrico, para que o pH permaneça o mais ácido possível (pH =1 a 2), por um período de tempo correspondente a descalcinação dos osteodermos (remover as células de tecido ósseo que existem na derme da pele do animal). Após, a pele estando maleável, acrescenta-se sal de cromo para o curtimento, ou corrige-se o pH para atingir pH 4,0 e adicionar o tanino vegetal. Neste momento a pele se transforma num material putrescível em imputrescível, sendo considerado a partir dessa etapa de couro. De preferência 24 a 48h do curtimento, faz-se a neutralização com bicarbonato de sódio para atingir um pH 5,5 a 6,5, seguido do recurtimento, sendo este realizado, principalmente, com taninos vegetais ou sintéticos. Nesta etapa, também pode ser realizado o tingimento com cores diversas, conforme a especificação do comprador. A pele de jacaré necessita em torno de 20 a 30 dias de processo, em função do tamanho (animal) da pele e calcificação (presença dos osteodermos).

O couro após o curtimento apresenta uma espessura variando de 1,57 a 2,47 mm, para animais abatidos na faixa de 4,5 a 6 kg. Esta variação na espessura se deve principalmente pelas diferenças existentes entre as espessuras nas diferentes regiões das peles dos jacarés. Ao avaliar a qualidade do couro de jacaré do pantanal, quanto à tração, elasticidade e rasgamento progressivo, testes estes normalmente realizados para determinar a qualidade de resistência do couro, observam-se também diferenças entre as regiões do couro analisadas (Tabela 1).

Independentemente das variações nas resistências a tração, alongamento e ao rasgo, existentes nas regiões do couro de jacaré do pantanal ele pode ser utilizado para confecção de vestuário. De acordo com as exigências de qualidade para couro de vestimenta (estabelecidas pela Comissão de Especificações dos Institutos de Couro do Ceará) para a resistência à tensão ou tração deve ser de 12 N/mm2 (IUP6/ DIN 53328) e rasgamento de 15 N/mm (IUP8/DIN 53329). Já existe referência que menciona que o couro deve ter no mínimo 9,80 N/mm2 de resistência à tração para ser utilizada para confecção de vestuário (Hoinacki, 1989). No entanto, os couros são mais destinados a confecção de bolsas, carteiras, cintos, sapatos e chaveiros com os retalhos.

Financeiramente é difícil mensurar o valor de um artigo produzido utilizando o couro de crocodilianos. Entretanto, sabe-se que produtos feitos com couro de jacaré, por ser considerado um couro exótico, possuem um alto valor agregado, mas a escassez de pesquisas e literatura que determinam a sua qualidade e resistência prejudica a padronização deste material. Também, podem ocorrer problemas durante o seu crescimento dentro do criatório, em especial na superfície do couro, prejudicando a sua qualidade final para comercialização (Figura 6).

 

 

 

 

b) Carne

A carne de jacaré do Pantanal é uma ótima fonte de proteína de origem animal por possuir alto valor biológico, alta digestibilidade, baixos valores de colesterol, além de demonstrar potencial tecnológico para a produção de derivados como embutidos ou reestruturados (Romanelli et al., 2002; Vicente Neto et al., 2007; Fernandes et al. 2014).

O corte com maior interesse econômico é o filé de cauda. Entretanto, há relatos de estudos envolvendo a qualidade de outros cortes, como filé de dorso, lombo e as coxas, mostrando que a composição química da carne varia, com teores de umidade entre 71,02 a 76,77%, teores de proteína bruta de 20,80 a 24,37 %, lipídios totais de 0,29 a 2,40% e matéria mineral de 0,58 a 1,40% (Fernandes et al., 2017; Rodrigues et al., 2007; Vicente Neto et al., 2007).

Os cinco cortes comerciais da carcaça de jacarés, realizados na Empresa Caimasul, durante a desossa e analisados na Universidade Estadual de Maringá, no departamento de Zootecnia, apresentam teores de gordura e minerais diferentes em relação aos cortes. Por exemplo, o filé de cauda apresentou o maior teor de gordura e o menor teor de minerais, já o filé de lombo ocorreu o contrário, apresentando o maior teor de minerais e menor teor de gordura. Pode-se observar que a carne de jacaré apresenta elevado teor de proteína e baixíssimo teor de gordura. Os teores de umidade, proteína, gordura e minerais de todos os principais cortes comerciais de jacaré do Pantanal podem ser observados na Tabela 2.

Os cortes comerciais apresentam diferentes rendimentos quando comparados entre si (Tabela 3). Um fator que pode alterar o rendimento de cada corte é o peso em que o animal é abatido, há uma tendência de que animais com maiores pesos vivos ao abate gerarem maiores rendimentos de carcaça, consequentemente de filés de cauda, lombo e coxas, como mostra a Figura 8.

Assim como acontece com a produção de outras espécies animais, o beneficiamento do jacaré permite também a produção de diversos produtos cárneos como embutidos, reestruturados, empanados, conservas, defumados ou até mesmo produtos da carne propriamente dita apenas temperada (Fernandes et al., 2013; Paulino et al., 2011; Azevedo et al., 2009; Carmo et al., 2009). O desenvolvimento destes produtos agrega mais valor a carne e otimiza a utilização de partes como aparas, iscas e retalhos, que ficariam obsoletos durante o processamento do jacaré.

 

Conclusão

A criação de jacaré do Pantanal, em determinadas regiões do Brasil, é uma atividade regulamentada e que pode gerar um alto retorno econômico, principalmente pelos produtos que ela promove. Entretanto, ainda faltam pesquisas que padronizem os produtos já existentes. Os poucos trabalhos já realizados relacionados com os produtos gerados com a criação do jacaré do Pantanal, deixam claro, que este animal possui um grande potencial para a sua exploração comercial, ao mesmo tempo em que proporciona o uso sustentável da fauna, garantindo a manutenção da biodiversidade e contribuindo para a sua conservação.

 

Autores:

Melina Franco Coradini* e Maria Luiza Rodrigues de Souza ¹

Programa de Pós-graduação em Zootecnia

Universidade Estadual de Maringá

Maringá, PR

*melinacoradini@gmail.com

 

Faça o download e confira o texto completo com todas as ilustrações. Clique aqui

 

 

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