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Piscicultura
01 de Agosto de 2021 Aquaculture Brasil
Circulação vertical na piscicultura em tanque-rede de ambientes tropicais e semiárido

 

A piscicultura em tanques-rede é uma das modalidades de aquicultura que mais tem avançado no Brasil se consolidando cada vez mais como um sistema de produção. Reservatórios e açudes têm permitido o avanço da modalidade de produção que ocorre diretamente no corpo hídrico. Apesar do crescimento da piscicultura em tanques rede e dos avanços tecnológicos há ainda muito a avançar em relação as estratégias de monitoramento ambiental e manejo eficiente para dar suporte aos sistemas de produção. Lacunas como as da influência de variações ambientais que podem resultar em perdas de produção e mortalidade massiva também ainda são uma área de demanda para dar suporte ao desenvolvimento desta modalidade de produção.

Estudos recentes indicam que variações meteorológicas possam influenciar diretamente o sucesso das pisciculturas e que o monitoramento destas pode ser uma grande ferramenta para o produtor de peixes em tanques-rede. Dentre os eventos meteorológicos que já estão sendo observados como de influência direta aos sistemas de produção em tanques-rede estão as variações térmicas e eólicas que promovem a circulação vertical. Nos últimos anos a ocorrência de circulação vertical turbulenta têm causado eventos de mortalidade em pisciculturas em tanque-rede em açudes e reservatórios. Entre os piscicultores, estes eventos são conhecidos como “inversão térmica”. 

 

Lacunas como as da influência de variações ambientais que podem resultar em perdas de produção e mortalidade massiva ainda são uma área de demanda para dar suporte ao desenvolvimento deste sistema de produção.

 

Circulação vertical (CV)

A Limnologia caracteriza a CV através da estratificação e desestratificação da coluna d’água. Quando a coluna de água está dividida em três estratos, o epilímnio, metalíminio e hipolímnio, o ambiente está estratificado. Quando a coluna de água está homogênea, apresentando características físicas e químicas semelhantes da superfície ao fundo, podemos afirmar que o ambiente está desestratificado ou homogêneo (Figura 01). Um ambiente estratificado possui condições limnológicas diferentes em cada uma das camadas e quando ocorre a desestratificação o ambiente fica misturado tendo as mesmas características limnológicas. A CV é um evento natural fundamental para a estrutura e organização dos processos químicos e biológicos de lagos, represas e açudes, e podem ser influenciados pela temperatura atmosférica, velocidade e direção do vento (Saraiva e Melo-Junior, 2019).

 

O que causa esse processo, quando e como ocorre?

No Brasil cada região possui um comportamento climatológico diferenciado, mas os principais fenômenos responsáveis por originar a CV são a temperatura do ar, velocidade e direção do vento, regime de precipitação pluviométrica e a ocorrência de frentes frias. O aquecimento diurno da atmosfera aquece o vento que em sequência aquece a camada superficial da água, ao longo do tempo a superfície aquecida transfere calor para a meia água, a qual em dado momento também transfere calor para água profunda. Nessa transferência de calor a temperatura decresce da superfície ao fundo.

A diferença térmica nas três camadas altera a densidade da água, a qual é inversamente proporcional a temperatura. O diferencial de temperatura e densidade impedem a mistura das camadas de água, caracterizando a estratificação e o epilímnio, metalímnio e hipolímnio (Figura 02 A).

No resfriamento atmosférico circula vento frio sobre a superfície da água, resfriando-a e tornando-a mais densa provocando afundamento e mistura de água entre epilímnio e metalímnio. O contínuo resfriamento superfícial aumenta a densidade e a mistura atingindo o hipolímnio desestratificando o ambiente (Figura 02 B). 

 

O vento também desloca as águas superficiais, esse transporte chama-se circulação horizontal (CH). Quando a água empurrada atinge a margem oposta, esta empurra a água do local para baixo causando circulação de água (Figura 03 A e B). 

 

 

Circulação vertical (CV) e pisciculturas em tanques-rede

Para a piscicultura em tanque-rede a CV é de extrema importância, pois a circulação das águas superficiais oxigenadas pela fotossíntese transporta O2 para as águas mais profundas permitindo maior oxigenação da água e decomposição aeróbica da matéria orgânica excedente no sedimento. 

Porém quando a CV ocorre de forma mais pronunciada ela é conhecida como circulação vertical turbulenta (CVT). 

A estratificação antecede a ocorrência de uma CVT, porém a mudanças intensas e repentinas das condições físicas da atmosfera, queda de temperatura e vento influenciam as condições físicas e químicas da água, promovendo uma circulação de forte impacto, removendo sedimento, transportando-os pela coluna de água até que se espalhem pelo epilímnio, onde estão posicionados os tanques-rede, tornando o ambiente turbulento e inadequado a sobrevivência dos peixes (Figura 4 A e B).

 

 

Os impactos resultantes de CVT podem ocorrer na seguinte ordem:

I.    Alterações drásticas da temperatura do epilímio causada por resfriamento atmosférico. Estas alterações podem não levar a morte dos animais, mas, dependendo da intensidade, poderão ser extremamente prejudiciais para a saúde e desempenho dos mesmos, levando ainda a diminuição do consumo de ração enquanto ocorrer o fenômeno;

II.    O transporte de sedimento até a superfície de água, promove alterações que iniciam simultaneamente, porém com efeitos e velocidades diferenciadas. Os peixes nos tanques-rede, sem possibilidade de fuga, estão submetidos a exposição prolongada desses impactos e a sequência de alterações metabólicas:

    •  Alteração da cor, transparência, turbidez e odor da água, ficando amarronzada e com “cheiro de ovo podre”. Esses impactos foram verificados em eventos de mortalidade em pisciculturas (Melo Júnior, Dias e Vasconcelos, 2019) e em reservatórios de São Paulo (Chiba et al., 2009);

    •  (NH3) íon amônia e (NO2) nitrito, gases resultantes da decomposição aeróbica e importantes no ciclo de nutrientes, porém em altas concentrações são tóxicos. A NH3 também é o produto da excreção dos peixes, que ocorre por difusão, portanto, altas concentrações de NH3 na água impedem a excreção dos peixes, intoxicando-os por excesso de NH3 no sangue e tecidos. O NO2 em altas concentrações na água pode ser absorvido pelas brânquias e inibir a respiração dos peixes, nesse caso, é formado a metahemoglobina, “doença do sangue marrom”, oxidando o ferro da hemoglobina e impedindo a fixação do O2 no sangue, o peixe morre por anoxia mesmo a água tendo O2 a disposição; 

    •   (H2S) gás sulfídrico ou sulfeto e (CH4) metano. São gases resultantes da decomposição anaeróbica, provoca “cheiro de ovo podre na água” e são potencialmente tóxicos aos peixes, a absorção branquial resulta rápido efeito letal. 

    •  Diminuição das concentrações de O2 por decomposição aeróbica da matéria orgânica transportada na CVT e, em seguida, a cor e transparência reduzem a taxa de fotossíntese.  Os efeitos da hipoxia e anoxia sobre os peixes, em maioria, ocorrem secundariamente às intoxicações acima mencionadas; 

    •  Sinais visuais de intoxicação dos peixes no cultivo, conforme os piscicultores: letargia, perda de apetite, natação desorientada, tentativa de respirar ar atmosférico “beber ar” e óbito (Melo Júnior, Dias e Vasconcelos, 2019);

III.    Fuga de peixes nativos livres, estes procuram áreas menos impactadas ou sem impactos;

 

 

Registros de CVT em ambientes com cultivo de peixes em tanques-rede

Eventos de mortalidade por CVT em pisciculturas em tanque-rede ocorreram em vários açudes, dos quais: Olho D’água em Várzea Alegre, Ceará (Santos et al., 2013); Rosário em Lavras da Mangabeira, Ceará (Melo Júnior, 2017); Umari em Upanema, Rio Grande do Norte (Henry-Silva, Melo Júnior e Attayde, 2019); Sítios Novos em Petencostes, Ceará (Oliveira et al., 2011; Araújo e Melo Júnior, 2019).

Araújo e Melo Júnior (2019) analisaram os dados meteorológicos do evento de mortalidade em pisciculturas do açude Sítios Novos. Por meio dos registros meteorológicos, os autores constataram que entre a tarde e manhã dos dias 01/05/11 e 02/05/11, houve queda de 8,7°C na temperatura do ar, resfriando o epilímnio, e entre 21:00 e 00:00 ocorreu direcionamento da corrente de vento, em sentido semelhante e com variação da velocidade entre 3,5 a 1,0 m/s (Figura 06 A a D). 

Essas variações determinaram a formação da CVT, fato também confirmado pelas informações etnolimnológicas dos piscicultores, sobre as alterações da água, relatadas em Oliveira et al. (2011). Igualmente as ocorrências verificadas nos açudes Olho D’água, Rosário e Umari, citados acima. Chiba et al. (2009), Tundisi et al. (2010), Melo Júnior (2017) e Silva e Melo Júnior (2018) reconhecem que ventos de pouca velocidade, porém na mesma direção por longo tempo, contribuem fortemente na formação da CVT.

Como ocorridos em outros açudes, no açude Sítios Novos ficou evidenciado o efeito localizado da CVT dentre as duas áreas de cultivo, monitoradas PP2 e PC3 (Figura 06), porém só ocorreu mortalidade  em uma das pisciculturas (PP2). Possivelmente o relevo e morfometria minimizaram a influência térmica e eólica na área de piscicultura que não teve mortalidade (PC3) de maneira que não sofreu os impactos ambientais causados pela CVT mantendo os peixes cultivados ilesos. 

Na região Sudeste e Sul do país os eventos de CVT são principalmente impulsionados por passagens de frentes frias (FF), estas atuam alterando as condições térmicas e eólicas que modificam a estrutura da coluna de água nos reservatórios, os quais possuem períodos caracterizados de estratificação e desestratificação.

No período de estratificação, durante a passagem da FF (Figura 7), e cerca de 2 a 3 dias após, o aquecimento diário das camadas superiores é enfraquecido e a coluna d’água se torna mais homogênea, com temperaturas aproximadas de 24°C (Figura 8). Já no período de mistura, o mesmo fenômeno ocorre, porém com menores amplitudes térmicas. Entretanto as maiores misturas da coluna da água promovida por FF neste período podem diminuir a temperatura de superfície da água a aproximadamente 22°C (Araújo et al., 2017).

O período ideal para cultivo da tilápia em Furnas parece ser o verão (período de estratificação) pois durante o inverno (período de mistura), as temperaturas da superfície da água chegaram a valores abaixo dos 22°C, podendo levar a mortalidade ou estressar os peixes, diminuindo a produção. 

O monitoramento de parâmetros meteorológicos pode ajudar no monitoramento ambiental da aquicultura, pois com a maior ocorrência de FF no período de mistura, flutuações térmicas tendem a ocorrer influenciando diretamente o desempenho dos peixes em cultivo, evitando sobras de ração e mortalidades em massa. 

Apesar da ocorrência de FF ser menor no verão, os efeitos desta na qualidade da água e na mistura térmica são mais danosas. Como o verão é a época de maior produção, o monitoramento da ocorrência das FF pode ser um ótimo instrumento para apoiar o manejo adequado, diminuindo perdas no processo produtivo e evitando impactos ambientas. Por outro lado, a passagem da FF aumenta o poder de diluição nos braços do reservatório por causar uma mistura parcial da coluna d’água, beneficiando as áreas de cultivo (Araújo et al., 2017).

Tundisi et al. (2010) relatam caso de CVT ocorrida no lago Catalão localizado em Manaus-AM em maio de 2006, sendo causado por passagem de FF ocasionando diferencial de temperatura, mistura completa da coluna d’água, liberação de H2S, redução da concentração de O2 e provocou a mortalidade de peixes do lago.

 

 

Conclusão

A identificação e compreensão dos sistemas meteorológicos com suas influências na dinâmica limnológica como circulação vertical, propriedades físicas e químicas e seus resultados sobre a qualidade da água, são ferramentas importantes para o manejo e sustentabilidade da piscicultura em tanque-rede em ambientes como lagos, açudes e reservatórios.

O verão representa a possibilidade de maior impacto causado por CVT, nesse período sazonal ocorre o maior diferencial de temperatura no meio aquático determinado pelos fenômenos causadores da CVT, tornando-a mais intensa, sendo essa condição comum aos açudes do Semiárido e reservatórios de todo Brasil.

O monitoramento das passagens de FF, nas regiões Sul e Sudeste e a transição entre verão e inverno no Semiárido são fatores cruciais para o monitoramento da piscicultura em reservatórios e açudes. Portanto, há que haver muito investimento em estudo e tecnologia de monitoramento que atendam às necessidades da piscicultura em tanque-rede, tanto para grandes, médios como para pequenos produtores.

 

Autores: 

Hênio do Nascimento Melo Júnior

Universidade Regional do Cariri-URCA

Laboratório de Limnologia e Aquicultura-LLA

henio.melo@urca.br

 

Fernanda Garcia Sampaio

Embrapa Meio Ambiente

fernanda.sampaio@embrapa.br

 

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