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23 de Julho de 2021 Aquaculture Brasil
Uso de plantas Halófitas na aquicultura: Do tratamento de efluente à alimentação animal

Já imaginou a possibilidade de tratar o efluente de cultivo, alimentar os animais, gerar energia elétrica e reduzir custos com uma cajadada só? As plantas halófitas podem tornar isso uma realidade.

Os vegetais mais cultivados e consumidos no Brasil (como a alface, a couve, a batata, o aipim, entre outros) precisam de água doce para o seu melhor crescimento (< 3,0 dS m-1 ou < 2 g NaCl L-1) e consequemente, seu cultivo. Essas plantas são classificadas como plantas glicófitas (Grego, glico = açúcar/doce; fitas/phyton = planta). Por outro lado, ainda não muito populares e muitas vezes classificadas como plantas alimentícias não convencionais (PANCs), existe outro grupo de plantas que consegue passar por todo o seu ciclo de vida (germinação, crescimento e reprodução) sobre a influência de águas salinas ou salobras. 

Ou seja, são plantas que podem ser cultivadas com água salgada. Para essas plantas damos o nome de plantas halófitas (Grego, halo = sal) (Nikalje et al., 2018).

As plantas halófitas são naturalmente encontradas nos ambientes costeiros que sofrem influência constante ou periódica da água do mar e da maresia (spray marinho), e em locais do interior fortemente afetados pela seca (Costa; Herrera, 2016b). No Brasil, os ambientes que se destacam na quantidade e biodiversidade de plantas halófitas são os manguezais (e.g. o mangue vermelho, Rhizophora mangle), marismas (e.g. Spartina alterniflora), dunas costeiras (e.g. Sporobulus virginicus) e planos salinos do semiárido nordestino (e.g. Sesuvium portula castrum). Embora sejam diferentes, as plantas halófitas desses ambientes apresentam algumas características semelhantes entre si e com plantas halófitas de outras regiões salgadas do mundo, como no Oriente Médio e França (Albuquerque et al., 2014; Costa; Herrera, 2016a). Mas...

 

Como é possivel? 

Ao longo da sua evolução as plantas halófitas desenvolveram adaptações em suas partes interna e externa para tolerar o estresse salino (Rozema; Schat, 2013). Embora cada espécie tenha suas singularidades, os mecanismos funcionais das plantas são bem semelhantes. Mas a quantidade de adaptações que essas plantas obtiveram foi dependente da salinidade do ambiente onde viviam. Ou seja, quanto mais estresse as plantas sofriam, maior deveria ser o número de adaptações – características favoráveis para sobrevivência e fecundidade. Era adaptação ou morte!

O halofitismo, que é o grau de tolerância a salinidade, é bem diversificado e altamente dependente do ambiente de desenvolvimento dessas plantas. Assim, dependendo do grau de tolerância a salinidade, as plantas halófitas podem ser classificadas desde plantas halotolerantes, que toleram água com baixa salinidade, até as halófitas extremas, que toleram condições hipersalinas, isto é, mais salgadas que a água do mar (Costa, 2006; Duarte et al., 2013). 

Falamos até agora como as plantas halófitas evoluíram. Mas...

 

O desenvolvimento de carcinicultura em águas oligohalinas, principalmente oriundas de poços e rios, forneceu novas fronteiras para a carcinicultura mundial.

 

O quê elas têm de bom?

Vários compostos são produzidos pelas plantas halófitas para tolerar o estresse salino, como alguns açucares (como o sorbitol), aminoácidos (como a prolina) ácidos graxos poli-insaturados, flavonoides, polifenóis e carotenoides. Compostos que além de serem utilizados pelas plantas halófitas para tolerar o estresse salino, são importantes para alimentação animal e humana, além de possuírem atividades biológicas, como capacidade antioxidante, anti-inflamatória, bactericida, vermífuga, entre outras (Barreira et al., 2017; Costa et al., 2014; Costa, 2006; D’Oca et al., 2012; De Souza et al., 2018a,  2018b,  2020; Katiki et al., 2013; Ksouri et al., 2009; Tomazelli Junior et al., 2017).

 

Se as plantas halófitas são tão boas, porque não as conhecemos?

Na realidade, as plantas halófitas são utilizadas pelo ser humano a muitos séculos, tendo registro de uso há mais de 5000 anos na medicina indiana (Arya et al., 2019). A grande popularização destas plantas começou em países com pouca disponibilidade de água doce, como os países do oriente médio. Os Emirados Árabes Unidos, por exemplo, têm grande investimento no desenvolvimento da agricultura salina e produção de biodiesel a partir das sementes de Aspargo marinho (plantas dos gêneros Salicornia e Sarcocornia, também consumidas como sal-verde, vegetais frescos ou em conserva), e gramados de campos de golfe e futebol com mudas de Paspalum vaginatum. Já a Quinoa (Chenopodium quinoa) começou a ser consumida na região dos grandes lagos salgados da América Latina (Bolívia, Colômbia, Equador e Peru) há mais de 4 mil anos e hoje se popularizou em dietas com baixas calorias, utilizadas para o emagrecimento (Centofanti; Bañuelos, 2019; Panta et al., 2014). Hoje, plantas halófitas são utilizadas para alimentação humana (como vegetais frescos, em conserva ou como condimentos), alimentação animal, na produção de biocombustíveis, como plantas ornamentais e paisagismo, na produção de medicamentos, na produção de bebidas fermentadas etc (Abdelly et al., 2007). 

Além de tudo isso, novas características e funcionalidades das, e para, as plantas halófitas estão sendo descobertas a todo o momento. Uma que nos deixou bastante entusiasmados é a descoberta que, embora ainda sejam resultados obtidos em experimento com ratos e ovelhas, os aspargos marinho do gênero Salicornia herbacea e S. neei têm a capacidade de impedir que estes animais acumulem gorduras (Pichiah; Cha, 2015; Arce et al., 2016). Sim, isso mesmo. Imagine que mesmo comendo aquela picanha cheia de gordura no final de semana, a ingestão da planta poderia impedir que acumulemos parte dessa gordura. Isso não seria sensacional? Num ramo totalmente diferente, estudos ainda preliminares demostram que é possível gerar energia nas raízes de plantas halófitas cultivadas em hidroponia. Resumidamente, este sistema de geração de energia consiste na oxidação de compostos liberados pelas raízes das plantas por bactérias (Wetser et al., 2015).

 

E como as plantas halófitas são utilizadas na aquicultura?

Há algum tempo as plantas halófitas já são utilizadas na fitorremediação dos efluentes salinos da aquicultura (Fierro-Sañudo et al., 2020), seja em tanques de decantação ou em wetlands, por exemplo. Sendo também utilizadas para fixação das paredes dos tanques de cultivo ou canais de irrigação. No entanto, utilizações mais nobres vêm sendo estudadas!

Embora ainda à nível acadêmico, o extrato da grama bermuda (Cynodon dactylon) demonstrou ter a capacidade de proteger o camarão marinho Litopenaeus vannamei contra o vírus da mancha branca (WSSV - white spot syndrome vírus). Além de auxiliar na saúde, as plantas halófitas também podem ser utilizadas na alimentação dos animais cultivados. Os aspargos marinhos S. bigelovii e S. neei por exemplo, já foram utilizados para a alimentação de tilápias do Nilo (Oreochromis niloticus) e camarões marinhos (Litopenaeus vannamei), respectivamente (De Souza, 2018; Ríos-Duran et al., 2013), alcançando desenvolvimento zootécnico iguais aos dos animais alimentados com uma ração tradicional. 

Se pensarmos que as plantas halófitas podem ser produzidas com o efluente do próprio cultivo, damos mais um passo para alcançar uma aquicultura com economia circular. E por fim, e não menos importante, o uso de aspargo marinho S. neei também proporcionou a diminuição de 40% do custo da ração (De Souza, 2018) no cultivo experimenral do camarão marinho L. vannamei. Sabendo que o custo com a alimentação dos animais é muito alto, reduzir este gasto pode aumentar significativamente os lucros da produção.

 

Os aspargos marinhos S. bigelovii e S. neei por exemplo, já foram utilizados para a alimentação de tilápias e camarões marinhos, os quais obtiveram desempenho zootécnico igual ao dos animais alimentados com ração tradicional.

 

Neste artigo falamos um pouco das características excepcionais das plantas halófitas e os seus usos atuais na aquicultura. Contudo, as possibilidades de uso futuro são infinitas. Embora pareça uma realidade distante, acredito que conseguiremos desenvolver tecnologias que possam fitorremediar o efluente, alimentar os animais e gerar energia para o sistema de cultivo com as plantas halófitas de forma simultânea e integrada. Sei que pode parecer uma realidade bem distante, mas o futuro é logo ali.

 

Autores: Manuel Macedo de Souza e César Serra Bonifácio Costa

Universidade Federal do Rio Grande (FURG)

Instituto de Oceanografia (IO)

Laboratório de Biotecnologia de Halófitas (BTH)

Rio Grande, RS

*mcsouza@furg.br

 

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