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20 de Julho de 2021 Aquaculture Brasil
Cuidados mínimos em um quarentenário credenciado para importação de organismos aquáticos ornamentais para impedir a introdução e disseminação de patógenos

 

A aquariofilia é um importante segmento na indústria de animais de companhia. Países desenvolvidos como Estados Unidos, Japão e alguns países da Europa apresentam um maior volume desse mercado, fazendo com que os peixes sejam a categoria pet mais prevalente nos domicílios no mundo, ficando na frente de cães, gatos e outros animais de estimação. No Brasil, o cenário é um pouco diferente, pois os peixes estão em quarto lugar na categoria de animais de estimação presente nos domicílios, ficando, portanto, atrás de cães, gatos e aves (AbinPet 2021).

Em todo o mundo são em média 4500 espécies de água doce (dos quais mais de 90% já são criados em pisciculturas) e 1450 de água salgada (dos quais cerca de 95% ainda extraídos de ambientes naturais). A grande maioria dos peixes são provenientes de países em desenvolvimento como Brasil, Colômbia, Filipinas, Indonésia, Malásia, Nigéria, Peru, Quênia, Sri Lanka e outros dos quais são exportados para diversos países desenvolvidos do globo (Whittington; Chong, 2007). 

Esse movimento de translocação através de importação, exportação e distribuição  permite que animais cheguem em uma outra região totalmente diferente da original e podendo muitas vezes se reproduzir com muito sucesso e eficiência no novo local. A exemplo no Brasil temos a Zona da Mata de Minas Gerais, que é o principal polo produtor, com quase a totalidade de animais exóticos (Cardoso; Balian, 2018) como Betta splendens, Carassius auratus, Cyprinus carpio, Puntius tetrazona, Xiphophorus maculatus, Trichopodus leerii entre inúmeros outros (figura 1).

 

A nível mundial, os peixes são a categoria pet mais prevalente nos domicílios, ficando à frente de cães, gatos e outros animais de estimação.

 

Quarentenários credenciados para importação de peixes ornamentais

 

O quarentenário deve ter requisitos mínimos para a aprovação da licença e deve funcionar sob responsabilidade técnica de um médico-veterinário, que deve monitorar os animais durante todo o período de quarentena com o intuito de impedir a introdução e disseminação de doenças transfronteiriças. Até a data de redação deste artigo o Brasil possuía um total de 24 quarentenários credenciados (figura 2) para importação de organismos aquáticos com fins ornamentais distribuídos pelas regiões do Brasil (última atualização 12/06/2020) (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, 2020).

 

 

A autorização para importação das espécies de peixes é de competência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA), que possui legislações específicas com listas de espécies que são permitidas para importação. Desde 2017 o órgão também apresenta listas de peixes de água doce e peixes de água salgada cuja importação será negada com a devida justificativa como por exemplo quando se tratar de uma espécie com potencial de invasão (Ibama, 2018).

 

A translocação de animais aquáticos e o aparecimento de doenças

 

A translocação de animais aquáticos permite também que outros organismos venham de “carona” com os peixes, logo, o comércio e circulação de animais vivos, sem o cumprimento de procedimentos técnicos padronizados e seguros, pode possibilitar a disseminação de inúmeros agentes causadores de doenças infecciosas e parasitárias. E muitas vezes as doenças podem causar sérios problemas sanitários em regiões indenes e ser responsável por prejuízos econômicos irreparáveis (Oata, 2008).

Em 2015, Cardoso e colaboradores relataram em São Paulo, a ocorrência do gênero Megalocytivirus causando mortalidade de 94% em piranhas vermelhas (Pygocentrus nattereri) após serem alimentadas com guppies (Poecilia reticulata). Amostras dos mesmos guppies que não entraram em contato com as piranhas também foram submetidos para diagnóstico e positivo para o vírus. Os gupppies não manifestavam a doença, sugerindo os autores que possa ter ocorrido  transmissão horizontal da doença para as espécies nativas. Outros autores também detectaram o mesmo vírus em diversas outras espécies de peixes ornamentais cultivados aparentemente saudáveis, sugerindo desse modo que alguns peixes possam servir como reservatório do vírus (Cardoso et al., 2017a). O mesmo vírus foi detectado em diversas pisciculturas produtoras de tilápias em regiões do Brasil (Panorama da Aquicultura, 2020).

Cardoso e colaboradores também relataram a presença de Neobenedenia melleni parasitando a pele e região ocular (figura 4) de Pomacanthus asfur, Pomacanthus maculosus, Pygoplites diacanthus e Chaetodon semilarvatus; Macrogyrodactylus sp. parasitando a pele e região ocular de Polypterus palmasUronema sp. infectando pele e órgãos internos (figura 5) de Chromis viridis, Chromis vanderbilti, Heniochus acuminatus, Apolemichthys trimaculatus, Apolemichthys xanthopunctatus, Pseudanthias squamipinnis, Pseudochromis fridmani, Chaetodon auriga, Chaetodon vagabundus, Chaetodon semilarvatus; Haliotrema aurigae parasitando brânquias de Chaetodon rainfordi; Cryptocaryon irritans parasitando pele de Zebrasoma xanthurum. Sendo todas as espécies de peixes citadas acima importadas e os patógenos detectados ainda na quarentena ou pós quarentena (Cardoso et al., 2017b, 2018, 2020a, 2020b).

 

 

Em aquicultura, biosseguridade é um termo que se refere às medidas aplicadas para reduzir a probabilidade da disseminação e impactos causados por agentes ou organismos biológicos a um indivíduo, população ou ecossistema, logo, a falta de biosseguridade também restringe o desenvolvimento e a sustentabilidade de setores da aquicultura por perdas na produção e aumento nos custos operacionais e, indiretamente, através de restrições no comércio e impactos na biodiversidade (Cardoso; Balian, 2018). Portanto para impedir a introdução e disseminação de patógenos e doenças é muito importante que os envolvidos na importação e exportação de peixes ornamentais adotem práticas de biosseguridade a começar pela quarentena (figura 6).

 

 

Cuidados mínimos que devem ser seguidos antes e durante o período de quarentena para impedir a introdução, multiplicação e disseminação de doenças

 

Antes que os animais cheguem do local de origem é necessário que o importador no Brasil juntamente com o médico-veterinário responsável técnico se certifique que a quarentena esteja cumprindo não só os requisitos mínimos exigidos em legislação, mas que uma série de outras medidas sejam adotadas pela empresa com o intuito de manter o mínimo de bem estar animal e biosseguridade. É primordial que os equipamentos estejam funcionado corretamente, que a água esteja com parâmetros de qualidade adequado às espécies que vão receber, que a alimentação já tenha sido providenciada, assim como ter em estoque bactérias benéficas do ciclo do nitrogênio, responsáveis pela remoção de amônia e nitrito, dois principais elementos responsáveis por intoxicação e morte.

Na maioria das vezes os animais chegam em embalagens com água e espaço limitado, devido o valor do frete da carga que praticamente triplica o valor dos indivíduos ao importador.  Devido ao espaço limitado há um aumento nas concentrações de amônia na embalagem, brânquias e corrente sanguínea podendo causar intoxicação, estresse e morte. Não é raro, uma taxa de mortalidade elevada na chegada à quarentena. Na minha experiência há 10 anos como responsável técnico em quarentenários credenciados, vi taxas de mortalidade que variaram de 0 a 16 % em cargas liberadas em situações normais e no tempo previsto.

Porém em cargas com erros na documentação e indeferimento da liberação, já vi animais ficarem retidos por mais de 5 dias até a resolução do problema, culminando em 55% de mortalidade. O restante dos animais dessa mesma carga que chegaram, muitos  ficaram doentes (figura 7) devido ao severo estresse que sofreram devido às más condições de qualidade de água na embalagem que estavam acondicionados. Nos dias posteriores à chegada é comum observar picos de amônia; por isso é necessário estar precavido de todos os problemas que possam acontecer, para que não haja surpresas desagradáveis durante o período de quarentena. 

O processo longo de viagem gera bastante estresse, que tem como efeito a diminuição no sistema imunológico dos peixes. E é desta forma que muitos patógenos, alguns com caráter oportunista podem aparecer. Logo na entrada na quarentena é possível administrar banhos de água doce em peixes de água salgada, para remoção de possíveis ectoparasitas como Neobenedenia melleni e outras monogêneas. Em peixes de água doce, recomenda-se a adição de sal para diminuir o gasto energético na osmoregulação sobrando energia para o peixe se recuperar e lutar contra possíveis patógenos. Além disso o monitoramento deve ser diário para detectar possíveis agentes causadores de doenças, e caso necessário o uso de agentes terapêuticos (grande desafio na aquicultura no Brasil) que deverá ser solicitado aprovação pelo Serviço de Saúde Animal do MAPA.

A utilização de filtros de luz ultravioleta e a ozonização da água (figura 8), dois equipamentos que sob meu ponto de vista são fundamentais em uma quarentena e deveriam ser obrigatórios. O filtro de luz ultravioleta tem um poder biocida e é muito eficaz para diminuir a pressão exercida pelos patógenos nos peixes, principalmente no que diz respeito às bactérias. O acúmulo de matéria orgânica na água, favorece  a proliferação de inúmeros agentes causadores de doenças como os protozoários Uronema, Tetrahymena, Tricodina e outros que podem causar doenças em peixes. A ozonização da água é responsável por fazer a quebra da matéria orgânica, deixar a água mais limpa e cristalina potencializando o poder biocida do filtro de luz ultravioleta contra os patógenos circulantes.

 

Conclusão

 

A translocação de animais aquáticos possibilita a introdução e a disseminação de doenças em diferentes regiões do Brasil e do mundo e para que isso não aconteça, cuidados devem ser empregados antes e durante o período de quarentena. Ações, como banhos terapêuticos e o tratamento da água de recirculação com filtro de luz ultravioleta e ozonização são eficazes no controle de patógenos causadores de doenças em peixes e recomendo fortemente a utilização. Todos os pontos discutidos anteriormente devem ser supervisionados pela empresa e por seu RESPONSÁVEL TÉCNICO. Qualquer prática IRRESPONSÁVEL, ilícita e fora da lei deve ser denunciada (mediante provas e evidências) aos órgãos reguladores que poderá submeter o estabelecimento quarentenário a sanções administrativas que  vai desde a suspensão ao cancelamento do credenciamento.

 

Todos os pontos discutidos anteriormente devem ser supervisionados pela empresa e por seu responsável técnico.

 

Autor: 

Pedro Henrique Magalhães Cardoso

Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal

Faculdade de Medicina Veterinária - FMVZ 

Universidade de São Paulo - USP

pedrohenriquemedvet@usp.br

 

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