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31 de Maio de 2021 Aquaculture Brasil
ISKNV e VNN: são as viroses um risco para a tilapicultura nacional?

Apesar de as doenças bacterianas, como Estreptococose e Franciselose, serem considerados os mais rotineiros problemas infecciosos para a tilapicultura, nos últimos anos tem sido registrado um aumento de relatos de doenças virais de alta mortalidade em países produtores de tilápias, como as causadas pelo TiLV (Tilapia Lake Vírus), VNN (Vírus da Necrose Nervosa) e o ISKNV (Vírus da Necrose Infecciosa de Baço e Rim). Em comunicado oficial no dia 14 de agosto de 2020, a Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR), declarou que foi realizado um diagnóstico positivo para o ISKNV em uma criação de tilápias em tanque-rede no estado de Goiás, na bacia do Rio Paranaíba. Os possíveis impactos deste vírus são temidos por tilapicultores brasileiros, a exemplo da elevada mortalidade causada pelas viremias em camarões e no cultivo de salmão.

Com o objetivo de contribuir para a informação técnica, trazemos algumas informações sobre esta impactante doença causada pelo ISKNV e pelo VNN, outro vírus com risco de se instalar no país e causar grandes prejuízos na tilapicultura.

 

 

ISKNV

Conhecido no país como “Iridovírus”, o ISKNV na verdade se trata de um membro do gênero Megalocytivirus. A confusão se dá, pois ambos os gêneros pertencem à família iridoviridae, porém, o gênero Iridovírus compreende apenas viroses de invertebrados (insetos e crustáceos) (Williams, 2008). Trata-se de um vírus com material genético constituído de DNA fita dupla. Isso facilita o diagnóstico por biologia molecular, uma vez que o DNA é mais estável, facilitando a coleta e envio de amostras.

O primeiro relato de caso da doença remete a 1994, em animais Siniperca chuatsi, o peixe mandarim chinês, mostrando se capaz, em anos posteriores, de infectar outras espécies como o Black bass e a Grass carp em águas com temperatura superior à 20°C. Os principais sinais clínicos relatados são depressão, alterações na coloração da pele, hiporexia, natação errática, animais parados no fundo do tanque, descoloração de brânquias e ascite (aumento de volume abdominal com presença de líquido) (He et al., 2002). Em tilápias o vírus foi detectado pela primeira vez em um surto de 50-75% de mortalidade em alevinos nos Estados Unidos no final de 2012, mas, supõe-se que foi responsável por diversos outros surtos entre 1997 e 2000, porém, incorretamente identificado devido a dificuldades diagnósticas (sinais inespecíficos, alta e rápida mortalidade, poucos relatos da doença na época) (Subramaniam et al., 2016).

Os sinais clínicos inespecíficos fazem com que a doença possa ser confundida com outras já conhecidas dos piscicultores como estreptococose e aeromonose, fazendo com que recorram ao tratamento rápido (e equivocado) com antibióticos (Florfenicol e Oxitetraciclina), porém, como se trata de um patógeno viral, o uso destes medicamentos não é eficaz, sendo apenas um gasto desnecessário do produtor. 

O correto diagnóstico é difícil de ser realizado a campo, sendo necessário o envio de amostras para um laboratório especializado, onde exames histopatológicos e biomoleculares possam ser conduzidos. Estudos relatam elevadas mortalidades e quantidade de peixes moribundos com aumento de volume abdominal além dos outros sinais clínicos supracitados.

Na histopatologia é fácil de observar células basofílicas hipertróficas em quase todos os tecidos do animal (Figura 1), especialmente os responsáveis pela hematopoese (produção de células do sangue), baço e rim. As análises biomoleculares incluem a detecção do DNA-viral através de reação de cadeia de polimerase (PCR) específica com posterior sequenciamento genético de parte do genoma do patógeno. Existem poucos laboratórios e profissionais capacitados para a realização destes diagnósticos no país.

No Brasil, o ISKNV foi detectado pela primeira vez em 2018 em peixes ornamentais (de Lucca Maganha et al., 2018), e agora, temos o anúncio oficial de detecção da doença em Tilápias. No relato da Peixe BR é informado que baixa mortalidade foi observada, em animais assintomáticos e prontos para o abate. Assim, ainda não podemos afirmar o quanto este patógeno irá impactar na tilapicultura nacional. Adicionalmente, nada se sabe sobre o potencial infeccioso deste vírus em espécies nativas, fazendo com que o risco da doença não se limite apenas à tilapicultura o que é muito preocupante.

 

VNN

O Vírus da Necrose Nervosa é um vírus de RNA fita simples do gênero Betanodavírus, responsável por altas taxas (>70%) de mortalidade nos estágios larvais e juvenis, afetando, até o momento, mais de 50 espécies de peixes (Machimbirike et al., 2019). Assim como o ISKNV, o VNN apresenta sinais clínicos que lembram muito as usuais doenças bacterianas: nado em rodopio/parafuso (natação errática), falta de apetite, exoftalmia e escurecimento da pele.

Os primeiros relatos do vírus são de 1992 no Japão, em larvas de Xaréu Branco, um peixe marinho de águas tropicais e, até o momento, já foi relatado em todos os continentes, com exceção da América do Sul, majoritariamente em espécies marinhas. Em tilápias a doença foi detectada na Europa, Ásia e recentemente África (Taha et al., 2020), onde foi incorretamente caracterizado como surtos de bacterioses, pelos sinais clínicos, por três anos antes da investigação de agentes virais na propriedade. 

Devemos frisar que o tratamento com antibióticos também é ineficaz para esta doença e o diagnóstico só pode ser feito através da identificação molecular do agente (PCR em tempo real) e alterações histopatológicas dos órgãos (Figura 2). A coleta de amostras para o diagnóstico molecular deve ser feita com cuidado redobrado, pois, por ser um vírus de RNA, está sujeito a diversas enzimas que degradam seu material genético antes da chegada ao laboratório, impossibilitando o diagnóstico. No material enviado para diagnóstico (animais vivos ou material/fragmentos de tecidos) deve ser adicionado um reagente de estabilização de RNA, como o RNAlater™, ou gelo seco, o que aumenta o tempo de viabilidade das amostras para diagnóstico.

 

Considerações finais

Com a chegada do ISKNV no Brasil, a tilapicultura precisa cada vez mais do apoio técnico científico fornecido pelos laboratórios e centros de diagnósticos, realizando o mapeamento e limitando a disseminação da doença o máximo possível. A descentralização do diagnóstico é um importante passo que ainda precisamos dar. Poucos laboratórios possuem expertise em diagnóstico de algumas doenças devido à falta de reagentes para padronização das técnicas de diagnóstico e/ou recursos humanos qualificados. 

Ainda não existe um tratamento eficaz para as doenças causadas por vírus, sendo recomendado que, após o diagnóstico, seja feito o descarte do lote, desinfecção do tanque (com meios físicos e químicos) e vazio sanitário, antes do repovoamento. Visto o quão drásticas são estas medidas, o melhor que o produtor pode fazer é evitar que a doença entre no plantel usando técnicas preventivas: Não adquirir animais de regiões com surtos da doença, não comprar ou transportar animais sem o laudo negativo (emitido por laboratório especializado) e desinfecção de redes e vestuário entre um tanque e outro dentro da propriedade. Já existem vacinas eficazes contra ambos os vírus, tanto laboratoriais quanto comerciais, porém são certificadas em poucos países, Singapura e Indonésia  para o ISKNV e União Europeia para o VNN, sendo esta última ainda não aprovada para uso em tilápias. A já existência da vacina comercial pode agilizar a disponibilização da mesma no país. A vacinação é a melhor das estratégias de prevenção, visto que pode proteger os animais por um longo período de tempo. 

A equipe do Laboratório de Bacteriologia em Peixes (LABBEP) da Universidade Estadual de Londrina, sob a responsabilidade do Prof. Dr. Ulisses de Pádua Pereira, já está há mais de 5 anos realizando diagnóstico de peixes de todas as regiões do país, e, e já estamos realizando o diagnóstico do ISKNV, tendo notificado a presença do vírus em uma piscicultura no estado de São Paulo ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Estamos também padronizando as técnicas para detecção do VNN com a ajuda de parceiros internacionais para que possamos auxiliar cada vez mais na melhoria da piscicultura nacional.

 

Autores:  Arthur Roberto da Costa *, Leonardo Mantovani Favero, Roberta Torres Chideroli e Ulisses de Pádua Pereira

Universidade Estadual de Londrina – UEL - Departamento de Medicina Veterinária Preventiva -

Laboratório de Bacteriologia em Peixes (LABBEP) – UEL - Londrina, PR

*upaduapereira@uel.br

 

 

Faça o download e confira o texto completo com todas as ilustrações. Clique aqui

 

 

 

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